Microbiota intestinal e TDAH em mulheres

Nos últimos anos, o conceito de Eixo Microbiota Intestinal–Intestino–Cérebro (GMGBA) tem emergido como uma área crucial de estudo. Esse eixo envolve interações complexas entre a microbiota intestinal e o sistema nervoso central (SNC), o sistema nervoso entérico (SNE), o sistema endócrino e o sistema imunológico. A microbiota intestinal exerce influência sobre o SNC através de metabólitos que afetam a cognição, emoção e até mesmo a resposta ao estresse, enquanto o SNC pode, por sua vez, regular funções intestinais como motilidade e permeabilidade.

Através desse eixo, as funções do cérebro e do intestino estão interligadas, explicando a comorbidade entre distúrbios gastrointestinais e condições neurológicas, como ansiedade e depressão. Além disso, a microbiota intestinal pode afetar o ponto de ajuste do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA), influenciando a resposta ao estresse, a liberação de cortisol e a ativação do sistema imunológico.

A microbiota intestinal desempenha um papel fundamental na produção e metabolização de diversos compostos que interagem com o hospedeiro humano, muitos dos quais têm relevância neuroquímica. Entre os metabólitos mais relevantes para o Eixo Microbiota Intestinal–Intestino–Cérebro (GMGBA) estão os aminoácidos fenilalanina, tirosina e triptofano, os neurotransmissores norepinefrina, dopamina, serotonina, ácido γ-aminobutírico (GABA) e acetilcolina (ACh), os ácidos graxos de cadeia curta (SCFAs), e o fator neurotrópico derivado do cérebro (BDNF).

Esses metabólitos desempenham diversas funções essenciais dentro do hospedeiro humano, e sua produção e disponibilidade estão intimamente ligadas à microbiota intestinal. A produção alterada de metabólitos microbianos pode impactar a fisiologia do hospedeiro, contribuindo para o desenvolvimento de condições neuropsiquiátricas e outras doenças.

A variação interindividual na composição da microbiota intestinal é influenciada por várias características do hospedeiro, incluindo sexo e presença de transtornos neuropsiquiátricos, como depressão, ansiedade e transtornos do espectro autista (TEAs) e transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH).

O TDAH é um transtorno neurológico que começa na infância e se caracteriza por sintomas persistentes de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade. Esses sintomas impactam negativamente o funcionamento diário do indivíduo, afetando suas interações sociais e desempenho acadêmico. Existem três subtipos de TDAH: primariamente desatento, primariamente hiperativo-impulsivo e combinado.

Os sintomas do TDAH estão associados a alterações nos sistemas neurotransmissores, como os sistemas dopaminérgico e noradrenérgico, que afetam a atenção e a atividade. Alterações na estrutura cerebral e na conectividade também têm sido observadas em pacientes com TDAH, especialmente em imagens de ressonância magnética (RM). A disfunção nas redes cerebrais envolvidas no controle executivo e na memória de trabalho (WM) é uma característica comum do TDAH, com diferenças observadas entre homens e mulheres com o transtorno.

Exemplos de Impactos dos Metabólitos Microbianos na Saúde

  • Triptofano e Serotonina: O triptofano é um precursor da serotonina, um neurotransmissor essencial para o bem-estar emocional e a regulação do humor. Estudos como o de Desbonnet et al. demonstraram que a administração de Bifidobacterium infantis em ratos machos adultos foi correlacionada com a diminuição da produção de interferon gama (IFN-γ), o que resultou em um aumento das concentrações plasmáticas de triptofano. O aumento do triptofano leva a uma maior disponibilidade de serotonina, com potenciais implicações para o desenvolvimento de sintomas depressivos em condições de disbiose intestinal.

  • Dopamina e Norepinefrina: Esses neurotransmissores são sintetizados em uma via bioquímica compartilhada por espécies bacterianas como Bacillus e Escherichia. A disbiose, que afeta esses táxons, pode alterar as funções neurológicas de aprendizado e memória. Dessa forma, a microbiota intestinal tem um papel significativo na modulação dessas funções cognitivas.

