PAPEL DOS RECEPTORES DE DETECÇÃO INTESTINAIS NA SAÚDE HUMANA

O trato gastrointestinal humano é colonizado por trilhões de microrganismos que interagem com o hospedeiro para manter a homeostase estrutural e funcional. O epitélio intestinal fornece uma barreira física e imunológica entre o hospedeiro e a microbiota intestinal que é regulada dinamicamente por meio da produção de metabólitos e da sinalização de receptores de reconhecimento de padrões.

Atuando como a interface entre o local da maior carga microbiana no corpo humano e o compartimento imunológico mais rico, uma única camada de células epiteliais intestinais se especializa na absorção de nutrientes, estratifica microrganismos para limitar a colonização de tecidos e molda as respostas das células imunes subepiteliais.

Receptores de reconhecimento de padrões, como os receptores Toll-like (TLRs), são proteínas transmembrana capazes de reconhecer componentes do envelope bacteriano, como lipopolissacarídeos (LPS) e ácidos lipoteicóicos. Os receptores Toll-like (TLRs) são proteínas induzidas por micróbios que são expressas na maioria das linhagens de células epiteliais e têm importantes funções antimicrobianas. Mecanismos de regulação rigorosos previnem respostas excessivas a microrganismos comensais.

Expressão de receptores Toll-like (TLRs) no trato gastrointestinal (GIT) de indivíduos saudáveis ​​(esquerda) e pacientes com doença inflamatória intestinal (direita). (Hug, Mohajeri, & Fata, 2018).

O epitélio intestinal representa a interface entre os ecossistemas microbianos presentes no lúmen do trato digestório (Brasil)/ trato digestivo (Portugal) e o sistema imunológico. Em condições saudáveis, a função de barreira do epitélio intestinal é garantida pelas junções estreitas entre as células (representado na figura acima por traços em azul).

Em condições patológicas, essas junções são rompidas, expondo seus receptores basolaterais a ligantes potencialmente patogênicos (condição de intestino vazado, permeável, em inglês Leaky Gut). TLR2, TLR4 e TLR5 são expressos nas células do epitélio intestinal, bem como nas células do sistema imunológico (representadas na figura acima por macrófagos e células dendríticas - DCs). O intestino delgado possui mais TLR2 e TLR4 e o cólon (intestino grosso) possui mais TLR5. O TLRs podem ser ativado por lipopolissacarídeo (LPS) bacterianos. Vários estudos relataram a sensibilização ou excitação direta de neurônios pelo LPS.

As células imunes da mucosa são capazes de distinguir bactérias comensais de bactérias patogênicas através dos TLRs, que são capazes de detectar antígenos microbianos. Da mesma forma, as células imunes dendríticas (estendendo seus dendritos entre as junções estreitas das células epiteliais de modo a detectar diretamente o ambiente luminal) e algumas células enteroendócrinas (ou neuroendócrinas) podem responder à presença e atividade de organismos microbianos intraluminais através de TLRs.

O reconhecimento de motivos microbianos por TLR melhora a função da barreira epitelial intestinal induzindo o estreitamento das junções intercelulares, a secreção de muco e peptídeos antimicrobianos e a produção de espécies reativas de oxigênio. A sinalização microbiana por meio de TLRs participa do reparo epitelial intestinal após lesão induzindo a produção de substâncias que melhoram a migração, a sobrevivência e a proliferação das células epiteliais e promovem a restituição da arquitetura epitelial normal.

A desregulação da sinalização de TLR pode levar à eliminação ineficiente de patobiontes e alterações na composição microbiana normal. Desequilíbrios na composição microbiana aumentam a suscetibilidade à colite e à tumorigênese (Burgueño, & Abreu, 2020).

Legenda (canto inferior direito): TLR = Toll Like Receptor (Burgueño, & Abreu, 2020)

As células enteroendócrinas também possuem receptores acoplados à proteína G que são capazes de detectar metabólitos microbianos, como aminoácidos (por exemplo, glutamato), hidrolisados de proteínas, além de ácidos graxos curtos e longos.

Bactérias produzem ácidos graxos de cadeia curta (SCFAs) a partir de fibras. Estes SCFAs podem ser detectados por receptores GPR de vários tipos de células enteroendócrinas (por exemplo, as que secretam CCK, grelina, gastrina, GLP-1, PYY, neurotensina, secretina) em todo o trato gastrointestinal.

A estimulação dos receptores GPR41 e GPR43 pelos ácidos graxos de cadeia curta promove a secreção de GLP-1 e PYY.

Outro grupo de metabólitos da microbiota intestinal, nomeadamente indol e triptamina derivados do triptofano, é conhecido por modular a liberação de hormônios intestinais.

