A esclerose múltipla (EM) é uma doença neurodegenerativa complexa que afeta cerca de 2,3 milhões de pessoas em todo o mundo, causando danos ao sistema nervoso central (SNC). A patologia é caracterizada por processos inflamatórios que afetam principalmente a substância cinzenta, e a ausência de um tratamento curativo até o momento torna os tratamentos modificadores da doença os mais utilizados, visando retardar sua progressão e aliviar os sintomas. Entre os sintomas mais comuns estão a fadiga, a atrofia muscular progressiva, a incapacidade funcional e os problemas cognitivos e emocionais, como ansiedade e depressão.
Mecanismos Patogênicos na Esclerose Múltipla
A doença envolve três mecanismos centrais, todos relacionados à degeneração neuronal:
Excesso de Ca²⁺ intraaxonal,
Desmielinização axonal, que resulta na degeneração dos axônios pela perda do suporte trófico da mielina,
Inflamação, mediada por linfócitos T e B reativos, que danificam as células nervosas.
Esses processos prejudicam a mitocôndria, reduzindo a produção de ATP e aumentando o estresse oxidativo. Isso culmina na perda da mielina, uma substância crucial para a condução de sinais nervosos, o que provoca atrofia cerebral e impacto clínico no paciente.
Atrofia e Incapacidade Funcional
A incapacidade funcional é um dos principais desafios da EM, e é medida através da Escala Expandida de Status de Incapacidade (EDSS). Essa escala não apenas quantifica a deficiência física, mas também tem implicações no bem-estar emocional do paciente, pois está diretamente associada à presença de ansiedade e depressão. Uma das questões mais relevantes associadas à incapacidade funcional é a obesidade.
Obesidade e Esclerose Múltipla
A obesidade é comum entre os indivíduos com EM, e estudos sugerem que níveis elevados de obesidade estão correlacionados com um aumento da incapacidade funcional. A adiposidade excessiva está associada a vários problemas metabólicos, como a resistência à insulina e um perfil lipídico alterado, que pode exacerbar os processos inflamatórios. A inflamação crônica é uma característica comum da EM e pode ser um dos fatores responsáveis pela progressão da doença. Certas interleucinas pró-inflamatórias como IL-17, IL-6 e IL-1β desempenham papéis cruciais nesse processo.
Inflamação, Depressão e Ansiedade
Estudos têm mostrado uma associação direta entre a inflamação e os distúrbios emocionais em pacientes com EM. Níveis elevados de citocinas inflamatórias, especialmente IL-6, IL-1β e IL-17, estão frequentemente associados a sintomas depressivos e de ansiedade. A IL-6, por exemplo, tem sido identificada como um fator preditivo da depressão, com a correlação entre seus níveis e o início desses sintomas podendo ser detectada até 6 anos antes do diagnóstico.
Essas interleucinas causam alterações no funcionamento do sistema nervoso, principalmente devido ao estresse oxidativo e à hiperatividade do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA), que por sua vez afetam a plasticidade sináptica e a função cognitiva. A relação entre esses mediadores inflamatórios e a depressão é clara: o aumento das citocinas inflamatórias pode afetar a função cerebral e, como resultado, agravar a atrofia cerebral e o declínio cognitivo em pacientes com EM.
Relação entre Glutamato e Aspectos Emocionais
Além da inflamação, mecanismos neurodegenerativos também desempenham um papel significativo na EM. Um dos fatores mais críticos é o excesso de glutamato, um neurotransmissor excitatório no SNC. O glutamato, em níveis elevados, pode causar excitotoxicidade, levando à degeneração neuronal. Esse excesso de glutamato tem sido associado a sintomas de ansiedade e depressão, distúrbios comuns em pacientes com EM.
Os receptores de glutamato, especialmente os mGluRs (receptores metabotrópicos), têm sido identificados como potenciais alvos terapêuticos para tratar distúrbios de ansiedade e depressão em pacientes com EM. Além disso, estudos recentes mostraram que a IL-17, uma interleucina inflamatória, está fortemente associada ao aumento da excitação neuronal e ao excesso de glutamato, exacerbando os sintomas emocionais da doença.
O Papel da IL-17 e Inflamação no Glutamato
A IL-17, em particular, tem um impacto significativo na excitação neuronal, prejudicando a captação de glutamato pelos astrócitos e estimulando a liberação excessiva desse neurotransmissor. A inflamação crônica, exacerbada por citocinas como a IL-17, pode reduzir a proteção neuronal e aumentar a excitação neuronal, agravando os sintomas emocionais, como ansiedade e depressão. A relação entre inflamação, excitotoxicidade do glutamato e neurodegeneração torna-se um mecanismo central na patogênese da EM.
