Dietas Cetogênicas: Benefícios, Mecanismos e Evidências Clínicas

As dietas cetogênicas (DC) têm ganhado popularidade principalmente por sua capacidade de promover uma rápida perda de peso no curto prazo. O padrão alimentar da DC é caracterizado por uma ingestão muito restrita de carboidratos, com menos de 50 g por dia, enquanto há um aumento significativo na ingestão de proteínas e gorduras. Esta restrição de carboidratos leva a um aumento na produção de corpos cetônicos, que são gerados a partir da quebra dos ácidos graxos e aminoácidos cetogênicos.

As cetonas, por sua vez, são uma fonte alternativa de energia em comparação com os carboidratos, o que induz várias adaptações fisiológicas no corpo. Essas adaptações têm mostrado efeitos benéficos à saúde, incluindo a melhoria dos perfis glicêmico e lipídico, além da promoção da perda de peso. Por esses motivos, a dieta cetogênica também tem sido recomendada como tratamento não farmacológico para a epilepsia refratária a medicamentos, tanto em crianças quanto em adultos. Diversos estudos indicam que a DC pode reduzir a frequência de convulsões em pacientes com epilepsia resistente a medicamentos, com alguns pacientes alcançando remissão completa e sustentada. No entanto, o mecanismo exato que confere a propriedade anticonvulsivante à dieta cetogênica ainda não está totalmente esclarecido.

Evidências Clínicas sobre a Dieta Cetogênica

Várias revisões sistemáticas e metanálises de ensaios clínicos randomizados (RCTs) têm explorado os efeitos da dieta cetogênica em diferentes condições de saúde. Esses estudos demonstraram os benefícios da DC para controlar o peso e melhorar os parâmetros cardiometabólicos em pacientes com obesidade ou diabetes mellitus tipo 2 (DM2). Além disso, a dieta tem sido utilizada em pacientes com epilepsia refratária para reduzir a frequência de convulsões, e também por atletas, visando a melhoria do desempenho e o controle de peso.

Embora os resultados positivos sejam frequentemente observados, a literatura existente sobre a dieta cetogênica ainda carece de uma síntese robusta da qualidade e força das evidências. A maioria das pesquisas sobre a DC tem sido focada em estudos com amostras relativamente pequenas e com diferentes protocolos de dieta, o que pode dificultar a comparação dos resultados e a generalização dos achados.

Uma revisão sistemática incluiu 17 meta-análises, com 68 RCTs únicos, com um tamanho de amostra mediano de 42 participantes (variação de 20 a 104) e um período de acompanhamento mediano de 13 semanas. A qualidade das meta-análises, conforme avaliada pelo AMSTAR-2, revelou que nenhuma foi classificada como de alta confiança, 2 (12%) como confiança moderada, 2 (12%) como confiança baixa e 13 (76%) como confiança criticamente baixa (Patikorn et al., 2023).

Foram identificados quatro tipos de dietas cetogênicas na revisão:

  1. DC tradicional com ingestão de carboidratos <50 g/dia ou <10% da ingestão total de energia (TEI).

  2. DC clássica (baixo carboidrato, dieta rica em gordura) com ingestão de carboidratos <50 g/dia ou <10% de TEI e alta ingestão de gordura (60-80% de TEI).

  3. DC de baixa caloria com ingestão de carboidratos <30–50 g/dia ou 13–25% de TEI e TEI <700–800 kcal/dia.

  4. MAD (dieta Atkins modificada), com ingestão de carboidratos <10 g/dia, incentivando alimentos ricos em gordura.

Principais Achados

As principais associações estatisticamente significativas encontradas foram:

  • Epilepsia refratária: DC ou MAD, por 3 a 16 meses, foi associada a uma redução significativa na frequência de crises em crianças e adolescentes com epilepsia refratária.

  • Diabetes tipo 2: DC por 3 meses reduziu significativamente os triglicerídeos e HbA1c em adultos com diabetes tipo 2.

