Como os corpos cetônicos atuam no cérebro do paciente com epilepsia?

Fatores metabólicos envolvidos na bioenergética celular podem influenciar profundamente a excitabilidade neuronal e gerar crises convulsivas. Estudos mostram que os corpos cetônicos, produzidos durante jejum, dieta cetogênica ou restrição calórica, exercem efeitos anticonvulsivantes no cérebro, beneficiando pacientes com epilepsia resistente ao tratamento medicamentoso. Como isto acontece? São quatro as hipóteses principais:

  1. Hipótese glutamatérgica: glutamato em excesso é neurotóxico. Os corpos cetônicos ajudam o glutamato ser reabsorvido para produção de glutamina. Com isso, a concentração de glutamato na fenda sináptica cai. Isto é importante para redução a excitabilidade neuronal, reduzindo o risco de uma crise convulsiva. Esta excitabilidade também é maior em algumas áreas do cérebro do autista e o os corpos cetônicos seriam também benéficos para este grupo de pacientes, melhorando sono e reduzindo irritabilidade e ansiedade.

  2. Controle dos canais de íons de potássio: importante para a estabilidade dos neurônios. O efluxo de K+ é a principal força por trás da repolarização celular que encerra os potenciais de ação e também é fundamental para estabelecer e manter o potencial de repouso da membrana e prevenir a hiperexcitabilidade neuronal. O corpo cetônico BHB pode ativar os canais KCNQ2/3, com efeito inibitório da atividade neuronal exagerada (Manville, Papanikolaou, & Abbott, 2020).

  3. Aumento de GABA nas fendas sinápticas. O GABA é um neurotransmissor com muitas funções. Comumente está alterado nas desordens de humor, esquizofrenia, desordens do sono, epilepsia, enxaqueca e nas doenças neurodegenerativas. Seu aumento depende da disponibilidade de magnésio e vitamina B6. Este neurotransmissor inibitório também pode ser estimulado com o uso de fitoterápicos contendo Valeriana officinalis, Melissa officinalis, Matricaria chamomilla ou Passiflora incarnata.

  4. Melhoria da função mitocondrial com redução da inflamação e estresse oxidativo. O BHB é um combustível eficiente para a mitocôndria, garantindo energia sem tanta geração de radicais livres. O BHB também regula genes envolvidos na proteção contra o estresse oxidativo e a inflamação, fatores associados às crises convulsivas (Achanta, & Rae, 2017; Poff, Rho, & D´Agostino, 2019).

Claro, dieta cetogênica não é para todo mundo. Gravei um outro vídeo sobre a genética da dieta cetogênica e deixo aqui para você. Além disso, muitos pacientes toleram uma dieta de baixo teor de carboidratos (low carb) mas não a dieta cetogênica. Podem desenvolver diarreia, dores de cabeça, hálito cetogênico, desidratação, disbiose, alterações de humor. O acompanhamento nutricional com suplementação adequada contribui para a facilidade de cetoadaptação, sem desenvolvimento de carências ou sequelas importantes.

Muitos pacientes beneficiam-se da dieta cetogênica, como aqueles com epilepsia, obesidade, diabetes, depressão, autismo, enxaqueca, Alzheimer, Parkinson e transtorno bipolar. Assim, se você acha que é hora de testar, marque sua consulta de nutrição para conversarmos.

Bolo de chocolate cetogênico

Para o preparo você vai precisar de:

  • 1 xícara de farinha de amêndoas

  • 1/4 xícara de cacau em pó não adoçado

  • 1/2 colher de chá de fermento em pó

  • 1/4 colher de chá de sal

  • 1/2 xícara de manteiga sem sal derretida

  • 1/4 xícara de eritritol granulado

  • 2 ovos grandes

  • 1 colher de chá de extrato de baunilha

  • 1/4 xícara de creme de leite puro (sem adição de qualquer tipo de farinha)

Instruções:

  1. Pré-aqueça o forno: Pré-aqueça o forno a 175°C.

  2. Prepare a forma: Unte e forre uma forma quadrada de 20 cm com papel manteiga.

  3. Combine os ingredientes secos: Em uma tigela média, bata a farinha de amêndoas, o cacau em pó, o fermento em pó e o sal.

  4. Combine os ingredientes úmidos: Em uma tigela separada, bata a manteiga derretida, o eritritol, os ovos e o extrato de baunilha.