A interação entre esses metabólitos e os sistemas nervoso, endócrino, imunológico e circulatório forma um complexo eixo que influencia diretamente a saúde do hospedeiro. As diversas vias e mecanismos dentro do GMGBA são essenciais para o funcionamento equilibrado do corpo, sendo a composição microbiana intestinal um fator determinante nesse processo.

Tabela 1: Metabólitos Microbianos e Suas Funções

Indivíduos com TDAH são mais propensos a ter transtornos psiquiátricos comórbidos, como transtornos de ansiedade, transtorno depressivo maior (TDM) e transtornos de humor. Além disso, o TDAH apresenta sintomas semelhantes aos do autismo, como desatenção e dificuldades comportamentais, com a disfunção gastrointestinal também sendo relatada em pacientes com TDAH. Estas comorbidades também estão associadas à modificações da microbiota.

Tabela 2: Doenças crônicas associadas à disbiose intestinal e os táxons microbianos que exibem abundância alterada nessas condições.

TDAH e o Eixo Microbiota Intestinal–Intestino–Cérebro

Embora a principal hipótese seja de que a causa genética seja a mais importante no estabelecimento do TDAH, outros fatores contribuem para o transtorno, incluindo alterações do microbioma intestinal.

Diversos estudos têm comparado a composição microbiana intestinal em indivíduos com TDAH e indivíduos saudáveis, encontrando diferenças significativas. Um estudo de 2018 revelou que indivíduos com TDAH apresentaram uma composição intestinal distinta, com maior abundância de Neisseriaceae e menor de Prevotellaceae, em comparação com os controles. Além disso, os biomarcadores associados a TDAH, como Neisseria e espécies de Bacteroides, foram identificados. Pesquisas adicionais sugerem que a disbiose microbiana pode afetar a síntese de neurotransmissores como dopamina e norepinefrina, com implicações na função cerebral.

Outro estudo de 2017 encontrou uma abundância aumentada de Actinobacteria e uma diminuição de Firmicutes em indivíduos com TDAH, sugerindo que a composição microbiana pode influenciar processos neuroquímicos críticos, incluindo a sinalização da dopamina. Bifidobacterium, um gênero bacteriano do filo Actinobacteria, foi observado em maior abundância em indivíduos com TDAH, enquanto Clostridiales, do filo Firmicutes, foi reduzido. Essa alteração poderia impactar a regulação da dopamina, afetando os comportamentos característicos do TDAH.

Ainda existem lacunas importantes na pesquisa sobre o microbioma intestinal no TDAH. A maioria dos estudos tem sido centrada em indivíduos do sexo masculino, com amostras etnicamente homogêneas, o que limita a generalização dos resultados.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Aplicações da metabolômica. na nutrição de depressão

A metabolômica, a mais jovem das ciências “ômicas”, está ganhando destaque na biologia de sistemas e tem um papel significativo na medicina personalizada e nutrição de precisão. Junto com a genômica, transcriptômica e proteômica, ela oferece ferramentas para entender como fatores genéticos, ambientais e epigenéticos influenciam o organismo humano.

Enquanto a genômica está relacionada ao genótipo (a informação contida no DNA), a metabolômica reflete o fenótipo (o desfecho, a aparência, o que de fato acontece), possibilitando a identificação de associações entre polimorfismos genéticos e alterações metabólicas. Isso fornece uma visão única sobre como o estilo de vida e fatores epigenéticos moldam as respostas individuais.

O Papel dos Ácidos Orgânicos

Um grupo importante de metabólitos estudados na metabolômica são os ácidos orgânicos (AOs). Eles são metabólitos intermediários de vias metabólicas cruciais, como:

  • Ciclo de Krebs,

  • Metabolismo de carboidratos,

  • β-oxidação de ácidos graxos,

  • Turnover de neurotransmissores,

  • Metabolismo de proteínas.

A análise de AOs na urina teve seu marco inicial em 1970, com Tanaka e Isselbacher documentando a primeira acidúria orgânica. Desde então, essa abordagem tem sido usada para diagnosticar erros congênitos do metabolismo, ao identificar disfunções enzimáticas que levam ao acúmulo de metabólitos específicos.

