Fungos e TDAH

Nos Estados Unidos, 10% das crianças de 3 a 17 anos são diagnosticadas com transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH). A genética é o principal contribuidor, mas acredita-se que vários fatores ambientais influenciam seu início e a gravidade dos sintomas, incluindo alterações do microbioma intestinal. A qualidade das bactérias que temos no intestino é influenciada pela dieta e sabemos que a dieta norteamericana padrão não é muito saudável, sendo rica em alimentos ultraprocessados e pobre em fibras. Este padrão alimentar leva a redução na abundância de Faecalibacterium, uma bactéria associada a mais saúde intestinal (Gkougka et al., 2022).

Uma pesquisa publicada em 2023 explorou a associação entre a saúde intestinal e o TDAH. Eles se concentraram no micobioma, que abrange os fungos alojados no microbioma — e descobriram que os desequilíbrios de certos fungos eram mais prevalentes em pacientes com TDAH (Wang et al., 2023).

Usando sequenciamento de alto rendimento, os pesquisadores analisaram o DNA de amostras de fezes de 70 indivíduos: 35 pacientes com TDAH e 35 controles. Eles descobriram que os níveis de certos fungos eram diferentes entre os dois grupos. Em comparação com o grupo de controle, aqueles com TDAH tinham quantidades maiores de Ascomycota e quantidades significativamente menores de Basidiomycota em seu micobioma intestinal. Aqueles com TDAH também tinham significativamente mais Candida (particularmente Candida albicans) do que os indivíduos controle.

A Candida albicans aumenta muito a permeabilidade do revestimento intestinal. Um revestimento intestinal mais permeável pode acentuar a inflamação (e a neuroinflamação).

A barreira intestinal tem duas funções principais. A primeira é absorver nutrientes, e a segunda é evitar que coisas indesejadas no intestino entrem no corpo — principalmente micróbios e seus resíduos. Essa barreira é composta de células que são compactadas firmemente por proteínas, ele explicou. No entanto, quando essas proteínas são danificadas pela inflamação, as lacunas entre as células se tornam maiores.

As lacunas permitem que metabólitos e toxinas entrem na corrente sanguínea e viajem pelo corpo para diferentes locais e causem inflamação. O eixo intestino-cérebro é uma via importante onde ocorrem as transmissões. A permeabilidade intestinal pode afetar essas transmissões que conectam o intestino e o cérebro.

Os fungos intestinais são uma parte importante do microbioma intestinal, e há centenas de fungos diferentes vivendo no intestino. Os tipos e proporções de fungos podem ser afetados por vários fatores, incluindo etnia, estilo de vida, uso de medicamentos, tipo de dieta e até a regularidade com que uma pessoa escova os dentes (já que a Candida albicans pode prosperar na boca).

Candida é um gênero de leveduras — e é o tipo de fungo mais frequentemente detectado em fezes humanas. Em condições normais de saúde, ela é bastante inofensiva. Mas se sua saúde estiver comprometida, essa levedura pode florescer e se tornar mais prejudicial.

Medicamentos como antibióticos e imunossupressores podem esgotar as bactérias ‘boas’ do intestino e permitir que esta levedura prospere. Infelizmente, não sabemos o impacto dos próprios medicamentos para TDAH no microbioma intestinal. Mas sabemos por exemplo, que antidepressivos afetam bastante a microbiota (Zanetti et al., 2024).

Como a inflamação pode influenciar o TDAH?

Atualmente, existem várias hipóteses sobre a relação TDAH-inflamação. Uma está relacionada à camada protetora ao redor do cérebro. Assim como o intestino, o cérebro tem uma barreira, chamada barreira hematoencefálica, que impede que coisas indesejadas do sangue entrem no cérebro.

No entanto, sabemos por estudos que o aumento da permeabilidade intestinal está intimamente ligado a uma barreira hematoencefálica rompida — [embora] não possamos ter certeza do que está causando isso.

Outro fator potencial envolve a via da quinurenina. No intestino, os micróbios trabalham para converter o aminoácido triptofano no neurotransmissor serotonina. Mas, alguns micróbios patogênicos, incluindo espécies de leveduras, não convertem triptofano em serotonina, disse ele. Em vez disso, eles o convertem em algo chamado quinurenina. E estes podem cruzar a barreira hematoencefálica e desencadear neuroinflamação.

A via da quinurenina é notavelmente mais responsiva em pessoas com problemas de saúde mental, como TDAH, depressão e esquizofrenia. Nem sempre a inflamação é ruim. A neuroinflamação (inflamação do cérebro) tem a função primária de proteger o cérebro contra patógenos (organismos causadores de doenças) por meio de um processo que estimula os tecidos a se repararem. No entanto, se o estado inflamatório for prolongado, a inflamação pode se tornar prejudicial e interromper a renovação das células.

A neuroinflamação foi proposta como contribuinte para o desenvolvimento do TDAH, e é notado que uma alta proporção de pacientes com TDAH também tem uma condição inflamatória ou autoimune coexistente.

Equilibrando a microbiota intestinal

Se um microbioma intestinal e um micobioma desequilibrados desempenham um papel no TDAH, isso significa que equilibrar as coisas aliviará os sintomas?

Potencialmente sim. Como o micobioma intestinal e o microbioma são fortemente influenciados pela dieta e pelo ambiente, segue-se que mudar a dieta e o ambiente também mudaria a composição do micobioma intestinal e do microbioma.

No entanto, não está claro como e em que grau isso impactaria os sintomas do TDAH. Alguns estudos usando probióticos (bactérias intestinais 'boas') mostraram resultados positivos, embora mais estudos clínicos sejam necessários. Falei também sobre fungos e autismo neste outro artigo.

Um intestino feliz e saudável é vital para o bem-estar mental e físico de qualquer pessoa. Várias abordagens podem ajudar a reequilibrar e nutrir as bactérias e fungos benéficos no seu intestino e isto inclui:

  • Consumir uma dieta variada e baseada em vegetais.

  • Consumir alimentos que contenham fibras prebióticas, como cebola, alho, alho-poró, banana, e bactérias probióticas, como iogurte (contendo culturas vivas), kefir, kombucha e vegetais fermentados.

  • Limitar alimentos ricos em açúcar sempre que possível. Refrigerantes na gestação, por exemplo, associa-se a maior risco de crianças com TDAH.

  • Substituir grãos refinados por grãos integrais (pois eles fornecem fibras alimentares, que agem como alimento para bactérias boas).

  • Gerenciar o estresse e priorizar o sono de qualidade.

  • Praticar atividade física.

Embora o microbioma intestinal e o micobioma tenham sido associados ao TDAH, acredita-se que outros fatores contribuam para seu desenvolvimento e gravidade dos sintomas. O início de qualquer transtorno do desenvolvimento ou mental é multifatorial, o que significa que há vários caminhos que influenciam o diagnóstico.

Três outros determinantes para o TDAH são genética, anatomia e fisiologia doso mensageiros químicos cerebrais. Explico tudo no curso NUTRIÇÃO NO TDAH.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/