Muitos pacientes com epilepsia possuem carências nutricionais, especialmente B12, vitamina D, vitamina B6 (piridoxina), magnésio e ômega-3. Estas carências podem ser provenientes de dietas carentes, do próprio uso da medicação, de questões malabsortivas ou mesmos polimorfismos genéticos.
Sempre que há uma carência, a mesma deve ser corrigida, até para apoiar o processo de recuperação do cérebro. O magnésio ajuda reduzir glutamato, o ômega-3 minimiza a neuroinflamação, complexo B é fundamental para função neural e produção de neurotransmissores, vitamina D é um importante regulador epigenético. Falo de alguns estudos sobre a suplementação destes nutrientes na epilepsia na plataforma t21.video.
Em relação à B6 e redução de crises epiléticas e melhorias comportamentais, os estudos apresentam resultados distintos. Existe um tipo específico de epilepsia que é responsiva à piridoxina, a Epilepsia Piridoxina-Dependente (Pyridoxine-dependent epilepsy, PDE). Este é um dos principais erros inatos do metabolismo gerador de convulsões.
Esta epilepsia é uma doença genética rara, causadas por alterações nas duas cópias do gene da antiquina (ALDH7A1). Caracteriza-se por crises epilépticas frequentes e persistentes que surgem ao nascimento ou nos primeiros meses de vida. A doença dificilmente é controlada com medicamentos anticonvulsivantes, mas responde bem à suplementação de piridoxina (vitamina B6), em altas doses e por toda a vida.
O ALDH7A1 foi descoberto em 2007. É um membro da família de genes da aldeído desidrogenase (ALDH), localizado no cromossomo 5q32.2. Este gene influencia a via do catabolismo do aminoácido lisina. Esta via ocorre de duas maneiras: através da sacaropina no fígado e nos fibroblastos (que é a via predominante) e pelo ácido pipecólico (principalmente no Sistema Nervoso Central).
A via da sacaropina ocorre principalmente nas mitocôndrias, enquanto a via do ácido pipecólico está localizada principalmente nos peroxissomos. A convergência das duas vias mencionadas acima ocorre ao nível da formação de semialdeído desidrogenase (αAASA) no citosol.
A lisina é um doador de nitrogênio que permite a formação de glutamato a partir do α-cetoglutarato no sistema nervoso central. O ácido pipecólico formado a partir do metabolismo da lisina modula a função do GABA, que é um importante neurotransmissor inibitório. A enzima α-AASA desidrogenase (ATQ) oxida α-AASA em ácido α-aminoadípico, e a deficiência desta enzima leva ao acúmulo no corpo de metabólitos prejudiciais: ácido pipecólico, α-AASA e seu Δ1-piperideína-6-carboxilato (Δ1-P6C), que inativa o piridoxal 5'-fosfato (PLP) - a forma ativa da vitamina B6, especialmente no sistema nervoso central.
Funções da piridoxina
O piridoxal 5'-fosfato (PLP) é um composto extremamente importante, sendo cofator de muitas reações enzimáticas, determinando seu curso adequado. A PLP está implicada em pelo menos 140 atividades bioquímicas que ocorrem no corpo humano, correspondendo a aproximadamente 4% de todas as atividades classificadas.
O PLP atua como uma coenzima em todas as reações de transaminação e em certas reações de descarboxilação, desaminação e racemização de aminoácido. Entre outras, participa de vias metabólicas de transaminação e descarboxilação de neurotransmissores (ácido γ-aminobutírico (GABA), dopamina, serotonina).
Níveis aumentados de glutamato e níveis diminuídos de GABA devido à atividade deficiente da glutamato descarboxilase dependente de PLP podem resultar em um desequilíbrio subsequente entre neurotransmissores excitatórios (glutamato) e inibitórios (GABA), o que poderia em parte explicar a encefalopatia e as características convulsivas da PDE.
O PLP também desempenha um papel na fosforilação do glicogênio no fígado, rins, SNC, modula a ativação de hormônios esteróides, participa da expressão de muitos genes. A função anormal da antiquitina, resultando em elevações do semialdeído químico α-aminoadípico (α-AASA), leva à redução da atividade de várias enzimas no cérebro que regulam a transmissão de sinais entre os neurônios, bem como o desenvolvimento do cérebro.
Além disso, foi sugerido que o α-AASA acumulado e compostos relacionados sejam ácidos orgânicos neurotóxicos, o que pode contribuir para o mau resultado cognitivo amplamente descrito na PDE.
Diagnóstico da PDE
Se não tratada, a PDE gera acúmulo de metabólitos da lisina no cérebro e provoca graves danos no sistema nervoso, afetando a habilidade intelectual e cognitiva do paciente.
Quando a criança tem algum sintoma de PDE recomenda-se realizar um exame genético de diagnóstico para confirmar a suspeita. A PDE não é testada no Teste do Pezinho básico do SUS e nem nas versões ampliadas e expandidas oferecidas pela rede privada. No entanto, é uma das mais de 340 doenças investigadas no Teste da Bochechinha, feito a partir de uma amostra coletada da mucosa bucal (parte interna da bochecha) com o auxílio de um cotonete estéril (swab).
Tratamento da PDE
Não há cura para PDE-ALDH7A1. A terapia direcionada requer suplementos farmacológicos de piridoxina para o resto da vida. O Δ1-P6C acumulado se liga ao vitamero ativo da piridoxina (piridoxal 5'-fosfato) através de uma condensação de Knoevenagel (formando o complexo químico P6C-PLP).
O Consórcio Internacional PDE publicou diretrizes de prática clínica recomendando doses de piridoxina por idade (recém-nascidos: 100 mg/dia; bebês: 30 mg/kg/dia com um máximo de 300 mg/dia; crianças, adolescentes e adultos: 30 mg/kg/dia; dia com máximo de 500 mg/dia) e modificações dietéticas destinadas a reduzir a ingestão de lisina (Gospe, 2022).
Para prevenir a exacerbação de convulsões clínicas e/ou encefalopatia durante uma doença aguda, a dose diária de piridoxina pode ser duplicada durante vários dias. O acompanhamento da dose de piridoxina é feito por médico neurologista, uma vez que nutricionistas não podem suplementar doses acima de 20 mg/dia. Contudo, o acompanhamento nutricional é muito importante pois a dieta deve ser restrita em lisina. Para outras formas de epilepsia resistentes ao tratamento medicamentoso, a dieta cetogênica é recomendada. Filme sobre o tema: