Processos epigenéticos como mediadores e marcadores de doenças

Genes e exposições ambientais por si só não são suficientes para explicar completamente o desenvolvimento de doenças, mas interagem dentro de um sistema molecular complexo. A epigenética é um componente essencial desse sistema, desempenhando um papel crucial na saúde e no desenvolvimento de doenças, como câncer, doenças cardiovasculares, neurodegeneração, problemas psiquiátricos e autoimunes.

Evidências emergentes mostram que mudanças epigenéticas podem ser influenciadas por exposições específicas e podem persistir ao longo do tempo. Estudos de associação ampla do genoma (GWAS) identificaram variantes genéticas associadas a doenças complexas. No entanto, muitas dessas variantes não causam alterações óbvias nas proteínas, o que torna difícil entender seu impacto. A epigenética surge como uma possível explicação, pois pode mediar o risco genético. Por exemplo, a metilação do DNA em regiões específicas pode ser influenciada por variantes genéticas próximas, o que, por sua vez, pode contribuir para o desenvolvimento de doenças.

Mecanismos epigenéticos (Ladd-Acosta, & Fallin, 2015)

A epigenética desempenha um papel vital na interação entre genes e exposições ambientais, sendo essencial para entender a etiologia de várias doenças, como doenças inflamatórias, cardiovasculares e neurodegenerativas.

Estudos identificaram loci de metilação (meQTLs), que são variantes genéticas (SNPs) que influenciam os níveis de metilação em locais específicos do DNA. Essas alterações epigenéticas podem mediar a relação entre variantes genéticas e doenças, como demonstrado em estudos sobre artrite reumatoide e alergias.

Epigenética como uma Conexão entre Fatores Ambientais e o Risco de Demência

A epigenética desempenha um papel crucial na compreensão de como os fatores ambientais influenciam o risco de demência. Diferentemente das alterações genéticas, que envolvem mudanças na sequência do DNA, as alterações epigenéticas afetam a forma como os genes são expressos sem modificar o próprio DNA. Essas mudanças podem ser influenciadas por exposições ambientais, como dieta, estresse, poluição e toxinas, que podem aumentar ou diminuir o risco de desenvolvimento de demência.

Os principais mecanismos epigenéticos incluem a metilação do DNA, modificação das histonas e regulação de RNA não codificante, todos os quais podem impactar a saúde cerebral. Por exemplo, fatores ambientais como poluição do ar e tabagismo podem levar a mudanças nos padrões de metilação do DNA, afetando potencialmente genes envolvidos na neurodegeneração. Pesquisas mostraram que indivíduos com certas marcas epigenéticas podem ser mais suscetíveis à demência, pois essas marcas podem influenciar o funcionamento de proteínas cerebrais importantes.

Compreender o papel da epigenética no risco de demência abre novas possibilidades para detecção precoce e prevenção. Também fornece insights sobre como modificações no estilo de vida, como dieta e exercícios, podem potencialmente reverter ou atenuar mudanças epigenéticas que contribuem para a doença. Ao examinar essas influências ambientais, a epigenética pode nos ajudar a entender melhor como os fatores de estilo de vida e ambientais moldam o risco de demência, oferecendo novas abordagens para intervenções e estratégias de tratamento.

Além disso, as marcas epigenéticas podem modificar a expressão de variantes genéticas, explicando, em parte, a heterogeneidade das doenças e a penetrância incompleta em modelos genéticos. As exposições ambientais, como poluição ou hábitos alimentares, também podem induzir alterações epigenéticas, que, por sua vez, afetam a saúde. Um exemplo disso é como a exposição a poluentes pode diminuir o DNAm e impactar a pressão arterial.

Por fim, a epigenética fornece uma ponte entre genes e ambiente, oferecendo uma explicação molecular para as interações gene-ambiente (GxE). A epigenética pode ser um biomarcador valioso para identificar riscos de doenças.

Epigenética como uma Conexão entre Fatores Ambientais e o Risco de Câncer

A epigenética tem se mostrado uma ferramenta promissora na medicina, particularmente na detecção e prognóstico de câncer. Exemplos como o Cologuard, aprovado pela FDA, utilizam padrões de metilação do DNA (DNAm) para diagnosticar câncer colorretal, enquanto a metilação no promotor GSTP1 tem sido útil no diagnóstico do câncer de próstata. Além disso, padrões específicos de DNAm têm mostrado sensibilidade e especificidade para detectar câncer de bexiga e prever a recorrência do câncer de próstata. Em gliomas, a metilação do promotor do gene MGMT pode indicar um tempo de sobrevida mais longo. A epigenética também é valiosa na previsão da resposta ao tratamento, como a quimioterapia e radiação, especialmente no caso do glioblastoma.

