Chumbo afeta genes associados ao autismo

Estudo de 2023 teve como objetivo investigar como diferentes fatores ambientais frequentemente associados ao autismo influenciam o desenvolvimento neural humano precoce. Utilizou células progenitoras neurais derivadas de células-tronco pluripotentes induzidas e, por meio de análise transcriptômica combinada com um modelo estatístico de design fatorial fracionado (FFED), avaliou o impacto individual e combinado de seis exposições ambientais comumente associadas ao risco de ASD:

  1. Chumbo (Pb)

  2. Ácido valproico (VPA)

  3. Fluoxetina (antidepressivo ISRS)

  4. Bisfenol A (BPA)

  5. Etanol

  6. Deficiência de zinco

Os experimentos usaram quatro linhagens de progenitores neurais derivados de células-tronco pluripotentes (duas controle neurotípicas e duas com variantes genéticas ligadas ao TEA). A exposição durou 5 dias, iniciando com diferenciação neural, ponto em que se capturam alterações iniciais de transcrição estável .

Alterações Transcricionais e Por Caminhos

A análise RNA‑seq revelou padrões convergentes (partilhados por múltiplos estressores) e divergentes (específicos de cada um). Destacam‑se dois efeitos marcantes:

  • Chumbo: regulou genes relacionados à sinaptogênese e função sináptica.

    • Pb afeta diretamente a arquitetura sináptica e a neurotransmissão — áreas já comprometidas no autismo.

  • Fluoxetina: ativou vias envolvidas no metabolismo lipídico

    • Isso confirma que exposições farmacológicas de uso frequente podem modular o metabolismo celular em níveis bioquímicos, não apenas transcriptômicos.

Papel da Variabilidade Genética

O estudo reforça a importância de testar em diversas linhagens celulares, pois respostas podem divergir segundo vulnerabilidades genéticas subjacentes, típica no cenário de TEA. Futuras investigações devem ampliar o leque de linhagens e exposições, permitindo delimitar subgrupos de risco baseado na genética individual.

Onde o chumbo pode estar presente:

1. Tintas com chumbo

  • Tintas antigas (anteriores aos anos 1980, em muitos países).

  • Lascar ou descascar de tintas em paredes, janelas e portas ainda é uma das principais fontes de exposição doméstica.

2. Água encanada

  • Tubulações antigas feitas de chumbo (ou soldas com chumbo).

  • Quando a água é corrosiva (pH ácido), ela pode dissolver o metal e levar ao consumo crônico.

3. Solo contaminado

  • Próximo a estradas (por resíduos de gasolina com chumbo usada até os anos 1990).

  • Próximo a indústrias, fundições ou áreas de descarte de baterias.

4. Alimentos e utensílios

  • Alimentos cultivados em solos contaminados.

  • Utensílios de cerâmica ou barro vidrados com compostos de chumbo (especialmente artesanais ou importados).

  • Contaminação acidental em alimentos enlatados ou processados.

5. Produtos importados ou tradicionais

  • Cosméticos tradicionais (ex.: kohl, surma).

  • Brinquedos, bijuterias ou tintas industriais não regulamentadas.

  • Balas ou pentes de pesca, munição (risco ocupacional ou ambiental).

6. Ocupações e hobbies

  • Trabalhadores da construção, soldagem, reciclagem de baterias, estúdios de vitral.

  • Atiradores esportivos (exposição via munição de chumbo).

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Marcadores imunológicos no autismo

Crianças com transtorno do espectro do autismo (TEA) apresentam características clínicas distintas. Nenhum ensaio laboratorial objetivo foi desenvolvido para estabelecer um diagnóstico de TEA. Considerando as associações imunológicas conhecidas com o TEA, os biomarcadores imunológicos podem permitir o diagnóstico e a intervenção do TEA em idade precoce, quando o cérebro imaturo tem o mais alto grau de plasticidade.”

A ativação imune materna (MIA) que leva ao neurodesenvolvimento alterado no útero é um fator de risco hipotético para resultados psiquiátricos na prole. As imunodeficiências primárias de anticorpos (PIDs) constituem um experimento natural único para testar a hipótese MIA de transtornos mentais…

Os resultados deste estudo de coorte sugerem que as IDPs maternas, mas não paternas, estavam associadas a... aumento do risco de distúrbios psiquiátricos e comportamento suicida na prole, particularmente quando as IDPs co-ocorrem com doenças autoimunes[2].”

