A saúde durante a gestação vai muito além do bem-estar físico da mãe. Um novo estudo revela que níveis persistentemente elevados de inflamação no organismo materno durante a gravidez podem estar diretamente ligados a atrasos no desenvolvimento neurológico das crianças após o nascimento.
O artigo científico “Persistently High Levels of Maternal Antenatal Inflammation Are Associated With and Mediate the Effect of Prenatal Environmental Adversities on Neurodevelopmental Delaying of the Offspring” investigou como fatores adversos vividos pelas gestantes — como estresse crônico, exposição à poluição ou problemas nutricionais — podem provocar uma resposta inflamatória prolongada no corpo da mãe e no desenvolvimento do feto e desfechos futuros neurodesenvolvimentais.
Método do Estudo
População e desenho
Participantes: 418 pares mãe‑filho do estudo finlandês PREDO (Prediction and Prevention of Preeclampsia and Intrauterine Growth Restriction), acompanhados desde o pré‑natal até aproximadamente 10,8 anos de idade.
Avaliação da inflamação materna
Biomarcadores:
Proteína C‑reativa de alta sensibilidade (hs-CRP)
Acetil-glicoproteínas
Coleta: em três momentos ao longo da gravidez (terceiro antenatal)
Medidas de adversidades pré-natais
Índice de Massa Corporal (IMC) antes da gestação
Histórico de diabetes ou hipertensão registrado no prontuário
Diagnóstico de transtornos de humor ou ansiedade até o parto, obtido através de registros de saúde
Avaliação do desenvolvimento infantil
Fontes de dados combinados para criar um índice do número de áreas com atraso neurológico:
Registros de “transtornos do desenvolvimento psicológico” (registro nacional)
Questionário Ages and Stages Questionnaire, respondido pelas mães (avaliação de marcos do desenvolvimento nas áreas cognitiva, motora e social)
Análises estatísticas
Associação entre níveis de inflamação materna (individualmente e de forma persistente ao longo dos três pontos) e o número de áreas de atraso infantil.
Análise de mediação para verificar se a inflamação explica (medeia) a relação entre adversidades pré-natais e atraso no desenvolvimento do filho
Resultados Principais
Inflamação materna e risco de atraso neurológico
Níveis elevados de proteína C-reativa de alta sensibilidade (hs‑CRP) e glicoproteínas acetiladas em até três pontos distintos da gravidez foram associados a um aumento de 1,30 a 2,36 vezes no risco de a criança apresentar mais áreas com atraso no desenvolvimento (como cognição, motricidade ou habilidades sociais)
Ou seja, quanto mais persistente era a inflamação, maior o número de domínios nos quais a criança podia apresentar atraso.
Efeito mediador da inflamação
A inflamação materna atuou como mediadora significativa entre exposições a adversidades no pré-natal (como obesidade materna, diabetes, hipertensão ou transtornos mentais maternos) e atrasos no desenvolvimento infantil .
Isso mostra que a inflamação não só está associada aos atrasos, mas também explica—ao menos parcialmente—como as adversidades chegam a prejudicar o desenvolvimento neurológico das crianças.
O que é inflamação crônica e por que ela importa?
A inflamação é uma resposta natural do organismo a ameaças, como infecções ou lesões. Porém, quando essa resposta se torna constante — o que caracteriza a inflamação crônica — ela pode se tornar prejudicial, principalmente durante a gravidez, um período em que o organismo da mãe precisa manter um equilíbrio delicado para garantir o desenvolvimento saudável do bebê.
Segundo os autores do estudo, gestantes que apresentam níveis cronicamente elevados de inflamação têm maior chance de dar à luz crianças que, nos primeiros anos de vida, apresentam atrasos em áreas como linguagem, habilidades motoras e cognição.
Fatores ambientais e sociais também contam
Um aspecto importante da pesquisa é a constatação de que fatores ambientais adversos, como viver em áreas com alta poluição ou enfrentar insegurança alimentar, contribuem para aumentar a inflamação no corpo da gestante. Isso reforça a ideia de que o ambiente em que a mãe vive — e não apenas fatores genéticos ou estilo de vida — pode ter um papel importante no desenvolvimento neurológico da criança.
O que isso significa na prática?
Para os profissionais de saúde, esse estudo serve de alerta: monitorar sinais de inflamação crônica durante o pré-natal pode ser uma estratégia importante para prevenir problemas no desenvolvimento infantil. Para gestantes e famílias, é um reforço da importância do cuidado integral — físico, emocional e social — durante a gravidez.
Investimentos em políticas públicas que reduzam as desigualdades sociais, melhorem a qualidade do ar e aumentem o acesso a alimentos saudáveis e cuidados médicos são caminhos promissores para promover a saúde de mães e bebês a longo prazo.
O que causa inflamação crônica na gravidez?
A inflamação crônica na gestação é uma ativação prolongada do sistema imune da mãe, mesmo na ausência de infecções ativas. Diferente da inflamação aguda (como quando você tem uma infecção), essa inflamação silenciosa pode passar despercebida, mas trazer efeitos importantes.
Principais causas:
Estresse crônico e ansiedade
Estresse psicológico constante ativa o eixo HPA (hipotálamo-hipófise-adrenal) e aumenta a liberação de citocinas inflamatórias.
Obesidade ou sobrepeso
O tecido adiposo (gordura) secreta substâncias inflamatórias; quanto maior o IMC, maior o risco.
Dieta inflamatória
Dietas ricas em ultraprocessados, açúcares refinados, gorduras trans e pobres em fibras vegetais aumentam os marcadores inflamatórios.
Doenças crônicas prévias
Diabetes tipo 2, hipertensão e síndrome metabólica contribuem para inflamação sistêmica.
Infecções ou condições autoimunes não tratadas
Infecções crônicas ou doenças como lúpus e artrite reumatoide elevam os níveis de inflamação.
Exposição ambiental e poluição
Poluentes do ar, metais pesados e pesticidas interferem no sistema imunológico e aumentam inflamação.
Distúrbios do sono
Dormir mal ou pouco está associado a aumento de marcadores inflamatórios como a IL‑6 e TNF‑alfa.
Como prevenir ou evitar inflamação crônica na gravidez?
Alimentação anti-inflamatória
Baseada em vegetais, frutas, legumes, grãos integrais, castanhas, peixes ricos em ômega‑3 (como sardinha e salmão).
Evitar ultraprocessados, frituras, refrigerantes, carnes processadas.
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Atividade física moderada e regular
Caminhadas, yoga para gestantes, hidroginástica – sempre com liberação médica.
Controle do estresse
Técnicas como mindfulness, meditação, apoio psicológico e redes de apoio são fundamentais.
Sono de qualidade
Estabelecer rotinas para dormir, evitar telas à noite, tratar insônia com acompanhamento profissional.
Acompanhamento pré-natal completo
Rastreio de doenças autoimunes, controle de doenças crônicas, e monitoramento de peso e pressão arterial.
Ambiente saudável
Evitar poluentes domésticos, cigarro (inclusive passivo), produtos de limpeza tóxicos e exposição a metais pesados.