Avanços Tecnológicos e o Metaboloma Humano

Nos anos 1970, Horning e sua equipe introduziram o conceito de perfil metabólico, usando cromatografia gasosa-espectrometria de massa (GC-MS) para quantificar metabólitos na urina. Essa inovação marcou o início da metabolômica como uma ferramenta para investigar a saúde de forma personalizada, mesmo em indivíduos sem doenças metabólicas congênitas.

Com os avanços da tecnologia, o campo cresceu rapidamente. Em 2004, foi lançado o Projeto do Metaboloma Humano, que visava identificar todos os metabólitos presentes no corpo humano. A primeira versão desse projeto foi concluída em 2007, trazendo insights sobre como o metaboloma pode ser um índice reflexivo do estado de saúde, incorporando influências ambientais como dieta e exercícios.

Deficiências nutricionais afetam a produção de metabólitos e suas concentrações plasmáticas e urinárias (Tsoukalas et al., 2017)

Alterações metabolômicas associadas à deficiência de B12

Os marcadores de metilação são indicadores bioquímicos que ajudam a identificar alterações no metabolismo relacionadas à deficiência de vitamina B12. A vitamina B12 desempenha um papel crucial como cofator em reações de metilação, especialmente na conversão de homocisteína em metionina, processo essencial para a síntese de DNA, reparo celular e regulação genética.

Quando há deficiência de vitamina B12, podem ser observadas alterações nos níveis de certos metabólitos, como:

  • Aumento da homocisteína: Acúmulo devido à falha na conversão para metionina.

  • Aumento do ácido metilmalônico (MMA): Um marcador específico que reflete diretamente a deficiência de B12.

Esses marcadores são frequentemente usados em testes laboratoriais para diagnóstico e monitoramento da deficiência de vitamina B12, especialmente em indivíduos com sintomas como fadiga, neuropatia e anemia megaloblástica.

Na deficiência de B12 os níveis de ácido metilmalônico (ou metilmalonato) estão aumentados (Tsoukalas et al., 2017)

Perspectivas Futuras

A metabolômica está se consolidando como uma ciência essencial para a medicina personalizada. Sua capacidade de oferecer uma visão integrada do estado de saúde, combinando dados genéticos, metabólicos e ambientais, promete transformar diagnósticos e tratamentos, abrindo caminho para abordagens mais precisas e individualizadas.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Explorando o Papel da Metabolômica na depressão

A medicina de precisão busca desenvolver estratégias personalizadas de prevenção e cuidado, considerando a variabilidade individual em fatores como ambiente, estilo de vida, genética e fenótipo molecular. Uma das ferramentas da medicina e da nutrição de precisão são os estudos genéticos. A genômica nutricional e clínica tem sido uma ferramenta essencial para orientar terapias e prever resultados da oncologia à saúde mental. No entanto, embora as ferramentas genômicas forneçam uma visão detalhada da variabilidade individual, elas não capturam outras biomoléculas importantes, como metabólitos, que também moldam os fenótipos moleculares (Clish, 2015).

O Papel da Metabolômica na Medicina de Precisão

A metabolômica é definida como o estudo abrangente de metabólitos e moléculas de baixo peso molecular em amostras biológicas. Ela oferece perfis detalhados de processos biológicos e vias metabólicas, permitindo uma visão mais ampla da bioquímica humana. Por exemplo, desde a década de 1950, metabólitos têm sido usados para diagnosticar condições como diabetes e fenilcetonúria. Essas moléculas são repórteres dinâmicos, capazes de refletir especificidades de tecido e mudanças temporais, características que complementam as análises genômicas.

Desafios e Evolução da Metabolômica

Ao contrário da genômica, a metabolômica enfrenta desafios devido à diversidade química dos metabólitos, que variam de ácidos orgânicos solúveis a lipídios apolares. Para lidar com isso, as plataformas metabolômicas geralmente segmentam os metabólitos em subconjuntos com base em propriedades químicas e utilizam abordagens analíticas específicas.
Além disso, o campo está em constante evolução, com avanços em tecnologias como cromatografia líquida-espectrometria de massa (LC-MS). Apesar da inovação, a falta de padronização global ainda dificulta a comparação de dados entre laboratórios.