Recentemente, foram publicados vários artigos notáveis na área de sistemaimune, inflamação, autoimunidade e saúde mental/transtornos psiquiátricos.

Para diagnosticar a variedade de TEA (começando com Asperger), os pesquisadores identificaram biomarcadores que “podem servir como base de um ensaio objetivo para o diagnóstico precoce e preciso de TEA. Além disso, os marcadores podem esclarecer a etiologia e a patogênese do TEA. Deve-se notar que este foi apenas um piloto... com alto risco de parcialidade. As descobertas devem ser validadas em coortes prospectivas maiores[1].”

Uma revisão recente analisou a hipótese imunológica da depressão e as diferenças entre pacientes do sexo masculino e feminino. A hipótese imunológica “expandiu-se rapidamente ao longo do tempo e tem havido uma riqueza de informações indicando que a depressão é uma doença heterogénea que afeta todo o corpo. Até o momento, muitos estudos se concentraram em mecanismos imunológicos únicos da depressão, no entanto, os dados sugerem que não existe uma única citocina ou célula imunológica para “governá-los todos”[3]”.

Durante a gravidez, o sistema imunológico é modificado para permitir a tolerância ao desenvolvimento do feto. A ansiedade durante a gravidez é comum, meta-análises relataram taxas de prevalência de 4% a 39%. Recentemente, um estudo sobre o fenótipo imunológico da ansiedade perinatal descobriu que “a resposta imunológica durante todo o período pré-natal difere para mulheres com sintomas de ansiedade em comparação com aquelas sem, sugerindo um fenótipo imunológico único de ansiedade perinatal[4]”.

Um artigo notável sugeriu no ano passado que 4 genes imunerelacionados “poderiam servir como marcadores de diagnóstico para fornecer uma nova direção para explorar a patogênese do transtorno depressivo maior (TDM)[5]”. Uma direção semelhante indicando o envolvimento de genes relacionados ao sistema imunológico na ansiedade e na depressão foi encontrada em vários outros artigos [6-8]. No ano passado, um notável “Atlas de correlações genéticas e associações geneticamente informadas que ligam fenótipos psiquiátricos e relacionados ao sistema imunológico[9]” foi publicado e apoiado por outras publicações[10,11].


Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Epilepsia e vitamina B6

Muitos pacientes com epilepsia possuem carências nutricionais, especialmente B12, vitamina D, vitamina B6 (piridoxina), magnésio e ômega-3. Estas carências podem ser provenientes de dietas carentes, do próprio uso da medicação, de questões malabsortivas ou mesmos polimorfismos genéticos.

Sempre que há uma carência, a mesma deve ser corrigida, até para apoiar o processo de recuperação do cérebro. O magnésio ajuda reduzir glutamato, o ômega-3 minimiza a neuroinflamação, complexo B é fundamental para função neural e produção de neurotransmissores, vitamina D é um importante regulador epigenético. Falo de alguns estudos sobre a suplementação destes nutrientes na epilepsia na plataforma t21.video.

Em relação à B6 e redução de crises epiléticas e melhorias comportamentais, os estudos apresentam resultados distintos. Existe um tipo específico de epilepsia que é responsiva à piridoxina, a Epilepsia Piridoxina-Dependente (Pyridoxine-dependent epilepsy, PDE). Este é um dos principais erros inatos do metabolismo gerador de convulsões.

Esta epilepsia é uma doença genética rara, causadas por alterações nas duas cópias do gene da antiquina (ALDH7A1). Caracteriza-se por crises epilépticas frequentes e persistentes que surgem ao nascimento ou nos primeiros meses de vida.  A doença dificilmente é controlada com medicamentos anticonvulsivantes, mas responde bem à suplementação de piridoxina (vitamina B6), em altas doses e por toda a vida.

O ALDH7A1 foi descoberto em 2007. É um membro da família de genes da aldeído desidrogenase (ALDH), localizado no cromossomo 5q32.2. Este gene influencia a via do catabolismo do aminoácido lisina. Esta via ocorre de duas maneiras: através da sacaropina no fígado e nos fibroblastos (que é a via predominante) e pelo ácido pipecólico (principalmente no Sistema Nervoso Central).

A via da sacaropina ocorre principalmente nas mitocôndrias, enquanto a via do ácido pipecólico está localizada principalmente nos peroxissomos. A convergência das duas vias mencionadas acima ocorre ao nível da formação de semialdeído desidrogenase (αAASA) no citosol.