  5. Combine os ingredientes úmidos e secos: Gradualmente adicione os ingredientes secos aos ingredientes úmidos, mexendo até combinar.

  6. Incorpore o creme de leite: Delicadamente incorpore o creme de leite até combinar.

  7. Despeje na forma: Despeje a massa na forma preparada.

  8. Asse: Asse por 25-30 minutos, ou até que um palito inserido no centro saia limpo.

  9. Deixe esfriar: Deixe o bolo esfriar completamente na forma antes de servir.

Macros (por porção):

Nota: Os macros podem variar ligeiramente dependendo dos ingredientes e marcas específicos usados. Para um cálculo mais preciso, considere usar uma calculadora nutricional.

  • Calorias: Aproximadamente 300-350

  • Carboidratos líquidos: Aproximadamente 5-7 gramas

  • Gordura: Aproximadamente 30-35 gramas

  • Proteína: Aproximadamente 5-7 gramas

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

O que é o Efeito Warburg? Qual é a importância desta teoria na oncologia?

Não obtemos energia de pão, macarrão, carne, fruta, abacate ou pudim. Obtemos energia a partir de adenosina tri fosfato (ATP). Assim, o corpo é obrigado a transformar tudo o que come nesta molécula. As duas principais vias metabólicas que fornecem energia para as células são a glicólise e a fosforilação oxidativa (OXPHOS).

A glicólise é a forma anaeróbica (sem oxigênio) de geração de ATP. Nesta via, a glicose (de 6 carbonos) é quebrada ao meio, formando duas moléculas de 3 carbonos e liberando 2 ATP. É uma via relativamente ineficiente em comparação com a forsforilação oxidativa (OXPHOS), que consome oxigênio mas gera outros 32 a 34 ATP.

As células saudáveis usam apenas a glicólise em condições anaeróbicas, enquanto, ao contrário, as células malignas principalmente dependem da glicólise, mesmo na presença de oxigênio suficiente, levando a um estado denominado “glicólise aeróbica”. Este fenômeno, pelo qual as células cancerígenas dependem da glicólise para a produção de ATP, em vez de OXPHOS, foi relatado pela primeira vez pelo Dr. Warburg em 1955 e, portanto, é conhecido como Efeito Warburg.

Os efeitos antitumorais da dieta cetogênica emanam de sua capacidade de criar um microambiente tumoral deficiente em glicose, forçando as células saudáveis a obterem energia a partir da oxidação (queima) de ácidos graxos por meio de OXPHOS.

A estratégia reduz a proliferação de células tumorais, uma vez que estas são ineficientes no uso de ácidos graxos (gorduras) para a produção de ATP.

Mecanismos envolvidos na progressão malígna

Estudos anteriores em animais descobriram que a dieta cetogênica altera a expressão de várias proteínas envolvidas na progressão maligna. Essas moléculas incluem o receptor 2 do fator de crescimento endotelial vascular, a metaloproteinase-2 da matriz e a vimentina.

Além disso, a dieta cetogênica fortalece o efeito antiangiogênico da ciclofosfamida, que causa hipóxia nas células tumorais. Normalmente, o gene da anidrase carbônica IX (CAIX) é expresso durante a hipóxia como uma resposta ao estado ambiental de baixo oxigênio, mas a dieta cetogênica combinada com a medicação em baixa dose não leva a tal resposta, apesar de sua inibição da angiogênese.

Isso ocorre porque a dieta cetogênica reduz a expressão do fator-1 alfa induzível por hipóxia (HIF-1α) e, subsequentemente, a expressão de CAIX, levando à redução da microvasculatura do tumor.

A dieta cetogênica também reduz a expressão de serina/treonina quinase Akt (Proteína quinase B). Normalmente, Akt aumenta em células cancerígenas humanas e leva a proliferação celular aumentada, mais mutação e inibição da apoptose (morte destas células). Akt estimula a produção de espécies reativas de oxigênio (ROS) e seu acúmulo; no entanto, a dieta cetogênica reduz a produção de ROS ao mesmo tempo em que aumenta os antioxidantes no sangue. A redução de ROS melhora a função mitocondrial nas células saudáveis.

