Aumento de orotato em paciente sem problema hepática ou erros inatos do metabolismo

A imagem abaixo representa um esquema metabólico envolvendo o metabolismo do nitrogênio e a síntese de carbamoil fosfato, um intermediário importante tanto no ciclo da ureia quanto na biossíntese de pirimidinas.

A amônia (NH4) e o dióxido de carbono (CO2​) combinam-se utilizando 2 moléculas de ATP para formar carbamoil fosfato. Essa reação ocorre pela ação da enzima carbamoil fosfato sintetase I (CPSI) no fígado.

O composto carbamoil fosfato contém um grupo carbamoil ligado a um grupo fosfato, sendo um intermediário essencial no metabolismo do nitrogênio.

O Carbamoil Fosfato pode seguir dois caminhos:

  • Ciclo da ureia, resultando na excreção de ureia (eliminação de nitrogênio do organismo) e desintoxicação da amônia.

  • Biossíntese de pirimidinas, contribuindo para a formação de orotato (ou ácido orótico), precursor de bases nitrogenadas como uracila, citosina e timina. Esta via é fundamental para a síntese de DNA e RNA.

A escolha entre medir amônia no sangue ou estimar sua produção indiretamente pela excreção de orotato na urina depende do contexto clínico e laboratorial. Aqui estão as vantagens e desvantagens de cada método:

1. Medição de Amônia no Sangue

Vantagens:

  • Medida direta da concentração de amônia circulante.

  • Essencial em casos de suspeita de encefalopatia hepática, intoxicação por amônia ou distúrbios do ciclo da ureia.

  • Resultado rápido para situações de emergência.

Desvantagens:

  • A amostra deve ser manuseada com extremo cuidado (coletada em tubo com gelo, analisada rapidamente) para evitar degradação da amônia.

  • Pode apresentar variações devido a fatores como alimentação, uso de medicamentos e tempo de coleta.

  • Pouco útil para avaliação indireta do metabolismo de nitrogênio a longo prazo.

2. Estimativa pela Excreção de Orotato na Urina

Vantagens:

  • Método útil para avaliação indireta da função do ciclo da ureia.

  • Pode indicar deficiências enzimáticas (como deficiência de ornitina transcarbamilase - OTC).

  • Menos suscetível a variações imediatas da dieta e do metabolismo momentâneo.

Desvantagens:

  • Indireto: a excreção de orotato depende de outras vias metabólicas, podendo ser influenciada por diferentes fatores.

  • Não é útil para monitoramento rápido em emergências.

  • Pode ser necessário coletar amostras de urina ao longo do tempo, tornando o processo mais demorado.

Se precisar de um diagnóstico rápido e direto, a amônia no sangue é preferível. Se a intenção for avaliar a função do ciclo da ureia a longo prazo ou investigar distúrbios genéticos, a excreção de orotato pode ser mais útil.

A concentração de orotato na urina pode ser influenciada por várias vias metabólicas além do ciclo da ureia. Aqui estão os principais fatores e processos envolvidos:

1. Vias Metabólicas Relacionadas

🧬 Via de Biossíntese de Pirimidinas

  • O orotato (ácido orótico) é um intermediário na síntese de pirimidinas.

  • A enzima orotato fosforribosiltransferase (OPRT) converte orotato em orotidina monofosfato (OMP), que posteriormente gera nucleotídeos essenciais (UMP → CTP, TMP).

  • Deficiências enzimáticas nessa via (ex.: orotacidúria hereditária) resultam em acúmulo e excreção elevada de orotato na urina.

🏭 Interação com o Ciclo da Ureia

  • A deficiência de ornitina transcarbamilase (OTC) (enzima do ciclo da ureia) leva ao acúmulo de carbamoil fosfato, que "vaza" para a via das pirimidinas, aumentando a produção de orotato.

  • Esse fenômeno faz com que pacientes com deficiência de OTC apresentem orotacidúria secundária.

🔄 Metabolismo de Ácido Fólico e Metilação

  • O metabolismo de pirimidinas é regulado por cofatores como ácido fólico e vitamina B12.

  • Alterações nesses processos podem modificar a produção e excreção de orotato.

2. Fatores que Influenciam a Excreção de Orotato

🍽 Dieta e Consumo de Proteína

  • Dietas ricas em proteínas aumentam a produção de amônia e a atividade do ciclo da ureia, podendo afetar indiretamente a excreção de orotato.

  • Jejum prolongado ou dietas muito restritivas podem reduzir a disponibilidade de intermediários metabólicos e afetar essa via.

💊 Drogas e Suplementos

  • Alopurinol (usado para gota) inibe a orotato fosforribosiltransferase, levando ao acúmulo de orotato na urina.

  • Drogas que afetam o metabolismo hepático (ex.: valproato) podem alterar vias que interagem com a síntese de pirimidinas.

🏥 Doenças Hepáticas e Renais

  • O fígado é central no metabolismo de pirimidinas; doenças hepáticas podem afetar a excreção de orotato.

  • Em insuficiência renal, a eliminação pode ser alterada, afetando os níveis urinários.

