O artigo “Omega‑3 fatty acids and blood‑based biomarkers in Alzheimer's disease and mild cognitive impairment: A randomized placebo‑controlled trial” analisou 163 pacientes diagnosticados com comprometimento cognitivo leve (MCI) ou doença de Alzheimer (AD), entre 2013 e 2015, em Taiwan. O objetivo era investigar se diferentes formulações de ômega‑3 – DHA puro (0,7 g/dia), EPA puro (1,6 g/dia) ou combinação de EPA + DHA (0,8 g + 0,35 g/dia) – influenciavam o desempenho cognitivo, mix de marcadores inflamatórios no sangue e perfil bioquímico após 24 meses.
Os participantes foram divididos em quatro grupos: placebo, DHA, EPA, e combinação EPA+DHA. Foram analisados três principais domínios: função cognitiva (avaliada pelo ADAS‑cog), sintomas depressivos, capacidade funcional do dia a dia, e níveis de citocinas inflamatórias (como CCL4) no sangue.
No perfil inflamatório, apenas o grupo EPA mostrou queda significativa no marcador CCL4 (quimiocina pró‑inflamatória), com efeito estatístico robusto (p < 0,001). Não houve diferenças estatisticamente significativas entre os grupos (EPA, DHA, combinação) em relação aos escores gerais de cognição (ADAS‑cog), funções do dia a dia ou humor, comparados ao placebo. Contudo, análises focadas em subitens da ADAS‑cog revelaram resultados positivos pontuais:
EPA reduziu significativamente os escores de relação à linguagem falada (p < 0,01) e práxis construtiva (capacidade de reproduzir figuras, p < 0,05).
DHA também mostrou redução no item de linguagem falada (p < 0,05)
Nos testes como o ADAS-cog (Alzheimer's Disease Assessment Scale – cognitive subscale), escores mais altos indicam pior desempenho cognitivo. Isso é importante.
Portanto:
Reduzir os escores = melhorar o desempenho.
De toda forma, o efeito dos ômega‑3 foi modesto e pode decorrer da variabilidade entre os participantes — diferentes estágios de AD ou MCI, idade, genética etc. Isso dificulta efeitos globais fortes. Outros estudos mostram o papel dos genes na resposta ao ômega-3.
1. O papel do gene APOE – especialmente o alelo ε4
O gene APOE (apolipoproteína E) é um dos principais fatores genéticos associados ao risco de Alzheimer. Existem três variantes principais:
APOE ε2 – protetora
APOE ε3 – neutra
APOE ε4 – aumenta significativamente o risco de Alzheimer
Pessoas com uma ou duas cópias do alelo ε4 tendem a ter:
Maior risco de desenvolver Alzheimer
Declínio cognitivo mais rápido
Resposta mais variável a suplementos como o ômega-3
O Ômega-3 funciona diferente em portadores do APOE ε4.
Os não portadores do ε4 captam DHA no cérebro de forma mais eficiente. Isso acontece porque o APOE ε4 está associado a uma barreira hematoencefálica mais “resistente” à entrada de DHA, além de promover mais inflamação e estresse oxidativo. Assim:
Em estudos como o OmegAD e o MAPT, os benefícios cognitivos do ômega-3 foram maiores entre pessoas sem o ε4, especialmente em fases iniciais de comprometimento cognitivo.
Em portadores do ε4, talvez sejam necessárias doses mais altas, combinações com antioxidantes, ou formas modificadas de DHA/EPA para ultrapassar a barreira cerebral.
Outros genes relevantes (em menor escala)
Além do APOE, estudos genéticos também investigam variações em genes como:
APOA1 (apolipoproteína A1) – principal proteína do HDL (“bom colesterol”) e atua no transporte de lipídios, inclusive DHA/EPA, no sangue e até no cérebro. O ômega-3 (especialmente EPA) aumenta a expressão de APOA1, melhorando o transporte de lipídios e promovendo efeitos anti-inflamatórios. Polimorfismos no gene APOA1 podem alterar a resposta aos ômega-3, impactando o metabolismo lipídico e a eficácia do suplemento no cérebro. O genótipo GG do polimorfismo rs6370 do gene APOA1 é característico de pessoas que respondem bem ao ômega-3. Outras variantes podem ter respostas mais modestas em termos de inflamação ou melhora cognitiva.
FADS1/FADS2 – Genes codificadores das enzimas ∆5-desaturase (FADS1) e ∆6-desaturase (FADS2), que transformam ALA (ômega-3 vegetal) em EPA e DHA. Variantes genéticas (polimorfismos) em FADS1/FADS2 determinam a eficiência dessa conversão. Pessoas com variantes de baixa atividade convertem muito pouco ALA em EPA/DHA, precisando de suplementação direta (óleo de peixe, algas etc.).
ABCA7 (ATP-binding cassette transporter A7) – Gene para a proteína transportadora envolvida na homeostase lipídica e na remoção de β-amiloide. Variantes de risco no gene ABCA7 reduzem sua função, o que pode aumentar a deposição de placas amiloides e inflamação cerebral. Ômega-3 pode compensar parcialmente isso, modulando expressão lipídica e anti-inflamatória, mas o efeito depende da integridade funcional do gene.
TREM2 (Triggering Receptor Expressed on Myeloid Cells 2) – gene essencial para a função das células da microglia, que são “faxineiras” do cérebro. Em portadores de variantes de TREM2 associadas ao Alzheimer, essa modulação pode ser prejudicada. Estudos em camundongos TREM2-mutantes mostram resposta reduzida à suplementação com DHA, possivelmente pela perda da capacidade da microglia de processar lipídios.
Ou seja, nem todos respondem da mesma forma ao ômega-3. Assim, estratégias combinadas são importantes. Quer saber mais sobre sua genética? Marque uma consulta de genômica nutricional.