Fitoterápicos na dor crônica

A dor está relacionada aos processos de algesia e analgesia, que envolvem, respectivamente, a percepção da dor e a sua modulação ou alívio.

  • Algesia é o processo pelo qual o corpo percebe a dor. Quando os receptores sensoriais chamados nociceptores detectam estímulos potencialmente prejudiciais, como lesões ou inflamação, eles enviam sinais ao sistema nervoso central, onde a dor é interpretada.

  • Analgesia, por outro lado, refere-se à diminuição ou supressão da dor. Isso pode ocorrer de várias maneiras, como através de medicamentos analgésicos (como analgésicos não opioides, opioides, ou anti-inflamatórios), terapias físicas ou até mesmo processos naturais do corpo, como a liberação de endorfinas, que têm efeito analgésico.

Portanto, a dor pode ser percebida (algesia) e controlada (analgesia), e ambos os processos são essenciais para entender como lidamos com o desconforto físico.

A utilização de fitoquímicos para fins medicinais, especialmente no tratamento da dor crônica, tem gerado um crescente interesse e investigação. Fitoquímicos são compostos bioativos encontrados em plantas que podem ter efeitos benéficos para a saúde, incluindo o controle da dor. Vários fitoquímicos, incluindo os canabinoides, têm demonstrado propriedades analgésicas, atuando de diferentes maneiras para aliviar a dor. A seguir, destaco alguns fitoquímicos conhecidos pelo seu potencial para o controle da dor:

1. Canabinoides

Os canabinoides são compostos encontrados principalmente na planta Cannabis sativa (maconha) e têm mostrado grande potencial para o controle da dor. Dois dos canabinoides mais estudados são:

  • Tetrahidrocanabinol (THC): É o principal composto psicoativo da cannabis. Ele se liga a receptores canabinoides no cérebro e no sistema nervoso periférico, o que pode ajudar a aliviar a dor crônica, particularmente em condições como dor neuropática e dor associada ao câncer.

  • Canabidiol (CBD): O CBD é outro canabinoide não psicoativo que tem ganhado atenção pelo seu potencial analgésico. Ele pode interagir com os receptores canabinoides e outros sistemas no corpo, como o sistema endocanabinoide e os receptores de serotonina, ajudando a reduzir a inflamação e aliviar a dor. O CBD é particularmente promissor no tratamento de dores relacionadas à ansiedade, dor muscular e condições inflamatórias.

Também há vários fitoquímicos capazes de auxiliar na modulação da dor crônica. Enxaqueca, fibromialgia, osteoartrite, dor neuropática associada a diabetes ou herpes, por exemplo, são dores capazes de serem moduladas com a fitoquímicos.

2. Curcumina

A curcumina, o principal fitoquímico presente no açafrão-da-terra (curcuma longa), tem propriedades anti-inflamatórias e analgésicas bem documentadas. Ela inibe a produção de várias substâncias inflamatórias no corpo, como as prostaglandinas, ajudando a reduzir a dor e a inflamação. A curcumina tem sido usada no controle de condições como artrite, dor muscular e até dores relacionadas ao câncer.

3. Capsaicina

A capsaicina é o composto responsável pelo sabor picante de pimentas, como a pimenta caiena. Quando aplicada topicamente, ela pode ajudar a reduzir a dor, especialmente em condições de dor neuropática, como a neuropatia diabética. A capsaicina atua ao diminuir os níveis de uma substância chamada substância P, que é envolvida na transmissão dos sinais de dor.

4. Gengibre

O gengibre contém compostos como gingeróis e shogaóis, que possuem propriedades anti-inflamatórias e analgésicas. Ele pode ser eficaz no alívio da dor associada a condições como artrite, dores musculares e dores de cabeça. O gengibre também ajuda a melhorar a circulação sanguínea, o que pode ter um efeito positivo no controle da dor.

5. Alcaçuz (Glicirrizina)

O alcaçuz contém glicirrizina, que tem propriedades anti-inflamatórias e analgésicas. Além disso, a glicirrizina pode ajudar a reduzir a produção de substâncias inflamatórias, aliviando a dor em condições como artrite e outros distúrbios inflamatórios.

6. Ácido Rosmarínico (Alecrim)

O ácido rosmarínico, encontrado no alecrim e em outras plantas da família Lamiaceae, tem mostrado efeitos anti-inflamatórios e analgésicos. Ele pode ser útil no controle da dor associada à inflamação, como dores musculares e articulares.

7. Harpagofito

O harpagofito (Harpagophytum procumbens), também conhecido como garra-do-diabo, é uma planta que contém compostos como harpagosídeos, que possuem propriedades anti-inflamatórias e analgésicas. O harpagofito é usado principalmente no tratamento de dores nas articulações e em distúrbios como a osteoartrite.

