Mecanismos da dieta cetogênica na depressão

O termo depressão compreende uma vasta gama de experiências, mas os denominadores mais comuns são tristeza, perda de interesse por atividades antes apreciadas, desesperança e baixa energia. Estes sentimentos arrastam-se por longos períodos gerando uma queda na vitalidade.

Teorias apontam mudanças nos níveis de serotonina, dopamina e noradrenalina, mas as coisas não são tão simples. Estes neurotransmissores são, sem dúvida, importantes para a regulação do humor, mas não refletem a complexidade em torno da depressão. Por exemplo, em mulheres, quedas hormonais, especialmente no período da perimenopausa e menopausa aumentam o risco de depressão e também declínio cognitivo.

Um em cada quatro mulheres corre o risco de vir a ter depressão em algum momento da vida; entre os homens, a probabilidade é de um em sete. A Organização Mundial de Saúde estima que mais de 280 milhões de pessoas sofram de depressão no mundo.

Entre os gatilhos para depressão encontram-se o estresse, a neuroinflamação (por viroses, envelhecimento, alergias, disbiose, dieta inadequada, obesidade,...), a genética. Não há um gene único que aumente o risco de depressão, nem de outros transtornos psiquiátricos (como o transtorno afetivo bipolar). Já foram encontrados centenas de genes que desempenham pequenos papeis no sistema nervoso. E a interação entre genética e ambiente é importante.

Mecanismos ligando obesidade, inflamação e depressão (Fu et al., 2023)

Em momentos de estresse produzimos cortisol, um hormônio que mobiliza energia e reduz a inflamação. Mas em situações de estresse crônico, como quando precisamos tomar uma decisão de vida ou nas doenças crônicas (como obesidade) a elevação constante de cortisol faz com que o corpo se habitue. Após um tempo, deixa de reagir ao cortisol e a inflamação aumenta ainda mais.

Pessoas acima do peso também produzem mais citocinas inflamatórias. O tecido adiposo não é uma reserva de energia passiva e estas citocinas ativam o sistema imune. Mais de 40 genes relacionados à depressão também estão relacionados à inflamação. Quanto maior é o aumento de proteína C reativa, um marcador de inflamação, menor é o bem estar e mais sintomas de depressão tendem a aparecer.

Passar longos períodos de tempo sentados leva à inflamação dos músculos e do tecido adiposo. A privação de sono e as toxinas ambientais têm o mesmo efeito. Alimentos processados levam à inflamação do estômago e intestino. Tabaco gera inflamação no sistema respiratório. E, como tudo está ligado, o cérebro sofre. Inflamação constante faz o cérebro interpretar que estamos sob ataque constante. Ela gera substâncias para nos defender, o que consome nossa energia. Ele nos esconde do perigo (é comum o deprimido querer ficar embaixo das cobertas). Um terço de todas as depressões parece ser provocada pela inflamação.

Claro que nem toda depressão pode ser justificada por inflamação e estresse. Mas, na escala de cinzas que começa com o estresse psicossocial e termina com mecanismos de defesa biológica difíceis de controlar, há o que possamos fazer. Atividade física, sono de qualidade, terapia, medicação quando necessária, dieta e suplementação antiinflamatória fazem parte do tratamento.

Em termos biológicos, a depressão é tão estranha quanto a pneumonia ou o diabetes. Nem a pneumonia, nem o diabetes, nem a depressão têm absolutamente nada a ver com falta de caráter. Aconselhar alguém deprimido a se alegrar e recompor-se é como dizer aos pulmões com pneumonia para se recompor. Ou para o pâncreas do diabético a se recompor. Tal como devemos procurar tratamento para pneumonia ou diabetes, também o devemos fazer em caso de depressão.

O acesso do paciente com transtorno de humor a uma equipe multidisciplinar mínima com psiquiatra, psicólogo, educador físico e nutricionista deveria ser direito de todos.

Intervenções nutricionais na depressão

A combinação de estratégias é muito importante pois, entre 30% e 40% dos pacientes não respondem adequadamente à farmacoterapia e psicoterapia para o tratamento da depressão. Estas devem ser acompanhadas de outras estratégias. A dieta pode afetar a depressão de várias maneiras, incluindo:

  • regulação do metabolismo do triptofano,

  • redução da inflamação,

  • equilíbrio do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA),

  • modulação do eixo micróbio-intestino-cérebro,

  • aumento do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF),

  • regulação epigenética.

Dieta cetogênica no tratamento da depressão

Pesquisas emergentes da psiquiatria nutricional e neuronutrição têm se concentrado na identificação de distúrbios metabólicos fundamentais dentro dos neurônios e em todo o corpo envolvendo resistência à insulina, inflamação, estresse oxidativo e alterações do microbioma intestinal. Todos esses quatro distúrbios metabólicos fundamentais estão presentes na depressão maior (2) e transtornos de ansiedade subjacentes (3) e podem ser modulados diretamente pelo uso da terapia metabólica cetogênica (TMC).

Modelos pré-clínicos demonstram que a intolerância à glicose está diretamente associada à ansiedade e que a resistência à insulina desencadeia comportamentos depressivos. No tecido cerebral, a resistência à insulina resulta em hipometabolismo cerebral da glicose e um ciclo vicioso de necessidades energéticas não atendidas. Em estudos humanos, o hipometabolismo cerebral da glicose é uma característica da depressão maior, do transtorno de ansiedade generalizada (TAG) e do transtorno afetivo bipolar (TAB).

