Por que algumas pessoas têm diarreia e outras tem prisão de ventre após consumo de leite?

A resposta do corpo ao leite pode variar de pessoa para pessoa, levando a diarreia em alguns casos e prisão de ventre em outros. Isso depende de fatores como intolerância à lactose, sensibilidade às proteínas do leite, microbiota intestinal e regulação do eixo intestino-cérebro.

1. Intolerância à Lactose (Causa mais comum de diarreia)

A lactose é um açúcar presente no leite que precisa ser digerido pela enzima lactase no intestino delgado. Quando há deficiência de lactase (hipolactasia), a lactose não é digerida corretamente e chega ao cólon, onde é fermentada por bactérias, causando:

Diarreia osmótica (a lactose atrai água para o intestino).
Gases e distensão abdominal (devido à fermentação bacteriana).

Algumas pessoas têm déficit parcial de lactase e podem tolerar pequenas quantidades de leite sem sintomas graves.

2. Sensibilidade às Proteínas do Leite (Pode causar tanto diarreia quanto constipação)

O leite contém proteínas como beta-caseína A1 e A2. A A1 é metabolizada em beta-caseomorfina-7 (BCM-7), um peptídeo com efeito opioide que pode:
🔸 Reduzir os movimentos intestinais, causando prisão de ventre. É a condição mais comum relacionada à BCM-7. Acontece pela ativação do receptor Receptores μ-opioides (MOR). Quando isso acontece há redução da motilidade intestinal.
🔸 Aumentar a inflamação intestinal, levando a diarreia em pessoas sensíveis.

Algumas pessoas têm uma leve reação inflamatória ao leite, mesmo sem alergia, resultando em sintomas gastrointestinais variados.

3. Microbiota Intestinal e Eixo Intestino-Cérebro

A composição da microbiota intestinal influencia como o corpo reage ao leite:
Microbiota equilibrada → Ajuda na digestão da lactose e na modulação da resposta inflamatória.
Disbiose (desequilíbrio da microbiota) → Pode levar a fermentação excessiva (diarreia) ou produção de metabólitos que reduzem a motilidade intestinal (prisão de ventre).

4. Alergia à Proteína do Leite de Vaca (APLV) (Mais comum em crianças)

A APLV é uma reação imunológica às proteínas do leite, podendo causar:
🔸 Diarreia com muco ou sangue (casos mais severos).
🔸 Inflamação intestinal crônica, que pode levar a prisão de ventre em alguns casos.

Revisando

Diarreia → Mais comum em quem tem intolerância à lactose (preferir leite sem lactose), APLV (excluir leite da dieta) ou microbiota alterada com tendência inflamatória (melhor dieta em geral).
Prisão de ventre → Mais comum em quem é sensível à beta-caseomorfina-7 (BCM-7), tem disbiose com menor fermentação intestinal ou alterações na regulação do eixo intestino-cérebro. Trocar por leite A2 ou excluir da dieta.

Diferença entre leite A1 e A2

O leite A2 é considerado uma alternativa ao leite tradicional (A1) principalmente devido à diferença na beta-caseína que ele contém. A principal razão pela qual o leite A2 pode não causar os mesmos efeitos adversos no sistema digestivo, como diarreia ou prisão de ventre, está na ausência do peptídeo beta-caseomorfina-7 (BCM-7) ou na quantidade reduzida dele, comparado ao leite A1.

Diferenças entre o Leite A1 e A2:

  • O leite A1 contém a beta-caseína A1, que, durante a digestão, é quebrada em BCM-7, um peptídeo opioide com efeitos fisiológicos no corpo, inclusive sobre o intestino e o cérebro.

  • O leite A2, por outro lado, contém a beta-caseína A2, que não gera BCM-7 durante a digestão. Isso faz com que o leite A2 não tenha os mesmos efeitos relacionados a esse peptídeo.

