Dieta, microbiota e câncer de cólon

A microbiota intestinal pode ser considerada um órgão acessório, com funções importantíssimas para o ser humano. Possui atividades metabólicas, produzindo ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), fatores antimicrobianos, enzimas digestivas e vitaminas. Contribui para o desenvolvimento de um sistema imunológico saudável. Em situações de desequilíbrio, a microbiota aberrante (disbiótica) aumenta o risco de câncer colorretal.

O câncer colorretal é uma das principais causas de mortes por câncer entre homens e mulheres adultos. Uma série de mutações e alterações epigenéticas vão acumulando-se lentamente ao longo de décadas, levando a um ganho de função em oncogenes e a uma perda de função de genes supressores de tumor.

Embora a susceptibilidade genética herdada tenha um papel fundamental num subconjunto de casos de câncer de cólon e reto, a grande maioria dos casos são esporádicos (não herdados). Alguns fatores de risco para este tipo de câncer são dieta ocidental, tabagismo, obesidade, diabetes, consumo de álcool, disbiose intestinal e exposição a agentes cancerígenos.

A microbiota saudável é fundamental para a integridade da barreira intestinal, proteção contra danos ao DNA, inibição da disbiose e formação de biofilmes, redução da inflamação, prevenção do câncer e, no caso de doença, melhoria da eficácia da quimioterapia e imunoterapia (Drewes, Housseau, & Sears, 2016).

As interações entre a microbiota intestinal e o câncer são complexas. Contudo, uma microbiota variada e estável possui um papel protetor, melhorando a função de barreira epitelial/mucosa, aumentando AGCC com função protetora, reduzindo a inflamação e regulando a imunidade. Além disso, em pacientes com câncer, uma microbiota saudável melhora as respostas antitumorais das células T após quimioterapia e imunoterapia.

DIETA CETOGÊNICA NO TRATAMENTO DO CÂNCER COLORRETAL

A dieta cetogênica se distingue por seu baixo teor de carboidratos (~5% da ingestão calórica total), proteína moderada (~15% da ingestão calórica total) e alto teor de gordura (~80% da ingestão calórica total). Quando a ingestão de carboidratos é reduzida, a oxidação dos ácidos graxos atinge o pico e a produção de acetil-CoA aumenta nas mitocôndrias do fígado.

O acetil-CoA então entra no ciclo do ácido cítrico junto com o oxaloacetato. Quando o oxaloacetato se esgota e sua quantidade não chega ao equilíbrio do ciclo cítrico, o acetil-CoA passa a produzir os corpos cetônicos acetoacetato e β-hidroxibutirato (βHB) como fonte alternativa de energia para tecidos fora do fígado. Esses corpos cetônicos podem controlar o uso de substrato, inflamação, estresse oxidativo, processos catabólicos e expressão gênica.

O βHB fornece mais trifosfato de adenosina (ATP) por mol de substrato em comparação com o piruvato. A cetose é alcançada quando o βHB no sangue atinge concentrações ≥ 0,5 mmol/L. A enzima metabólica succinil-CoA:3-cetoácido CoA transferase (SCOT) não está presente no fígado, portanto, as células do fígado não podem usar corpos cetônicos para obter energia. Assim, o acetoacetato e o βHB podem deixar o fígado e entrar na corrente sanguínea para serem distribuídos para diferentes tecidos.

No entanto, tumores não podem fazer uso de corpos cetônicos porque eles não expressam uma ou mais das enzimas β-hidroxibutirato desidrogenase (β-OHBDH) ou SCOT, privando-os, portanto, da energia necessária para progressão e sobrevivência. A maior parte dos tumores utiliza glicose e glutamina e obtém energia a partir da fermentação destes substratos. Falo mais sobre este tema neste outro artigo.

Cetogênese (produção de corpos cetônicos) ocorre no fígado, quando a glicemia cai (Tamraz, Ghossaini, & Temraz, 2023)

Uma característica do metabolismo do câncer é um aumento na captação de glicose, o que leva a níveis elevados de insulina, que por sua vez eleva o fator de crescimento semelhante à insulina 1 (IGF1), aumentando a proliferação tumoral.

Corpos cetônicos possuem efeito anti-tumoral

Células tumorais no cérebro, mama e cólon não são capazes de empregar cetonas como fonte de energia na dieta. Assim, quando carentes em glicose e glutamina, começam a morrer. Outros estudos mostram que o mesmo pode ocorrer em células tumorais de próstata, pulmão, estômago e pâncreas.

Em pacientes passando por tratamento contra o câncer, uma dieta baixa em carboidratos ou cetogênica melhoram a qualidade de vida, normalizam o peso corporal. Ajudam a controlar náuseas e fadiga, comum durante a quimioterapia, além de prevenir a perda de massa muscular magra.

Para atingir a cetose terapêutica, é necessária a adesão estrita à dieta e isso muitas vezes é difícil. A adesão é baixa em pacientes terminais, não sendo recomendada nestes casos.

Para facilitar a entrada em cetose é possível o uso de suplementação de cetona exógena, como ésteres de cetona (forma líquida), sais de cetona (forma de pó), cápsulas de butirato (C4) ou simplesmente triglicerídeos de cadeia média (TCM).

O TCM é rapidamente absorvido, possui alta densidade energética, dissolve-se em água e não têm sabor. Se a suplementação com TCM não for bem tolerada, com sintomas de diarreia, dispepsia ou flatulência reduza a quantidade ou substitua por ésteres de cetonas.

Os ésteres de cetonas são totalmente convertidos nos corpos cetônicos βHB e acetoacetato. Infelizmente, estes suplementos ainda são bastante caros e inviáveis para muitos pacientes, cuja única opção é mesmo a dieta cetogênica restrita.

Para atingir a cetose com a dieta cetogênica costumam ser necessários alguns dias, enquanto com a suplementação de cetona exógena os níveis de β-HB são elevados de forma aguda rapidamente. O βHB desempenha um papel importante em diversas vias associadas ao câncer, como IGF, PI3K, mTOR e TNFα. Ao regular estas vias, o estado de cetose reduz o crescimento tumoral.

Embora ainda existam poucos estudos na área, vários ensaios clínicos registrados estão atualmente em andamento para investigar a dieta cetogênica como opção terapêutica de suporte em vários tipos de câncer (mama, cérebro, próstata, colorretal e renal). Antes de começar qualquer terapia adicional converse com seu oncologista e seu nutricionista. Contanto que você não abra mão do seu tratamento convencional, a visão mais recente da medicina é que a dieta cetogênica não trará prejuízos, caso queira tentar.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/