  • Peso corporal: DC clássica por 4-6 semanas foi associada a uma perda de peso clinicamente significativa em adultos com diabetes tipo 2 com sobrepeso ou obesidade.

Em termos de segurança, não houve aumento significativo nos eventos adversos (como constipação, dor abdominal e náusea) com a dieta cetogênica.

Benefícios da Dieta Cetogênica discutidos

Controle de Crises em Epilepsia
Em crianças e adolescentes com epilepsia refratária a medicamentos, a DC tem mostrado melhorar o controle das crises. Aproximadamente um terço dos casos experimentaram uma redução significativa das crises ao longo de até 16 meses. Mecanismos possíveis incluem: aumento do metabolismo mitocondrial, produção de corpos cetônicos e redução dos níveis de glicose no cérebro. Além disso, a dieta pode ter efeitos no aumento do GABA (ácido gama-aminobutírico), redução de marcadores inflamatórios e modificações epigenéticas benéficas.

Efeitos em Adultos
Para adultos, a DC tem sido associada a melhorias em medidas antropométricas, como perda de peso, além de benefícios em parâmetros cardiometabólicos e desempenho físico. No entanto, há diferenças significativas dependendo do tipo de dieta cetogênica seguida. A VLCKD (dieta cetogênica de ingestão muito baixa de carboidratos) tem mostrado ser muito eficaz na perda de peso, preservando a massa muscular, enquanto dietas como o K-LCHF (low-carb high-fat) podem resultar em perda de massa muscular.

A DC é eficaz na redução dos níveis de triglicerídeos após três meses de ingestão reduzida de carboidratos, com reduções adicionais após 12 meses. Isso pode ser atribuído à diminuição da insulina e ao aumento da lipólise (quebra de gordura). Além disso, a cetose (produzida pela dieta) pode ter um efeito direto na redução de triglicerídeos, independentemente da perda de peso.

Desafios e Limitações

Redução da Massa Muscular e Aumento do LDL-C: Uma limitação importante da KD é a perda de massa muscular, especialmente nas fases iniciais da dieta. Isso é frequentemente acompanhado por um aumento do LDL-C (colesterol de lipoproteína de baixa densidade), o que pode gerar preocupações sobre a saúde cardiovascular a longo prazo. No entanto, o aumento do LDL-C não implica necessariamente em um risco cardiovascular elevado, já que as partículas de LDL variam em tamanho e composição, com as partículas menores sendo mais aterogênicas.
A DC também tem mostrado promover uma perda de peso rápida e significativa nas fases iniciais, mas a sustentabilidade dessa perda ao longo do tempo ainda é um desafio. Os resultados indicam que a perda de peso com a DC é modesta, comparável a outras intervenções dietéticas como o jejum intermitente ou a dieta mediterrânea.

Importância da Consulta Profissional
É fundamental que qualquer intervenção dietética, incluindo a KD, seja supervisionada por profissionais de saúde. Para garantir o sucesso e a sustentabilidade, é necessário que os pacientes recebam orientação adequada e educação sobre a dieta e seus potenciais efeitos colaterais.

Precisa de ajuda? Marque aqui sua consulta de nutrição online.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Dieta cetogênica no autismo

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é frequentemente associado a comportamentos alimentares desafiadores, como seletividade alimentar e padrões alimentares repetitivos, que não só podem afetar o crescimento e a nutrição dos pacientes, mas também influenciam a composição do microbioma intestinal. A dieta pode desempenhar um papel importante na modulação da saúde intestinal, e alguns estudos sugerem que intervenções dietéticas podem impactar positivamente os sintomas do TEA, especialmente através de modificações no microbioma intestinal.