A TMC, também conhecida como dieta cetogênica terapêutica é uma dieta com baixo teor de carboidratos, moderada em proteínas e rica em gorduras que suporta uma mudança metabólica fundamental de glicose para corpos cetônicos como a principal fonte de combustível. As TMC clássicas são formuladas com proporções estritas de macronutrientes, mais comumente 4:1 e 3:1 (gordura: proteína + carboidratos), e demonstraram eficácia em epilepsia intratável e distúrbios genéticos.

Mais recentemente, as TMC clássicas modificadas com proporções mais baixas de macronutrientes de 2,5:1, 2:1 e 1,5:1 e 1:1 foram utilizadas em pesquisas e na prática clínica. Elas permitem mais variedade na dieta, são mais fáceis de sustentar por longo períodos, além de atenderem mais facilmente às necessidades de micronutrientes, exceto vitamina D.

As TMC exploram a capacidade natural do corpo de produzir corpos cetônicos (d-beta-hidroxibutirato (BHB), acetoacetato e acetona) no fígado a partir de ácidos graxos, mantendo o consumo de carboidratos muito baixo. A produção aguda e sustentada de corpos cetônicos produz uma mudança fundamental na energia do combustível dentro das células, particularmente neurônios, que podem redirecionar radicalmente e depender rapidamente de BHB e acetoacetato prontamente disponíveis para energia celular. Os corpos cetônicos também aumentam a densidade vascular na barreira hematoencefálica, o que pode aumentar notavelmente a disponibilidade de corpos cetônicos para o metabolismo energético do cérebro em 40 vezes. As cetonas são uma fonte de energia para o SNCe os neurônios.

Tanto na cetose nutricional aguda quanto na de longo prazo, os corpos cetônicos têm uma série de efeitos biológicos que alteram diretamente o estado de energia celular do cérebro, aumentam a densidade mitocondrial e melhoram a morfologia mitocondrial, que demonstrou ser alterada em transtornos de humor.

Pesquisas recentes mostram que uma dieta cetogênica (KD) reduz as taxas de disparo neuronal, modula canais iônicos e cascatas de sinalização celular e estimula a síntese bioquímica e a neurotransmissão de GABA ao inibir a glutamato descarboxilase, um importante neurotransmissor inibitório envolvido no disparo neuronal e na ansiogênese. O BHB ativa a transcrição de genes relacionados a antioxidantes ao inibir histonas desacetilases, desencadeando mudanças adaptativas de longo prazo na expressão gênica. Além disso, em concentrações fisiológicas, os corpos cetônicos reduzem a neuroinflamação por meio de ação direta nos receptores acoplados à proteína G.

Talvez o mais importante, a KD aumenta diretamente o NAD+, o que reduz espécies reativas de oxigênio e aumenta a produção de ATP mitocondrial. Também é utilizado como substrato para sirtuínas e enzimas PARP associadas ao reparo e longevidade do DNA.

A psiquiatra Lori Calabrese relata neste artigo o uso da dieta cetogênica para a remissão de sintomas de pacientes com depressão e ansiedade generalizada. Pacientes com transtorno de ansiedade tendem a responder mais rapidamente do que pacientes com diagnóstico de depressão, apesar de estes também poderem alcançar remissão dos sintomas com a combinação medicação, psicoterapia e pelo menos 7 semanas de dieta cetogênica. A Dra. Calabrese deu uma entrevista para o podcast metabolic mind em 2024.

Resumindo, embora os mecanismos exatos da dieta cetogênica no tratamento da depressão ainda sejam objeto de debate, as teorias principais destacam alguns pontos:

  • Neuroproteção

    • Energia alternativa para o cérebro: As cetonas, produzidas pelo corpo durante a cetose, podem fornecer uma fonte de energia alternativa para as células cerebrais, protegendo-as de danos e promovendo a saúde neuronal.

    • Redução do estresse oxidativo O estresse oxidativo está associado a diversos problemas de saúde, incluindo a depressão. As cetonas podem ajudar a reduzir esse estresse, contribuindo para a proteção neuronal.

  • Efeitos anti-inflamatórios

    • Redução da inflamação cerebral: A inflamação crônica no cérebro tem sido associada à depressão. A dieta cetogênica pode ajudar a reduzir essa inflamação, contribuindo para a melhora do humor.

    • Melhora da função mitocondrial: As mitocôndrias são as "usinas de energia" das células. A dieta cetogênica pode melhorar sua função, o que, por sua vez, pode reduzir a inflamação e melhorar a saúde mental.

  • Melhora da saúde metabólica

    • Regulação da insulina: A resistência à insulina está ligada à depressão. A dieta cetogênica pode melhorar a sensibilidade à insulina, o que pode ter um efeito positivo no humor.

    • Estabilização do açúcar no sangue: As oscilações nos níveis de açúcar no sangue podem afetar o humor. A dieta cetogênica pode ajudar a estabilizar esses níveis, contribuindo para uma sensação de bem-estar.

  • Equilíbrio de neurotransmissores

    • Influência na produção de neurotransmissores: A dieta cetogênica pode influenciar a produção de neurotransmissores como a serotonina e a dopamina, que estão envolvidos na regulação do humor.

    • Redução dos sintomas depressivos: Algumas pesquisas sugerem que a dieta cetogênica pode ajudar a reduzir os sintomas depressivos, possivelmente através de sua influência nos neurotransmissores.

Além disso, probióticos, micronutrientes e outras substâncias ativas exibem efeitos antidepressivos significativos ao regular as vias acima. Elas fornecem insights para o desenvolvimento de alimentos antidepressivos.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/