Menor resistência ao estresse e menor capacidade de regeneração celular e apoptose de células tumorais (Link para figura)

Os baixos níveis de glicose associados à dieta cetogênica reduzem a atividade da via das pentoses fosfato. A via das pentoses fosfatos gera NADPH para uso em reações de biossíntese redutiva e geração reduzida de glutationa (GSH). A dieta cetogênica diminui essa fonte de energia que também está associada ao aumento da geração de espécies reativas de oxigênio (ROS) e à toxicidade das células cancerígenas.

Além disso, essa depleção de energia inibe o ciclo celular por meio da ativação da via LKB1/AMPK e da inibição da via do mTOR. As células cancerígenas tentam compensar sua ineficácia mitocondrial aumentando a glicólise e ativando a via das pentoses fosfato. A glicólise produz energia a partir da glicose (2 ATPs), mas a função mais importante da glicólise é que a maioria dos intermediários dessa via é necessária para várias vias de biossíntese essenciais para a proliferação celular. Assim, a glicose é necessária para a produção de proteínas, nucleotídeos e ácidos graxos pela célula tumoral e a dieta cetogênica, ao reduzir a glicólise impede esta ocorrência.

Uma forma de reduzir o número de células cancerígenas seria matando-as de fome. Estudos experimentais mostram que, em longos períodos de jejum, as células cancerígenas são mais mais vulneráveis ao tratamento do câncer. Mas o paciente não pode ficar sem comer para sempre. Mas a dieta cetogênica imita o jejum para a célula cancerígena. A redução de carboidratos reduz a disponibilidade de insulina e fator de crescimento semelhante à insulina 1 (IGF1) no sangue.

O IGF1 é essencial para o crescimento celular e, portanto, sua redução causa redução da proliferação tumoral. A dieta cetogênica também pode alterar a expressão de genes relacionados ao estresse oxidativo e inflamação em células tumorais.

Por fim, é relatado que a dieta cetogênica diminui os aminoácidos (AAs) no plasma e dentro do tumor, mas uma dieta normal com baixa proteína não leva a essa diminuição. Portanto, corpos cetônicos altos podem ser o motivo de um declínio nos AAs. Isto é importante pois aminoácidos essenciais e dos metabólitos do ciclo da uréia, aumentam a produção de glutamina, que o tumor também ama.

Apesar dessas vantagens potenciais, a dieta cetogênica não é uma opção de tratamento adequada para todos os tipos de câncer. Por exemplo, é relatado que a proliferação de células cancerígenas aumentou em células de melanoma com mutação BRAF V600E com dieta cetogênica. Também discute-se a viabilidade da dieta cetogênica no câncer renal (Makuku et al., 2023).

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

O que significa as frações 1:1, 2:1, 3:1 e 4:1 na dieta cetogênica?

A dieta cetogênica é um padrão alimentar com alto teor de gordura, com o intuito de favorecer a cetose. A cetose é o estado metabólico definido pela elevação dos corpos cetônicos. Caracteriza-se por níveis sanguíneos do corpo cetônico primário, beta-hidroxibutirato (BHB), acima de 0,5 mmol/L. Com exceção da cetose induzida por meio de suplementos exógenos de cetona, essa mudança metabólica ocorre em níveis baixos de glicose e, portanto, baixos níveis de insulina.

Para atingir a cetose a dieta pode ser:

  • 1:1, uma parte de gordura para uma parte de carboidrato + proteína. É uma dieta menos restrita. Aqui cabem alguns tubérculos.

  • 2:1, duas partes de gordura e uma parte de carboidrato + proteína. Quanto maior é o teor de gordura da dieta, menos carboidratos esta dieta terá.

  • 3:1, três partes de gordura e uma parte de carboidrato + proteína adequada para as necessidades nutricionais do paciente.

  • 4:1 é a dieta cetogênica clássica, muito utilizada na dieta de crianças menores, com epilepsia de difícil controle. Contém 4 partes de gorduras, para uma parte de carboidrato + proteína. É uma dieta bem mais restrita, com cerca de 90% das calorias vindas das gorduras.

Existem também frações intermediárias, como 1,5:1, 2,5:1, etc. A fração escolhida dependerá do efeito esperado. Por exemplo, se a redução do número de crises convulsivas não ocorre na fração 1:1, a quantidade de gordura é aumentada. Se a redução ocorre na fração 2,8:1 é nesta fração que o paciente permanecerá durante o tratamento. Aprenda mais sobre o tema na plataforma https://t21.video.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/