A Dieta Cetogênica e seus Efeitos no Microbioma Intestinal

A dieta cetogênica (KD), que é rica em gorduras, pobre em carboidratos e com proteínas adequadas, é bem estabelecida no tratamento da epilepsia infantil farmacologicamente resistente e tem mostrado potencial para benefícios neuroprotetores em indivíduos com TEA. Pesquisas com camundongos BTBR, um modelo de TEA, indicaram que a dieta cetogênica pode modificar o microbioma intestinal, levando a uma redução na abundância de bactérias, especialmente aquelas que metabolizam carboidratos não digeridos. Os resultados sugerem que a dieta cetogênica pode melhorar os sintomas do TEA ao promover um equilíbrio bacteriano mais favorável, com o aumento de produtores de ácidos graxos de cadeia curta (SCFAs), como C. coccoides e C. leptum.

Suplementos Nutricionais e o Microbioma no TEA

Além da dieta cetogênica, suplementos nutricionais também têm sido investigados para seus efeitos no microbioma e no comportamento de indivíduos com TEA. Um estudo sobre a suplementação com galacto-oligossacarídeos prebióticos (B-GOS®) mostrou melhorias na composição do microbioma intestinal e no comportamento de crianças com autismo. A suplementação aumentou a abundância de Bifidobacteria, especialmente B. longum, e membros da família Lachnospiraceae, conhecidos por produzir butirato, um ácido graxo benéfico para a saúde intestinal. Além disso, os níveis fecais de aminoácidos, que podem indicar problemas na barreira intestinal, diminuíram, sugerindo que a suplementação com B-GOS® também pode melhorar a saúde intestinal.

Outros estudos investigaram a administração de suplementos de vitamina A em crianças autistas, mas não observaram alterações significativas nos sintomas do TEA, apesar das mudanças na composição do microbioma intestinal. Outro estudo piloto indicou que o colostro bovino (BCP), um produto rico em fatores imunológicos e prebióticos, melhorou os sintomas gastrointestinais e comportamentais em crianças autistas. No entanto, não foram encontradas mudanças significativas na composição microbiana intestinal após o tratamento com BCP.

Desafios e Perspectivas Futuras

Embora os dados sugiram que intervenções dietéticas e suplementos possam ter efeitos benéficos no TEA, os resultados dos estudos são, em sua maioria, inconclusivos. A variabilidade entre os indivíduos, tanto no microbioma intestinal quanto nos resultados do tratamento, pode ser um fator importante. Além disso, a falta de padronização na análise do microbioma e a pequena amostra de participantes nos estudos dificultam a generalização dos resultados.

Para avançar nesse campo, é crucial adotar métodos mais rigorosos, como estudos com amostras maiores, e incorporar abordagens multiômicas que permitam avaliar as alterações metabólicas e a composição microbiana de maneira mais detalhada. Além disso, mais pesquisas são necessárias para entender os efeitos a longo prazo das modificações dietéticas no microbioma intestinal e identificar quais intervenções podem trazer os maiores benefícios para os indivíduos com TEA.

Em resumo, enquanto as intervenções dietéticas, como a dieta cetogênica, suplementos prebióticos e vitamínicos, mostram potencial para melhorar o microbioma intestinal e os sintomas do TEA, é necessário realizar mais pesquisas para confirmar esses efeitos e desenvolver estratégias de tratamento mais eficazes e personalizadas.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Por que seu estômago dói quando você está nervoso?

Você está prestes a subir ao palco para uma palestra importante. Mesmo depois de meses de preparação e ensaio, o nervosismo toma conta quando você começa a pensar no que pode dar errado. E se você esquecer o que planejou dizer? E se tropeçar na frente de todos? Pouco antes de entrar no palco, você sente seu estômago embrulhar, começando a roncar ou se apertar. Em questão de minutos, você sente a necessidade de correr para o banheiro. Esse desconforto, embora pareça totalmente mental, é um reflexo de um sistema mais complexo em nosso corpo: o Eixo Intestino-Cérebro.

