Mutações pré e pós gastrulação e alterações do neurodesenvolvimento

Mutações recebidas dos pais (germinativas) a partir de suas células reprodutivas - óvulo e espermatozóides estão presentes desde o início da formação do organismo. Se uma mutação germinativa ocorre, ela estará presente em todas as células do corpo do indivíduo e pode ser passada aos seus descendentes. Mutações hereditárias de doenças como a hemofilia e a doença de Huntington são exemplos de mutações germinativas. As mutações germinativas também podem desempenhar um papel no início do neurodesenvolvimento.

Mutações somáticas ocorrem nas células somáticas, que são todas as células do corpo exceto as células reprodutivas. Como elas surgem ao longo da vida e em células específicas, não são passadas para os descendentes. As mutações somáticas podem ocorrer devido a fatores ambientais (como radiação, toxinas, e vírus) ou durante a divisão celular. Elas podem levar a alterações em tecidos específicos, como no caso de alguns tipos de câncer, onde mutações somáticas contribuem para o crescimento descontrolado de células tumorais.

Sabemos também que neurônios acumulam de centenas a milhares de mutações somáticas ao longo do desenvolvimento (An, & Kim, 2024). Os estudos de sequenciamento do genoma completo ajudam a caracterizar os tipos de mutações e como afetam o risco de transtornos do neurodesenvolvimento (como TEA e TDAH) e de transtornos mentais (como esquizofrenia).

A taxa de novas mutações é relativamente baixa na fase de pré-gastrulação em comparação com a fase de gastrulação, especialmente após a 22a semana gestacional.

A fase pré-gastrulação ocorre nos primeiros dias após a fertilização, durante o desenvolvimento embrionário inicial, e é marcada por divisões celulares rápidas e especialização progressiva das células.

Fases da pré-gastrulação

- Formação do blastocisto: após a fertilização, o zigoto começa a dividir-se, formando a mórula e, em seguida, o blastocisto, que contém uma cavidade e uma massa celular interna. Este blastocisto irá se implantar no útero.

- Definição dos primeiros eixos: as primeiras divisões celulares determinam o eixo de polaridade que irá orientar a futura organização do corpo do embrião (eixo anterior-posterior, por exemplo).

- Células-tronco: as células da massa celular interna ainda são pluripotentes, ou seja, têm a capacidade de originar qualquer tipo celular. No entanto, estão começando a receber sinais moleculares que definirão seu destino.

Por volta da terceira semana gestacional, inicia-se a fase de gastrulação. Esse é um processo fundamental do desenvolvimento embrionário em que o embrião, que até então era um disco bilaminar (composto por duas camadas de células), se transforma em um disco trilaminar.

Fase de gastrulação

A gastrulação é uma fase crítica do desenvolvimento embrionário, onde ocorre a formação das três camadas germinativas principais: ectoderma, mesoderma e endoderma. Estas camadas irão dar origem a diferentes tecidos e órgãos:

- Ectoderma: Origina o sistema nervoso (incluindo o cérebro e a medula espinhal), a epiderme e estruturas associadas, como cabelo e unhas.

- Mesoderma: Dá origem aos músculos, ossos, sistema circulatório, rins e sistema reprodutivo.

- Endoderma: Forma o sistema digestivo, os pulmões e outras estruturas internas.

Durante a gastrulação, as células começam a migrar e a posicionar-se de forma a formar estas camadas, um processo que define a estrutura básica do embrião. A sinalização celular é intensa nesta fase e coordena as futuras especializações celulares.

A maior parte das alterações genéticas que ocorrem durante as fases iniciais do desenvolvimento embrionário, especialmente durante a gastrulação, podem ter impactos significativos no neurodesenvolvimento, pois o sistema nervoso é um dos primeiros sistemas a começar a se formar e a diferenciar-se. Fatores intrauterinos podem influenciar mecanismos embriogênicos e que geram alterações no desenvolvimento cerebral. A principal causa destas alterações genéticas são o dano oxidativo.