A Influência da Dieta Cetogênica na Esclerose Múltipla
Estudos demonstram que indivíduos com EM apresentam desequilíbrios na ingestão de macronutrientes, especialmente relacionados à obesidade abdominal e níveis elevados de interleucina 6 (IL-6), que são característicos da dieta ocidental rica em gorduras saturadas e açúcares, promovendo inflamação e resistência à insulina.
O Impacto da Dieta Cetogênica na Esclerose Múltipla
A dieta cetogênica (KD) foi inicialmente criada para mimetizar os efeitos bioquímicos do jejum intermitente. Essa dieta envolve a redução de carboidratos e o aumento da ingestão de gorduras, com uma ingestão controlada de proteínas. A redução da glicemia e a diminuição da glicólise promovem uma melhor função mitocondrial ao reduzir a produção de espécies reativas de oxigênio, e o aumento de corpos cetônicos no sangue tem efeitos neuroprotetores devido à redução da inflamação.
A Aplicação da Dieta Cetogênica em Doenças Neurodegenerativas
A dieta cetogênica demonstrou benefícios iniciais em doenças como epilepsia resistente a medicamentos, e mais tarde foi observada sua relevância em doenças neurodegenerativas, incluindo esclerose lateral amiotrófica (ELA), doença de Alzheimer (DA), doença de Parkinson (DP), e esclerose múltipla. A dieta cetogênica é eficaz na modulação da função mitocondrial, redução da neuroinflamação, promoção da autofagia, e regulação do microbioma intestinal, todos mecanismos que parecem ser particularmente benéficos na EM, uma vez que a KD também demonstrou promover a remielinização axonal.
Evidências Clínicas dos Benefícios da Dieta Cetogênica na EM
Estudos clínicos têm mostrado os benefícios dessa dieta em indivíduos com EM. Em um estudo piloto randomizado com indivíduos com EM recorrente-remitente, houve uma leve redução nas pontuações do EDSS (Escala Expandida do Estado de Incapacidade). Em outra pesquisa com 65 indivíduos com EM recorrente, após 6 meses de dieta cetogênica, observou-se reduções significativas na massa gorda, levando a melhorias na fadiga, depressão, incapacidade neurológica, e inflamação. Além disso, os níveis de neurofilamento leve (sNfL), um marcador relacionado ao dano neuroaxonal, também diminuíram significativamente.
O Papel dos Corpos Cetônicos na Redução da Inflamação e Melhora Funcional
Em relação à inflamação, a dieta cetogênica influencia a produção de corpos cetônicos, como o β-hidroxibutirato (βHB), que atravessa a barreira hematoencefálica (BBB) e exerce efeitos anti-inflamatórios, reduzindo a neuroinflamação. O βHB também modula a atividade de interleucinas importantes na patogênese da EM, como IL-1β, IL-6, e IL-17, reduzindo a ativação do inflamossomo NLRP3 e promovendo a neuroproteção. Essa ação também inclui a modulação da resposta inflamatória nas células microgliais, crucial para doenças neurodegenerativas.
O Efeito dos Corpos Cetônicos na Ansiedade e Depressão
Indivíduos com dietas ocidentais, ricas em gordura e açúcar, apresentam maior risco de depressão e ansiedade, sendo a inflamação o principal mecanismo subjacente. A dieta cetogênica tem demonstrado efeitos positivos na redução desses distúrbios emocionais. Em modelos animais, observou-se a redução da depressão associada à restauração da ativação inflamatória microglial e à diminuição da excitabilidade neuronal. Além disso, a dieta cetogênica tem mostrado efeitos ansiolíticos, especialmente em doenças como a doença de Alzheimer e doença de Parkinson.
O Impacto na Atividade do Glutamato e no Controle da Ansiedade e Depressão
Níveis excessivos de L-glutamato (L-Glu) no sistema nervoso central podem ser neurotóxicos e estão associados à progressão da EM, além de contribuírem para a inflamação e a incapacidade funcional. A obesidade, por sua vez, está diretamente relacionada à resistência à insulina e à inflamação central, que afeta a função do glutamato. A dieta cetogênica pode melhorar a atividade do glutamato, reduzindo a obesidade e a resistência à insulina, o que tem efeitos benéficos na redução da ansiedade e da depressão. A modulação da atividade do glutamato pode, assim, melhorar a incapacidade funcional e reduzir os distúrbios emocionais.
Considerações Finais
A dieta cetogênica se apresenta como uma estratégia promissora no tratamento de esclerose múltipla, especialmente devido ao seu impacto positivo na redução da inflamação, melhora do perfil lipídico, e regulação da atividade do glutamato, que está relacionada à ansiedade, depressão e à incapacidade funcional. Você pode aprender mais sobre esta dieta neste curso online.
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