O eixo-intestino cérebro é um sistema de comunicação bidirecional entre o cérebro e o microbioma intestinal (os microrganismos presentes em nosso trato gastrointestinal). Esse eixo foi mais explorado após a publicação do Projeto Genoma Humano em 2007, quando os cientistas começaram a entender melhor o microbioma intestinal, que é um ecossistema complexo composto por bilhões de bactérias e outros microrganismos. O intestino não só ajuda na digestão, mas também regula o sistema imunológico, sintetiza neurotransmissores e influencia nossas respostas metabólicas.

Como o Eixo Intestino-Cérebro afeta nossa saúde

Pesquisas recentes mostram que o eixo-intestino-cérebro tem impacto em uma ampla gama de condições de saúde. Em um extremo, ele pode influenciar distúrbios como ansiedade, depressão e doenças neurodegenerativas como Alzheimer. Também está ligado a problemas metabólicos, como diabetes tipo 2 e obesidade. Por outro lado, estudos indicam que um microbioma intestinal saudável pode melhorar o desempenho atlético, já que indivíduos com melhor condicionamento físico tendem a ter um microbioma mais saudável.

O Papel do Nervo Vago

O eixo-intestino-cérebro é fisicamente conectado através do nervo vago, um dos maiores nervos do corpo, que desempenha um papel fundamental na atividade parassimpática — o sistema responsável pelas funções de "repouso e digestão". O nervo vago regula funções essenciais como a respiração, batimentos cardíacos e digestão. A comunicação entre o cérebro e o intestino ocorre através deste nervo, que transmite informações do cérebro para o sistema nervoso entérico (ENS) presente no intestino, e vice-versa.

Como o Estresse Afeta o Eixo intestino-cérebro

Quando você está nervoso ou estressado, como antes de uma grande apresentação, seu corpo ativa o sistema nervoso simpático, que prepara o corpo para a ação, conhecido como resposta de "luta ou fuga". Isso inibe o nervo vago e pode reduzir a atividade gastrointestinal, provocando desconfortos como os que você sente no estômago. Além disso, as bactérias intestinais benéficas podem ajudar a reduzir os hormônios do estresse e melhorar a função do nervo vago, equilibrando essa resposta.

O Impacto da Dieta no Eixo Intestino-Cérebro

O que comemos tem um papel importante na saúde do microbioma intestinal. Dietas ricas em alimentos processados, açúcares e gorduras podem prejudicar a função do intestino e, por consequência, a comunicação com o cérebro. Já uma dieta rica em fibras, prebióticos e probióticos ajuda a melhorar essa comunicação. Certos alimentos podem promover o crescimento de cepas bacterianas benéficas que promovem a saúde intestinal, enquanto outros, como alimentos com alto teor de gordura e açúcar, podem afetar negativamente o microbioma.

O Exercício e o Eixo Intestino-Cérebro

A prática regular de exercícios também tem um impacto positivo no microbioma intestinal. Atletas com melhor condicionamento físico tendem a ter um microbioma mais diversificado, o que pode contribuir para uma melhor saúde intestinal. Exercícios de baixo impacto, como yoga têm mostrado melhorar o tônus vagal, favorecendo a comunicação entre o intestino e o cérebro.

O Papel das Dietas Cetogênicas

Pesquisas emergentes sugerem que dietas cetogênicas, ricas em gorduras e baixas em carboidratos, podem influenciar positivamente o microbioma intestinal, especialmente em condições como epilepsia. A cetose nutricional (estado em que o corpo usa gordura como principal fonte de energia) pode alterar a sinalização de neurotransmissores no cérebro, como aumentar o GABA (um neurotransmissor com efeito relaxante), o que pode explicar os benefícios terapêuticos dessa dieta para distúrbios neurológicos.

O Que Ainda Não Sabemos

Embora a pesquisa sobre o Eixo Intestino-Cérebro esteja avançando rapidamente, ainda há muito a ser descoberto. A definição de um microbioma intestinal "saudável" é complexa e ainda não totalmente clara. Além disso, as intervenções mais eficazes para melhorar o eixo intestino-cérebro, como dietas ou práticas de estilo de vida, ainda precisam de mais estudos para confirmar seus benefícios a longo prazo.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/