Efeito opioide no cérebro

As caseomorfinas têm um efeito semelhante ao de alguns opioides no cérebro, o que pode resultar em efeitos como relaxamento e sensação de prazer. Isso ocorre porque essas substâncias podem se ligar aos mesmos receptores opioides no cérebro, os quais são normalmente ativados por substâncias como a morfina ou a heroína. Ou seja, muitas pessoas que têm muitos problemas gastrointestinais devido ao consumo de leite e queijos, possuem uma dificuldade enorme de reduzir estes alimentos da dieta pois sentem enorme prazer com este consumo.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Sistema opioide e o eixo intestino-cérebro

O sistema opioide desempenha um papel crucial na regulação do eixo intestino-cérebro, com implicações significativas para a composição da microbiota intestinal, permeabilidade intestinal, neuroinflamação e comportamento. A desregulação do sistema opioide — seja por meio de opioides endógenos (como endorfinas), opioides exógenos (como morfina ou peptídeos derivados de caseína, como beta-caseomorfina-7 - BCM-7) ou disfunção do receptor opioide — pode levar à disbiose e alterações relacionadas na função intestinal e cerebral (Rueda-Ruzafa et al., 2020).

As proteínas beta-caseína constituem aproximadamente 30% da proteína total do leite de vaca e podem estar presentes como uma das duas principais variantes genéticas: A1 e A2. A beta-caseína A2 é reconhecida como a variante original da beta-caseína porque existia antes de uma mutação pontual de prolina para histidina causar o aparecimento da beta-caseína A1 em alguns rebanhos europeus há cerca de 5.000 a 10.000 anos.

Uma vez que o leite ou os produtos lácteos são consumidos, a ação das enzimas digestivas no intestino na beta-caseína A1 libera o peptídeo opioide bioativo BCM-7. Em contraste, a beta-caseína A2 libera quantidades muito menores e provavelmente mínimas de BCM-7 em condições intestinais normais. A BCM-7 pode desregular a função intestinal e de barreiras por vários mecanismos:

1. Comunicação do sistema opioide e do eixo intestino-cérebro

O eixo intestino-cérebro é uma rede bidirecional que envolve o sistema nervoso, o sistema imunológico e a microbiota. Os opioides influenciam esse sistema por meio de:

  • Receptores μ-opioides (MOR): encontrados no intestino e no cérebro, esses receptores modulam a dor, a motilidade e as respostas imunológicas.

  • Receptores κ-opioides (KOR): ligados às respostas ao estresse e ao equilíbrio da microbiota intestinal.

  • Receptores δ-opioides (DOR): afetam a integridade da barreira intestinal e as respostas inflamatórias.

2. Disbiose induzida pela disfunção do sistema opioide

Disbiose se refere a um desequilíbrio na microbiota intestinal, geralmente caracterizada por:

  • Diversidade microbiana reduzida

  • Crescimento excessivo de bactérias patogênicas

  • Depleção de bactérias benéficas (por exemplo, Lactobacillus, Bifidobacterium)

Os opioides contribuem para a disbiose por 3 mecanismos principais:

✅ Alteração da motilidade intestinal → Tempo de trânsito mais lento leva ao crescimento excessivo de bactérias no intestino delgado (SIBO).

✅ Afetação da produção de muco → Alterações na função da barreira intestinal aumentam a permeabilidade intestinal ("intestino permeável").

✅ Modulação das respostas imunológicas → Aumento da inflamação promove condições neuroinflamatórias.

3. Opioides, inflamação e desregulação de neurotransmissores

Aumento da permeabilidade ("intestino permeável") → Permite que endotoxinas bacterianas (por exemplo, lipopolissacarídeos - LPS) passem para a corrente sanguínea, desencadeando inflamação sistêmica.

Alterações nos neurotransmissores causadas pela microbiota:

  • Desregulação da dopamina e serotonina → Altera o humor e a função cognitiva.

  • Desequilíbrio GABA/glutamato → Afeta a resiliência ao estresse e a neuroplasticidade.

  • Neuroinflamação → A ativação crônica da microglia (células imunológicas do cérebro) pode contribuir para ansiedade, depressão e declínio cognitivo.

4. Implicações clínicas da disbiose mediada por opioides

🔹 Constipação induzida por opioides (OIC): Um exemplo clássico de disbiose relacionada a opioides.