As mutações somáticas no cérebro humano acumulam-se em regiões implicadas no neurodesenvolvimento e nos transtornos mentais. Por exemplo, mutações que afetam a diferenciação e migração de neurônios, como a dos genes Reelin e Doublecortin, associam-se a transtornos do desenvolvimento, epilepsias e déficit intelectual.

Mutações que afetam o controle epigenético e a expressão gênica (como MECP2 e CHD8) podem levar a transtornos do espectro autista (TEA) e outros problemas de neurodesenvolvimento.

Mutações de genes promotores e de fatores de transcrição em regiões não codificantes do DNA estão associados também a maior risco de alterações do neurodesenvolvimento.

Pontos críticos de mutação no cérebro de indivíduos com esquizofrenia (An, & Kim, 2024)

O estudo das assinaturas genéticas é muito importante, ajudando a identificar subtipos de pacientes (assim como já acontece no câncer) para tornar o tratamento e suporte mais eficazes.

CURSOS NA ÁREA:

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Fungos e TDAH

Nos Estados Unidos, 10% das crianças de 3 a 17 anos são diagnosticadas com transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH). A genética é o principal contribuidor, mas acredita-se que vários fatores ambientais influenciam seu início e a gravidade dos sintomas, incluindo alterações do microbioma intestinal. A qualidade das bactérias que temos no intestino é influenciada pela dieta e sabemos que a dieta norteamericana padrão não é muito saudável, sendo rica em alimentos ultraprocessados e pobre em fibras. Este padrão alimentar leva a redução na abundância de Faecalibacterium, uma bactéria associada a mais saúde intestinal (Gkougka et al., 2022).

Uma pesquisa publicada em 2023 explorou a associação entre a saúde intestinal e o TDAH. Eles se concentraram no micobioma, que abrange os fungos alojados no microbioma — e descobriram que os desequilíbrios de certos fungos eram mais prevalentes em pacientes com TDAH (Wang et al., 2023).

Usando sequenciamento de alto rendimento, os pesquisadores analisaram o DNA de amostras de fezes de 70 indivíduos: 35 pacientes com TDAH e 35 controles. Eles descobriram que os níveis de certos fungos eram diferentes entre os dois grupos. Em comparação com o grupo de controle, aqueles com TDAH tinham quantidades maiores de Ascomycota e quantidades significativamente menores de Basidiomycota em seu micobioma intestinal. Aqueles com TDAH também tinham significativamente mais Candida (particularmente Candida albicans) do que os indivíduos controle.

A Candida albicans aumenta muito a permeabilidade do revestimento intestinal. Um revestimento intestinal mais permeável pode acentuar a inflamação (e a neuroinflamação).

A barreira intestinal tem duas funções principais. A primeira é absorver nutrientes, e a segunda é evitar que coisas indesejadas no intestino entrem no corpo — principalmente micróbios e seus resíduos. Essa barreira é composta de células que são compactadas firmemente por proteínas, ele explicou. No entanto, quando essas proteínas são danificadas pela inflamação, as lacunas entre as células se tornam maiores.

As lacunas permitem que metabólitos e toxinas entrem na corrente sanguínea e viajem pelo corpo para diferentes locais e causem inflamação. O eixo intestino-cérebro é uma via importante onde ocorrem as transmissões. A permeabilidade intestinal pode afetar essas transmissões que conectam o intestino e o cérebro.

Os fungos intestinais são uma parte importante do microbioma intestinal, e há centenas de fungos diferentes vivendo no intestino. Os tipos e proporções de fungos podem ser afetados por vários fatores, incluindo etnia, estilo de vida, uso de medicamentos, tipo de dieta e até a regularidade com que uma pessoa escova os dentes (já que a Candida albicans pode prosperar na boca).

Candida é um gênero de leveduras — e é o tipo de fungo mais frequentemente detectado em fezes humanas. Em condições normais de saúde, ela é bastante inofensiva. Mas se sua saúde estiver comprometida, essa levedura pode florescer e se tornar mais prejudicial.