Outro uso promissor da epigenética é como biomarcador de exposição ambiental, permitindo medir o impacto de fatores como o fumo e o chumbo em exposições passadas, sem precisar de novos dados. Isso é especialmente útil em estudos epidemiológicos de larga escala, que frequentemente carecem de dados de exposição ambiental correspondentes. A epigenética, portanto, pode superar limitações na coleta de dados de exposição, fornecendo informações mais precisas e econômicas.

No entanto, a implementação da epigenética na pesquisa epidemiológica enfrenta desafios. O tipo de tecido amostrado, a necessidade de estudos longitudinais e a consideração das variações na composição celular são questões que precisam ser abordadas para garantir resultados robustos. Além disso, as tecnologias de medição epigenética, como o sequenciamento de bisulfito, são caras e ainda não são amplamente acessíveis para grandes estudos populacionais.

O futuro da epigenética na medicina e epidemiologia é promissor, com o avanço de tecnologias de medição e uma compreensão crescente dos mecanismos epigenéticos. À medida que essas tecnologias se tornam mais acessíveis, espera-se que a epigenética desempenhe um papel central na detecção de doenças, prognóstico e no entendimento das interações gene-ambiente.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Microbiota no autismo

Estudo publicado na Nature Neuroscience mostra os dados existentes de uma estrutura de meta-análise multi-coorte e multi-ômica que analisou 25 conjuntos de dados ômicos, incluindo microbioma, marcadores de citocinas, expressão gênica do cérebro humano, dieta e dados metabólicos, para identificar perfis ômicos específicos no Transtorno do Espectro do Autismo (TEA).

O termo "ômicos" se refere a diferentes tecnologias usadas para estudar a função, diferenças e a interação entre vários tipos de moléculas que constituem as células de um organismo, como genes, transcritos, proteínas e pequenos metabólitos. As ciências ômicas são campos de estudo que fazem parte das ciências biológicas e compreendem os estudos que terminam com -omica ou -omico -omics, como Genômica, Proteômica, Metabolômica e Transcriptômica.

O estudo em questão utilizou-se destas tecnologias e identificou que 591 microorganismos são mais frequentes em crianças com TEA e 169 micróbios mais comuns no grupo de controle. As variações observadas podem ter relação com demografia da coorte (conjunto de pessoas estudadas) e sua localização geográfica. As sete coortes incluídas no estudo eram provenientes da Ásia, Europa, América do Sul e América do Norte. A pesquisa demonstrou fortes associações entre vários níveis ômicos, incluindo tipos de microorganismos, metabólitos produzidos e fatores genéticos, no contexto do autismo.

Os tipos de bactérias mais encontradas no TEA aumentam a inflamação e a desregulação imunológica. Assim, há maior presença de anticorpos atacando o cérebro e aumento de citocinas inflamatórias, questões associadas ao TEA. Por exemplo, as concentrações da citocina inflamatória denominada fator de crescimento transformador de citocina beta (TGF-β) estava significativamente elevada nas crianças com TEA analisadas.

Este estudo é mais um a mostrar que o microbioma intestinal tende a ser diferente no TEA e que isto impacta na resposta inflamatória e imune. Assim, o cuidado com o intestino é fundamental, sendo o microbioma um marcador muito importante do TEA.

Dieta cetogênica, TEA e microbiota

A dieta cetogênica é restrita em carboidratos, forçando o corpo a utilizar gordura e a produzir corpos cetônicos, os quais exercem poderosa atividade anti-inflamatória e antioxidante no cérebro. A dieta cetogênica também ajuda a restaurar a composição microbiana intestinal no TEA. Esta melhoria pode ter efeitos positivos na comunicação social e na redução de comportamentos repetitivos (Li et al., 2021).

Sintomas gastrointestinais, incluindo constipação e diarreia, são comuns em indivíduos com TEA e estão associados à gravidade dos sintomas do transtorno, a depender do quão alterada está a microbiota. A microbiota intestinal se comunica com o cérebro através dos sistemas nervosos neuroendócrino, neuroimune e autônomo, que é o chamado eixo microbiota-intestino-cérebro.

A dieta cetogênica contribui para o aumento dos níveis de Akkermansia, Parabacteroides, Bacteroides e Desulfovibrio spp. em modelos animais de convulsão, síndrome de deficiência do transportador de glicose 1 e TEA.