O indol desencadeia a secreção de GLP-1 pelas células L enteroendócrinas, enquanto a triptamina induz a secreção de serotonina (5-HT). A microbiota intestinal também contribui para regular a sensibilidade à leptina, o chamado “hormônio da saciedade”.

O GPR41 ajuda a suprimir o apetite por meio da secreção de leptina, redução do acúmulo de lipídios e aumento do gasto energético, levando à perda de peso. Por outro lado, o GPR43 reduz o acúmulo de lipídios suprimindo a sinalização da insulina por meio da regulação das vias PLC, proteína quinase C (PKC), fosfatase e homólogo de tensina (PTEN).

A ativação do GPR41 no músculo aumenta a captação de glicose por meio da via CaMKII-p38-CREB, enquanto a ativação do GPR43 regula a expressão de fatores de proliferação de células musculares. No fígado, o GPR41/43 ativa a via CAMKII-CREB e regula o HDAC1, prevenindo a esteatose hepática por meio do controle do acúmulo de lipídios (Acc1, Scd1) e das vias de oxidação.

O fornecimento de SCFAs contribui para manter a homeostase do intestino do hospedeiro e regula as respostas inflamatórias por meio dos receptores GPR41 e GPR43. O GPR43 atua para reduzir os danos aos tecidos regulando as vias NF-κB e MAPK, bem como radicais livres mitocondriais induzidas por agentes inflamatórios pulmonares (como tabagismo, LPS, etc.), inibindo o acúmulo de células inflamatórias e a secreção de citocinas durante a inflamação das vias aéreas.

No intestino, GPR41 e GPR43 mediam as respostas imunes induzidas por etanol e TNBS regulando a via MEK-ERK. Além disso, sob condições de infecção bacteriana, o GPR43 previne a inflamação intestinal por meio da regulação de NLRP3 em eosinófilos e STAT3 em células linfoides inatas do tipo 3. Assim, o consumo de fibras e produção de ácidos graxos de cadeia curta é fundamental para a saúde metabólica.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Por que a vitamina B12 aumenta no câncer?

A relação entre vitamina B12 e câncer é complexa e não totalmente compreendida. Embora seja verdade que níveis elevados de vitamina B12 (≥ 1000 ng/L) foram observados em alguns pacientes com câncer, as razões exatas para esse aumento ainda estão sendo investigadas (Lacombe et al., 2021). Aqui estão algumas explicações potenciais:

Disfunção hepática: o câncer pode afetar o fígado, que desempenha um papel crucial no metabolismo da vitamina B12. Se a função do fígado estiver prejudicada, isso pode levar ao aumento dos níveis de vitamina B12 no sangue. Aliás, é mais comum a alteração de B12 no câncer hepático (Obeid, 2022).

Inflamação: o câncer é frequentemente associado à inflamação, e certos processos inflamatórios podem influenciar o metabolismo da vitamina B12.

Crescimento do tumor: o crescimento de um tumor pode exigir aumento da proliferação celular, o que pode levar a uma maior demanda de vitamina B12 e níveis potencialmente elevados no sangue.

Fatores genéticos: variações genéticas no metabolismo ou transporte da vitamina B12 podem contribuir para níveis alterados em pacientes com câncer.

É importante observar que, embora níveis elevados de vitamina B12 possam estar associados ao câncer, eles não são a causa do câncer. Em alguns casos, níveis elevados de vitamina B12 podem ser consequência de outros fatores ou condições relacionadas ao câncer. E há também pacientes com câncer e B12 baixa, levando a sequelas hematológicas e neurológicas. Em caso de dúvidas marque consulta com um oncologista e nutricionista oncológico.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

O conectoma intestinal

Células secretoras são células especializadas que possuem um conjunto de organelas e estruturas que lhes permitem sintetizar, armazenar e liberar substâncias específicas. Essas substâncias podem ser hormônios, enzimas, muco, suor, leite, etc.

Tipos de células secretoras

  • Células glandulares: Fazem parte das glândulas, órgãos especializados em secreção. Podem ser exócrinas (liberam substâncias através de ductos) ou endócrinas (liberam substâncias diretamente na corrente sanguínea).

  • Células caliciformes: Produzem mucina, uma substância viscosa que forma o muco. São abundantes no epitélio das vias respiratórias e digestivas.

  • Células principais: Presentes no estômago, secretam pepsinogênio, precursor da pepsina, uma enzima digestiva.

  • Células parietais: Também no estômago, secretam ácido clorídrico, essencial para a digestão.

As células secretoras do intestino desempenham um papel fundamental no processo digestivo, produzindo uma variedade de substâncias que auxiliam na quebra dos alimentos e na proteção da mucosa intestinal.