Medicamentos como antibióticos e imunossupressores podem esgotar as bactérias ‘boas’ do intestino e permitir que esta levedura prospere. Infelizmente, não sabemos o impacto dos próprios medicamentos para TDAH no microbioma intestinal. Mas sabemos por exemplo, que antidepressivos afetam bastante a microbiota (Zanetti et al., 2024).

Como a inflamação pode influenciar o TDAH?

Atualmente, existem várias hipóteses sobre a relação TDAH-inflamação. Uma está relacionada à camada protetora ao redor do cérebro. Assim como o intestino, o cérebro tem uma barreira, chamada barreira hematoencefálica, que impede que coisas indesejadas do sangue entrem no cérebro.

No entanto, sabemos por estudos que o aumento da permeabilidade intestinal está intimamente ligado a uma barreira hematoencefálica rompida — [embora] não possamos ter certeza do que está causando isso.

Outro fator potencial envolve a via da quinurenina. No intestino, os micróbios trabalham para converter o aminoácido triptofano no neurotransmissor serotonina. Mas, alguns micróbios patogênicos, incluindo espécies de leveduras, não convertem triptofano em serotonina, disse ele. Em vez disso, eles o convertem em algo chamado quinurenina. E estes podem cruzar a barreira hematoencefálica e desencadear neuroinflamação.

A via da quinurenina é notavelmente mais responsiva em pessoas com problemas de saúde mental, como TDAH, depressão e esquizofrenia. Nem sempre a inflamação é ruim. A neuroinflamação (inflamação do cérebro) tem a função primária de proteger o cérebro contra patógenos (organismos causadores de doenças) por meio de um processo que estimula os tecidos a se repararem. No entanto, se o estado inflamatório for prolongado, a inflamação pode se tornar prejudicial e interromper a renovação das células.

A neuroinflamação foi proposta como contribuinte para o desenvolvimento do TDAH, e é notado que uma alta proporção de pacientes com TDAH também tem uma condição inflamatória ou autoimune coexistente.

Equilibrando a microbiota intestinal

Se um microbioma intestinal e um micobioma desequilibrados desempenham um papel no TDAH, isso significa que equilibrar as coisas aliviará os sintomas?

Potencialmente sim. Como o micobioma intestinal e o microbioma são fortemente influenciados pela dieta e pelo ambiente, segue-se que mudar a dieta e o ambiente também mudaria a composição do micobioma intestinal e do microbioma.

No entanto, não está claro como e em que grau isso impactaria os sintomas do TDAH. Alguns estudos usando probióticos (bactérias intestinais 'boas') mostraram resultados positivos, embora mais estudos clínicos sejam necessários. Falei também sobre fungos e autismo neste outro artigo.

Um intestino feliz e saudável é vital para o bem-estar mental e físico de qualquer pessoa. Várias abordagens podem ajudar a reequilibrar e nutrir as bactérias e fungos benéficos no seu intestino e isto inclui:

  • Consumir uma dieta variada e baseada em vegetais.

  • Consumir alimentos que contenham fibras prebióticas, como cebola, alho, alho-poró, banana, e bactérias probióticas, como iogurte (contendo culturas vivas), kefir, kombucha e vegetais fermentados.

  • Limitar alimentos ricos em açúcar sempre que possível. Refrigerantes na gestação, por exemplo, associa-se a maior risco de crianças com TDAH.

  • Substituir grãos refinados por grãos integrais (pois eles fornecem fibras alimentares, que agem como alimento para bactérias boas).

  • Gerenciar o estresse e priorizar o sono de qualidade.

  • Praticar atividade física.

Embora o microbioma intestinal e o micobioma tenham sido associados ao TDAH, acredita-se que outros fatores contribuam para seu desenvolvimento e gravidade dos sintomas. O início de qualquer transtorno do desenvolvimento ou mental é multifatorial, o que significa que há vários caminhos que influenciam o diagnóstico.