Em sua pesquisadora, a Dra. Cecilia Giulivi descobriu que a produção energética pode ser até dois terços menor nos autistas. A maioria das crianças estudada por ela apresentava disfunção no complexo I mitocondrial e altos níveis de piruvato – um subproduto do metabolismo do açúcar e evidência de disfunção mitocondrial (Giulivi et al., 2010). Hoje, a Dra. Cecilia Giulivi é uma das proponentes da dieta cetogênica no autismo, como terapia metabólica para garantir maior flexibilidade mitocondrial, menor neuroinflamação e estresse oxidativo cerebral.

Ainda existem poucos estudos sobre alterações da microbiota intestinal em humanos tratados com dieta cetogênica, mas esperamos que as pesquisas avancem nos próximos anos, mas vamos acompanhando.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Como saber se tenho doença celíaca?

A intolerância permanente ao glúten, também conhecida como doença celíaca, é uma condição em que o sistema imunológico reage negativamente ao glúten, uma proteína encontrada em cereais como trigo, centeio e cevada. Se você suspeita que possa ter intolerância ao glúten, aqui estão alguns passos que podem ajudar a determinar se essa é realmente a causa dos seus sintomas:

  1. Observe seus sintomas: A intolerância ao glúten pode causar uma variedade de sintomas, incluindo desconforto gastrointestinal (como dor abdominal, inchaço, diarreia ou constipação), fadiga, dor nas articulações, erupções cutâneas, enxaquecas, entre outros. Mantenha um diário dos seus sintomas e anote quando ocorrem e o que você comeu.

  2. Procure um médico: Se você suspeita de intolerância ao glúten, é importante buscar orientação médica. Um médico especializado poderá solicitar exames específicos para confirmar o diagnóstico, como exames de sangue para detectar a presença de anticorpos relacionados à doença celíaca, exame genético (HLA DQ2.5 e HLA DQ2.8) ou mesmo uma biópsia intestinal.

  3. Faça o teste de sensibilidade ao glúten não celíaco: Além da doença celíaca, algumas pessoas podem ter sensibilidade ao glúten sem ter a doença celíaca diagnosticada. Nesses casos, uma dieta de exclusão de glúten também pode ser útil para identificar se os sintomas são desencadeados pelo consumo de glúten.

Exames para suspeita de problemas relacionados ao consumo de glúten

  • Teste de anticorpos: Os exames de sangue podem ser realizados para verificar a presença de anticorpos específicos associados à doença celíaca. Os anticorpos mais comumente testados incluem a imunoglobulina A (IgA) anti-transglutaminase tecidual (tTG) e a IgA antiendomísio (EMA). A presença elevada desses anticorpos pode indicar uma resposta imunológica ao glúten.

  • Teste de anticorpos de desamidados gliadina (DGP): Esse teste mede a presença de anticorpos IgA e IgG contra a gliadina, outra proteína presente no glúten. É um teste alternativo ao tTG e EMA e pode ser usado em casos em que há deficiência de IgA.

  • Dosagem de anticorpos IgA total: Algumas pessoas podem ter deficiência de IgA, o que pode levar a resultados falsamente negativos nos testes de anticorpos IgA. Portanto, a dosagem dos níveis de IgA total no sangue pode ser solicitada para verificar se há deficiência de IgA.

  • Zonulina fecal: O aumento desta proteína indica alta permeabilidade, permitindo que algumas substâncias mal digeridas e indesejáveis passem do intestino para a corrente sanguínea, ativando reações imunes. Esta alta permeabilidade é frequentemente causada pelo contato com a gliadina (uma das proteínas do glúten). É importante ressaltar que, para obter resultados precisos, é necessário que o indivíduo esteja consumindo glúten regularmente antes de realizar os exames acima (assim como biópsia), pois uma dieta livre de glúten pode interferir nos resultados.

  • Estudo genético: analisa os haplótipos de risco HLA-DQ2 e HLA-DQ8. A partir de uma amostra de sangue do paciente é realizada uma extração do DNA e posterior amplificação por Multiplex-Fluorescent PCR (MF-PCR) dos alelos DQA1*0501 e DQB1*0201 do haplótipo HLA-DQ2 e dos alelos alelos DQA1*0301 e DQB1*0302 do haplótipo HLADQ8 (explico no vídeo abaixo).

  • Biópsia intestinal: A biópsia é considerada o padrão ouro para o diagnóstico da doença celíaca. Ela envolve a remoção de pequenas amostras de tecido do intestino delgado para análise. Durante a biópsia, o médico verificará se há danos característicos na mucosa intestinal causados pela doença celíaca.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/