🧬 Erros Inatos do Metabolismo

  • Além da deficiência de OTC, doenças genéticas como orotacidúria hereditária (deficiência de UMP sintase) resultam em excreção extremamente elevada de orotato.

  • Outras doenças metabólicas que alteram a homeostase de nucleotídeos também podem impactar a excreção.

O aumento de orotato na urina em pacientes que não possuem problemas hepáticos ou doenças metabólicas raras pode ser causado por vários fatores mais comuns ou menos óbvios, que podem alterar as vias metabólicas de maneira indireta. A seguir estão algumas possíveis causas e suas consequências:

Causas de Aumento de Orotato em Pacientes Sem Problemas Hepáticos ou Doenças Metabólicas Raras

1. Alterações na Dieta ou Consumo de Proteína

  • Dieta rica em proteínas: O aumento do consumo de proteínas pode sobrecarregar o ciclo da ureia, fazendo com que mais intermediários (como o carbamoil fosfato) sejam desviados para a via de síntese de pirimidinas, o que pode levar ao aumento da produção de orotato.

  • Dieta deficiente em carboidratos ou em calorias: Dietas com baixo aporte de carboidratos ou calorias podem alterar o metabolismo celular e impactar a produção de pirimidinas, levando à maior excreção de orotato.

2. Uso de Medicamentos

  • Valproato: Este anticonvulsivante pode inibir a função do ciclo da ureia, promovendo a liberação de carbamoil fosfato, que é então desviado para a síntese de pirimidinas e resulta em aumento do orotato na urina.

  • Alopurinol: Embora utilizado principalmente para tratar gota, ele pode afetar o metabolismo de pirimidinas, promovendo o acúmulo de orotato.

  • Medicamentos quimioterápicos: Alguns medicamentos usados no tratamento de câncer também podem afetar o metabolismo de nucleotídeos e aumentar a excreção de orotato.

3. Alterações no Metabolismo do Ácido Fólico ou Deficiência de Vitaminas

  • Deficiência de ácido fólico ou vitamina B12: O ácido fólico é crucial para a síntese de pirimidinas. A deficiência dessas vitaminas pode alterar o equilíbrio normal dos nucleotídeos, levando ao aumento do orotato.

  • Alterações no metabolismo de folato: Algumas condições, como alterações no metabolismo do folato ou efeitos colaterais de medicamentos que afetam essa via (como os medicamentos quimioterápicos), podem influenciar a excreção de orotato.

4. Insuficiência Renal Subclínica

  • Mesmo sem uma insuficiência renal grave, a função renal levemente comprometida pode afetar a capacidade de excreção de substâncias como o orotato. O acúmulo leve de toxinas no corpo pode alterar os processos metabólicos e resultar em uma excreção elevada de orotato.

5. Distúrbios Endócrinos

  • Hipotireoidismo: A função alterada da glândula tireoide pode afetar o metabolismo celular e, em alguns casos, influenciar a síntese de pirimidinas, levando ao aumento do orotato.

  • Distúrbios na função adrenal: O estresse crônico ou doenças que afetam a função adrenal podem modificar o metabolismo nitrogenado, levando a um aumento da excreção de orotato.

Consequências e Sintomas do Aumento de Orotato

Consequências

  • Acúmulo de Amônia: O aumento de orotato pode ser um reflexo de disfunção no ciclo da ureia, o que pode levar ao acúmulo de amônia no organismo. Isso, por sua vez, pode sobrecarregar o fígado e os rins, afetando o equilíbrio ácido-base e a função hepática a longo prazo.

  • Desequilíbrios de Nucleotídeos: O aumento do orotato pode alterar o metabolismo das pirimidinas e afetar a síntese de DNA e RNA, o que pode impactar a divisão celular e o funcionamento do sistema imunológico.

  • Alterações metabólicas secundárias: Caso o aumento de orotato seja causado por uma deficiência nutricional (como deficiência de ácido fólico), podem ocorrer sintomas de anemia ou falha no crescimento celular normal.

Sintomas

  • Sintomas neurológicos: Em alguns casos, o aumento de orotato pode ser acompanhado por sintomas de encefalopatia, como confusão, fadiga, dificuldade de concentração e irritabilidade, especialmente se houver elevação associada de amônia.

  • Sintomas gastrointestinais: O aumento de orotato pode ser sintoma de desequilíbrios nutricionais ou metabólicos, podendo gerar náuseas, vômitos ou perda de apetite.

  • Alterações no crescimento e no desenvolvimento: Caso seja causado por deficiências de vitaminas (como o ácido fólico), podem ocorrer sintomas relacionados ao crescimento celular comprometido, como cansaço excessivo, palidez e diminuição da resistência a infecções.

  • Distúrbios urinários: Pode haver alteração no volume ou na frequência urinária, caso a excreção excessiva de orotato sobrecarregue os rins.

Quando Procurar Ajuda Médica?

Caso um paciente note sintomas como confusão mental, fadiga extrema, alterações no apetite ou sintomas gastrointestinais persistentes, é importante realizar uma avaliação médica detalhada para investigar a causa do aumento de orotato na urina.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/