Três outros determinantes para o TDAH são genética, anatomia e fisiologia doso mensageiros químicos cerebrais. Explico tudo no curso NUTRIÇÃO NO TDAH.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

10 genes que influenciam o metabolismo da cafeína

O café, uma das principais fontes alimentares de cafeína, está entre as bebidas mais consumidas no mundo e tem recebido considerável atenção em relação aos riscos e benefícios à saúde.

As pessoas não metabolizam a cafeína da mesma forma. Muitos genes influenciam a farmacocinética (ABCG2, AHR, POR, CYP1A1, CYP1A2) e a farmacodinâmica (BDNF e SLC6A4) da cafeína.

Aqui estão dez genes que influenciam o metabolismo da cafeína, junto com alguns polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs) associados e uma breve interpretação sobre o papel de cada gene:

1. CYP1A2 (rs762551)

Este é o gene mais conhecido para o metabolismo da cafeína. O alelo A está associado a um metabolismo rápido da cafeína, enquanto o alelo C está relacionado a um metabolismo mais lento, o que pode aumentar o risco de efeitos colaterais da cafeína em doses elevadas. Pessoas que são metabolizadoras lentas da cafeína devem evitar o consumo de café após o almoço.

2. AHR (Aryl Hydrocarbon Receptor) - rs6968865 (G/A)

AHR regula a expressão de CYP1A2, que metaboliza a cafeína. O alelo G pode aumentar a expressão de CYP1A2, acelerando o metabolismo da cafeína, enquanto o alelo A pode levar a um metabolismo mais lento.

3. CYP2A6 (rs1801272)

Este gene também participa no metabolismo da cafeína e pode impactar a velocidade de metabolização. Portadores do alelo T podem ter uma atividade enzimática reduzida, o que leva a um metabolismo mais lento da cafeína.

4. NAT2 (N-acetiltransferase 2) - rs1041983 (C/T)

NAT2 contribui para a eliminação de cafeína do organismo. O alelo C está associado a um metabolismo lento, o que pode levar a uma maior sensibilidade à cafeína.

5. ADORA2A (Adenosine A2A Receptor) - rs5751876 (C/T)

Este gene influencia a sensibilidade do organismo à cafeína. O alelo T está associado a uma maior sensibilidade à cafeína e ao aumento do risco de ansiedade em consumidores de café.

6. PDSS2 (Decaprenyl Diphosphate Synthase Subunit 2) - rs2018966 (C/T)

Este gene pode influenciar o consumo de cafeína. Indivíduos com o alelo T tendem a consumir menos cafeína, possivelmente devido a uma resposta mais forte ou duradoura à substância.

7. CYP2E1 (rs2031920)

CYP2E1 participa no metabolismo secundário da cafeína. O alelo T pode estar associado a uma metabolização mais lenta, influenciando a duração dos efeitos da cafeína.

8. UGT1A1 (UDP-glucuronosyltransferase 1A1) - rs8175347 (TA6/TA7)

UGT1A1 é responsável pela glucuronidação, um processo de eliminação da cafeína. O alelo TA7 está associado a uma atividade enzimática reduzida, levando a um metabolismo mais lento.

9. BCHE (Butyrylcholinesterase) - rs1803274 (G/A)

Este gene influencia a degradação de compostos relacionados à cafeína. O alelo A está associado a uma menor eficiência na quebra de cafeína e de outras xantinas, podendo influenciar o metabolismo.

10. POR (Cytochrome P450 Oxidoreductase) - rs1057868 (A/G)

POR é um gene que fornece suporte enzimático ao CYP1A2, impactando indiretamente o metabolismo da cafeína. O alelo A está associado a uma função reduzida, potencialmente diminuindo a velocidade de metabolização da cafeína.

Esses genes e SNPs são importantes para entender como o organismo processa a cafeína e por que algumas pessoas metabolizam a substância mais rapidamente ou lentamente do que outras.

Precisa de ajuda na interpretação do seu painel genético? Marque aqui sua consulta online.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/