8. Valeriana

A valeriana (Valeriana officinalis) é uma planta frequentemente usada para aliviar a ansiedade, mas também possui efeitos analgésicos. Pode ser útil no alívio de dores relacionadas ao estresse, insônia ou tensões musculares.

9. Camomila (Matricaria chamomilla)

A camomila tem compostos como apigenina que possuem propriedades anti-inflamatórias e relaxantes. Ela pode ser útil no alívio de dores de cabeça, cólicas e dores musculares.

Mecanismos de Ação dos Fitoquímicos no Controle da Dor

Os fitoquímicos podem atuar em vários mecanismos para reduzir a dor:

  • Anti-inflamatórios: Muitos fitoquímicos, como curcumina e gengibre, atuam diretamente na redução da inflamação, que muitas vezes é a causa subjacente da dor.

  • Modulação do Sistema Nervoso: Os canabinoides (THC e CBD) e outros compostos como a capsaicina podem afetar os sistemas nervosos central e periférico, modulando a percepção da dor.

  • Ação sobre os Receptores de Dor: Alguns fitoquímicos, como a capsaicina, podem afetar diretamente os receptores envolvidos na transmissão da dor, reduzindo sua ativação.

  • Alívio da Tensão Muscular: Plantas como a valeriana e a camomila podem relaxar os músculos tensos e aliviar dores associadas ao estresse ou espasmos musculares.

Esses e outros fitoquímicos podem ser consumidos de diversas formas, como em cápsulas, chás, óleos essenciais ou cremes tópicos. No entanto, é importante lembrar que, embora muitos desses compostos tenham benefícios comprovados, sempre é recomendável consultar um profissional de saúde antes de iniciar qualquer tratamento, especialmente em caso de condições crônicas ou interações com outros medicamentos.

Voltando ao Sistema Endocanabinoide e a Dor

O corpo humano possui um sistema endocanabinoide (SEC), que desempenha um papel crucial na regulação da dor. Este sistema é composto por:

Endocanabinoides: Substâncias produzidas pelo corpo, como a anandamida e o 2-araquidonoilglicerol (2-AG).

Receptores: CB1 e CB2, localizados em várias partes do corpo. O recetor CB1 é mais abundante no cérebro, enquanto o CB2 é encontrado principalmente nas células do sistema imunológico.

Enzimas: Responsáveis pela síntese e degradação dos endocanabinoides.

O SEC atua na modulação da dor de forma multifatorial e complexa. Os canabinoides podem inibir a liberação de neurotransmissores envolvidos na transmissão da dor, modular a excitabilidade neuronal, ativar vias inibitórias descendentes e reduzir a inflamação neural. Além disso, a interação dos canabinoides com outros recetores, como os opioides e serotoninérgicos, pode amplificar o efeito analgésico.

Como os Canabinoides Atuam na Dor Crónica

Os canabinoides atuam de diversas formas para aliviar a dor crónica:

Mecanismos Periféricos: Os recetores CB1 e CB2, presentes nos terminais nervosos e células imunes, controlam a transdução da dor. O 2-AG, por exemplo, reduz a inflamação e libera opioides endógenos.

Mecanismos Espinhais: Os canabinoides inibem a liberação de neurotransmissores na medula espinhal, através da ativação dos recetores CB1. Os receptores CB2 modulam respostas imunes centrais e aliviam a dor neuropática. A anandamida atua no início da dor, enquanto o 2-AG desempenha um papel na resolução da dor.

Mecanismos Supraespinhais: Os canabinoides inibem a transmissão da dor no tálamo e tronco cerebral, modificam a interpretação da dor no cérebro e ativam vias inibitórias descendentes. A anandamida pode ter um efeito bifásico, causando tanto alívio quanto aumento da dor dependendo da concentração.

Evidência Clínica e Tipos de Dor

A evidência clínica para o uso de canabinoides na dor crónica é limitada, embora promissora. Alguns estudos mostram benefícios em:

Dor Neuropática: Há evidências de que os canabinoides podem ser eficazes no alívio da dor neuropática, principalmente através da administração inalatória e sublingual. No entanto, os estudos apresentam limitações como amostras pequenas e heterogeneidade das intervenções. O NNT (Número Necessário para Tratar) varia entre 11 e 24, o que é considerado elevado quando comparado com outros fármaco0.

Dor Oncológica: Alguns estudos indicam que os canabinoides podem ser benéficos no tratamento da dor oncológica. No entanto, a evidência é menos robusta do que para a dor neuropática e mais estudos são necessários.

Dor Reumatológica e Visceral: Não há evidências de que os canabinoides sejam eficazes nestes tipos de dor.

Efeitos Adversos

Os efeitos adversos mais comuns estão associados a formulações com maior concentração de THC e incluem:

● Efeitos gastrointestinais

● Alterações nas funções cognitivas e motoras

O NNH (Número Necessário para Prejudicar) é de 6 para preparações de canabinoides em alguns estudos, o que é inferior ao de outros fármacos.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/