Iniciativas buscam superar esses desafios, estabelecendo diretrizes para padronização de dados e promovendo repositórios abertos como o MetaboLights, The human metabolome database e o Metabolomics Workbench.

Descobrindo Novos Indicadores de Doença

Estudos recentes revelam que o metaboloma humano inclui mais de 19.000 pequenas moléculas, abrangendo metabólitos endógenos, derivados de alimentos, medicamentos, microbiota e meio ambiente. Essa complexidade oferece oportunidades para identificar novos marcadores de doenças e avançar na medicina de precisão.

Por exemplo:

  • Câncer pancreático: Identificadores metabólicos foram detectados anos antes dos sintomas clínicos.

  • Diabetes tipo 2: Alterações metabólicas precoces revelaram associações com resistência à insulina.

  • Doenças cardiovasculares: Estudos relacionaram a dieta e a microbiota a eventos cardíacos.

Marcadores metabolômicos para depressão

Marcadores metabolômicos para depressão são compostos bioquímicos que podem estar alterados em indivíduos com depressão, fornecendo insights sobre os mecanismos moleculares subjacentes à condição e potenciais ferramentas para diagnóstico, prognóstico e monitoramento de tratamentos. Estudos em metabolômica têm identificado vários marcadores potenciais, incluindo metabólitos relacionados ao metabolismo energético, neurotransmissores e estresse oxidativo. Aqui estão alguns grupos e exemplos específicos:

1. Metabólitos de Neurotransmissores

  • Ácido quinolínico: Relacionado à via do triptofano e do metabolismo da quinurenina, muitas vezes associado à neuroinflamação.

  • Triptofano e seus derivados: Alterações em seu metabolismo podem indicar disfunções na síntese de serotonina, um neurotransmissor crucial.

  • Ácido gama-aminobutírico (GABA): Baixos níveis podem estar associados à depressão devido ao papel inibitório no sistema nervoso central.

2. Metabolismo Energético

  • Glucose e intermediários glicolíticos: Distúrbios no metabolismo energético têm sido observados em pacientes com depressão.

  • Ácidos graxos livres: Disfunções no metabolismo lipídico podem estar relacionadas à inflamação e ao risco de depressão.

3. Estresse Oxidativo e Inflamação

  • Malondialdeído (MDA): Um indicador de estresse oxidativo, frequentemente elevado na depressão.

  • Glutationa: Níveis reduzidos indicam desequilíbrios na capacidade antioxidante.

4. Aminoácidos

  • Alanina, glutamina e glutamato: Alterações nesses aminoácidos têm sido observadas em pessoas com depressão.

  • Glicina: Associada à modulação de neurotransmissores e processos inflamatórios.

5. Marcadores Hormonais e Lipídicos

  • Cortisol: Apesar de ser mais amplamente medido por métodos tradicionais, estudos metabolômicos também o analisam em contextos de estresse.

  • Esfingolipídeos e fosfolipídeos: Envolvidos na integridade da membrana celular e na sinalização neuronal.

6. Ácidos Orgânicos

  • Ácido láctico: Elevado em condições de estresse metabólico e associado à disfunção mitocondrial.

  • Ácidos biliares: Potencialmente implicados em alterações no eixo intestino-cérebro.

7. Microbiota Intestinal

  • Metabólitos como ácidos graxos de cadeia curta (ex.: butirato) têm sido implicados na modulação do eixo intestino-cérebro.

Muitos outros metabólitos têm sido implicados com sintomas de depressão (Kluiver et al., 2023)

Aplicações Clínicas

O impacto da metabolômica na medicina de precisão está apenas começando a ser explorado. Embora esses marcadores sejam promissores, a utilização na prática clínica ainda enfrenta desafios. A variabilidade individual, a influência de fatores externos (como dieta e atividade física) e a complexidade dos mecanismos moleculares exigem estudos adicionais para validar a sensibilidade e a especificidade desses biomarcadores.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/