🔹 Transtornos neuropsiquiátricos: Disbiose e disfunção do sistema opioide estão relacionadas ao transtorno do espectro autista (TEA), depressão e esquizofrenia.

🔹 Dependência e desejos: Peptídeos derivados do intestino influenciam as vias de recompensa, contribuindo para a dependência de opioides e desejos por alimentos ricos em gordura/açúcar.

5. Estratégias terapêuticas potenciais

✅ Probióticos e prebióticos: Restauram o equilíbrio da microbiota (por exemplo, Bifidobacterium longum para reduzir a inflamação).

✅ Moduladores do receptor opioide: Agentes como naloxona/naltrexona podem modular o eixo intestino-cérebro.

✅ Intervenções dietéticas: Mudar para uma dieta de leite A2 (reduzindo a exposição à beta-caseomorfina-7) pode ajudar indivíduos sensíveis a opioides derivados de laticínios. Ou excluir totalmente os laticínios.

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Leite A1 x Leite A2: efeitos no intestino e cérebro

A beta-caseomorfina-7 (BCM-7) é um peptídeo opioide derivado da digestão da beta-caseína A1, uma proteína presente no leite de vacas de algumas raças, como Holstein. Há interesse científico no seu impacto no eixo intestino-cérebro, pois pode afetar tanto o trato gastrointestinal quanto o sistema nervoso central.

Beta-caseomorfina-7 e o eixo intestino-cérebro

O eixo intestino-cérebro é a comunicação bidirecional entre o intestino e o cérebro, mediada por hormônios, neurotransmissores, o sistema nervoso entérico e a microbiota intestinal. A BCM-7 pode influenciar esse eixo de diferentes formas:

Má digestão

A β-casomorfina 7 (BCM7) no lúmen não é bem digerida pela enzima dipeptidil-peptidase-4 (DDP4) e atinge a corrente sanguínea devido a alterações na integridade do epitélio intestinal.

Impacto na permeabilidade intestinal ("leaky gut")

A BCM-7 pode aumentar a permeabilidade intestinal, permitindo que mais substâncias passem para a corrente sanguínea. Isso pode influenciar processos inflamatórios e afetar o cérebro. Uma permeabilidade intestinal alterada está ligada a doenças neurológicas e inflamatórias.

As claudinas 2, 10 e 15 (CLDN2, CLDN10 e CLDN15) estão mais abertas após consumo de leite A1. Estas proteínas desempenham um papel na estrutura e função das junções de oclusão (tight junctions) entre as células do epitélio intestinal. Quando ficam mais abertas (mais porosas) a permeabilidade intestinal aumenta.

Efeito opioide no sistema nervoso

Com o aumento da permeabilidade a BCM-7 pode cair na corrente sanguínea e atravessar a barreira hematoencefálica, ligando-se a receptores opioides no cérebro. Isso pode estar associado a efeitos neurológicos, como alteração do humor e do comportamento.

Há estudos que sugerem uma relação entre BCM-7 e distúrbios neurológicos, como autismo e esquizofrenia, embora os dados ainda sejam inconclusivos. Também pode ocorrer deterioração da mielinização.

Efeito pró-inflamatório

A BCM-7 pode desencadear uma resposta inflamatória no intestino, ativando o sistema imunológico e potencialmente influenciando processos neuroinflamatórios e neurotóxicos.

Algumas crianças com autismo podem ter maior permeabilidade intestinal ("leaky gut"), o que permitiria uma maior absorção de BCM-7.

Leite A1 vs. Leite A2

Devido a preocupações sobre os efeitos da BCM-7, tem crescido o interesse pelo leite A2, que contém apenas beta-caseína A2 e não gera BCM-7 durante a digestão. Algumas pesquisas indicam que o leite A2 (proveniente de vacas que produzem apenas beta-caseína A2, como a raça Jersey e Guernsey), assim como leite de cabra ou ovelha (que não contém beta-caseína A1) podem ser melhor tolerados por pessoas com desconforto digestivo relacionado ao consumo de leite. Outras alternativas são os leites vegetais (amêndoa, coco, aveia, etc.).

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