A lisina é um doador de nitrogênio que permite a formação de glutamato a partir do α-cetoglutarato no sistema nervoso central. O ácido pipecólico formado a partir do metabolismo da lisina modula a função do GABA, que é um importante neurotransmissor inibitório. A enzima α-AASA desidrogenase (ATQ) oxida α-AASA em ácido α-aminoadípico, e a deficiência desta enzima leva ao acúmulo no corpo de metabólitos prejudiciais: ácido pipecólico, α-AASA e seu Δ1-piperideína-6-carboxilato (Δ1-P6C), que inativa o piridoxal 5'-fosfato (PLP) - a forma ativa da vitamina B6, especialmente no sistema nervoso central.

Funções da piridoxina

O piridoxal 5'-fosfato (PLP) é um composto extremamente importante, sendo cofator de muitas reações enzimáticas, determinando seu curso adequado. A PLP está implicada em pelo menos 140 atividades bioquímicas que ocorrem no corpo humano, correspondendo a aproximadamente 4% de todas as atividades classificadas.

O PLP atua como uma coenzima em todas as reações de transaminação e em certas reações de descarboxilação, desaminação e racemização de aminoácido. Entre outras, participa de vias metabólicas de transaminação e descarboxilação de neurotransmissores (ácido γ-aminobutírico (GABA), dopamina, serotonina).

Níveis aumentados de glutamato e níveis diminuídos de GABA devido à atividade deficiente da glutamato descarboxilase dependente de PLP podem resultar em um desequilíbrio subsequente entre neurotransmissores excitatórios (glutamato) e inibitórios (GABA), o que poderia em parte explicar a encefalopatia e as características convulsivas da PDE.

O PLP também desempenha um papel na fosforilação do glicogênio no fígado, rins, SNC, modula a ativação de hormônios esteróides, participa da expressão de muitos genes. A função anormal da antiquitina, resultando em elevações do semialdeído químico α-aminoadípico (α-AASA), leva à redução da atividade de várias enzimas no cérebro que regulam a transmissão de sinais entre os neurônios, bem como o desenvolvimento do cérebro.

Além disso, foi sugerido que o α-AASA acumulado e compostos relacionados sejam ácidos orgânicos neurotóxicos, o que pode contribuir para o mau resultado cognitivo amplamente descrito na PDE.

Diagnóstico da PDE

Se não tratada, a PDE gera acúmulo de metabólitos da lisina no cérebro e provoca graves danos no sistema nervoso, afetando a habilidade intelectual e cognitiva do paciente.

Quando a criança tem algum sintoma de PDE recomenda-se realizar um exame genético de diagnóstico para confirmar a suspeita. A PDE não é testada no Teste do Pezinho básico do SUS e nem nas versões ampliadas e expandidas oferecidas pela rede privada. No entanto, é uma das mais de 340 doenças investigadas no Teste da Bochechinha, feito a partir de uma amostra coletada da mucosa bucal (parte interna da bochecha) com o auxílio de um cotonete estéril (swab).

Tratamento da PDE

Não há cura para PDE-ALDH7A1. A terapia direcionada requer suplementos farmacológicos de piridoxina para o resto da vida. O Δ1-P6C acumulado se liga ao vitamero ativo da piridoxina (piridoxal 5'-fosfato) através de uma condensação de Knoevenagel (formando o complexo químico P6C-PLP).

O Consórcio Internacional PDE publicou diretrizes de prática clínica recomendando doses de piridoxina por idade (recém-nascidos: 100 mg/dia; bebês: 30 mg/kg/dia com um máximo de 300 mg/dia; crianças, adolescentes e adultos: 30 mg/kg/dia; dia com máximo de 500 mg/dia) e modificações dietéticas destinadas a reduzir a ingestão de lisina (Gospe, 2022).

Para prevenir a exacerbação de convulsões clínicas e/ou encefalopatia durante uma doença aguda, a dose diária de piridoxina pode ser duplicada durante vários dias. O acompanhamento da dose de piridoxina é feito por médico neurologista, uma vez que nutricionistas não podem suplementar doses acima de 20 mg/dia. Contudo, o acompanhamento nutricional é muito importante pois a dieta deve ser restrita em lisina. Para outras formas de epilepsia resistentes ao tratamento medicamentoso, a dieta cetogênica é recomendada. Filme sobre o tema:

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/