Tipos de Células Secretoras no sistema digestório (Brasil) /digestivo (Portugal) e suas Funções

Fonte: Unifal

  • Células Caliciformes:

    • Forma: Semelhantes a um cálice, com o núcleo basal e o ápice repleto de grânulos de mucina.

    • Função: Produzem mucina, uma glicoproteína que, ao entrar em contato com a água, forma o muco. O muco lubrifica o trato intestinal, facilitando a passagem do bolo alimentar e protegendo a mucosa contra danos mecânicos e químicos.

    • Localização: Presentes em todo o trato gastrointestinal, com maior concentração no intestino grosso.

  • Células Enteroendócrinas ou neuroendócrinas:

    • Forma: Dispersas entre as outras células epiteliais.

    • Função: Produzem hormônios que regulam a digestão, como a gastrina, secretina e colecistocinina. Esses hormônios controlam a secreção de ácidos e enzimas digestivas, a motilidade intestinal e a liberação de bile.

  • Células de Paneth:

    • Forma: Localizadas na base das criptas intestinais, com grânulos basais grandes.

    • Função: Secretam lisozima e peptídeos antimicrobianos, que ajudam a manter a microbiota intestinal saudável e protegem a mucosa contra a proliferação de bactérias patogênicas.

  • Enterócitos (células absortivas):

    • Forma: Células colunares com microvilosidades na borda em escova.

    • Função: Embora primariamente envolvidas na absorção de nutrientes, os enterócitos também secretam enzimas digestivas, como a lactase e a sacarase, que atuam na digestão de açúcares.

Identificação das células enteroendócrinas (ou neuroendócrinas)

Compostos lipofílicos e pequenos hidrofílicos de até 600 Da podem atravessar a barreira intestinal através de múltiplas rotas, por exemplo, através de rotas transcelulares (ou seja, difusão passiva na bicamada lipídica e/ou pequenos poros aquosos) e paracelulares. Os pequenos compostos neuroativos produzidos no intestino também podem usar estas últimas vias para se difundirem na lâmina própria, isto é, em contato com aferentes neurais intrínsecos e/ou extrínsecos, ou na circulação portal, e, portanto, possivelmente exercerem efeitos extra-intestinais.

Os terminais de alguns nervos aferentes vagais podem responder a uma variedade de compostos neuroativos secretados por linfócitos e mastócitos, como histamina, 5-HT (serotonina), prostaglandinas e diversas citocinas. Além disso, foram identificados receptores de neuropeptídeos em mastócitos, sugerindo assim uma comunicação bidirecional entre os sistemas nervoso e imunológico.

As células enteroendócrinas representam menos de 1% das células epiteliais do intestino; no entanto, constituem o maior órgão endócrino do corpo (Mayer, 2011). Mais de 20 tipos diferentes de células endoendócrinas foram identificados, e estes diferem de acordo com o(s) tipo(s) de peptídeos reguladores (por exemplo, peptídeos semelhantes ao glucagon, GLPs, peptídeo pancreático YY, PYY, colecistocinina, CCK, secretina) ou moléculas bioativas que eles secretam.

As células enteroendócrinas regulam as funções digestivas através dos circuitos do sistema nervoso entérico e comunicam-se com o SNC (por exemplo, com o hipotálamo), seja diretamente, isto é, através de vias endócrinas, ou através de sinalização parácrina para aferentes vagais.

As células secretoras são frequentemente identificadas por letras. O hormônio secretado pode ser endócrino (E), parácrino (P) ou neurócrino (N). Os hormônios neurócrinos fazem efeito nos neurônios e, por isso, estão bastante ligados ao que chamamos de eixo intestino-cérebro.

O conectoma intestinal

Assim como o cérebro possui um conectoma (mapa das conexões neurais), o intestino também possui uma rede complexa de neurônios e conexões. Essa rede neural intestinal, ou conectoma intestinal, desempenha um papel crucial na comunicação entre o intestino e o cérebro. Muitos neurônios partem do intestino para o cérebro, especialmente por meio do nervo vago. Leia aqui outras formas de comunicação intestino-cérebro.

A maior parte da comunicação parte do intestino para o cérebro (80%). Mas existem várias questões que mexem com o intestino. Por exemplo, pessoas muito ansiosas podem ter mais problemas intestinais. É a comunicação cérebro-intestino, que corresponde a cerca de 20% de toda a comunicação deste eixo.

As vias imunológicas e enteroendócrinas não são rotas distintas do eixo intestino-cérebro. Na verdade, podem influenciar-se mutuamente até certo ponto. De fato, foi relatado que a liberação de interleucina-4 e 13 de células T CD4+, em um modelo de inflamação intestinal de camundongo, aumenta a secreção de colecistocinina em células enteroendócrinas. As células enterocromafins (ECs) foram descritas como capazes de modular a inflamação intestinal através da sinalização 5-HT.

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