O corpo humano produz muitos endocanabinóides. Por isso, também temos receptores de canabinóides em várias células e tecidos. O sistema endocanabinóide funciona como um mecanismo SOS que é ativado sempre que há desequilíbrio orgânico. Por exemplo, este sistema é ativado quando há uma lesão física, quando o corpo é invadido por micróbios patogênicos ou quando estamos sob estresse, desgastados emocionalmente.
O endocanabinoidoma (ou sistema endocanabinoide expandido) parece envolvido em todos os aspectos do metabolismo, incluindo regulação do apetite, balanço energético, metabolismo, termogênese, inflamação e nocicepção, bem como regulação do estresse, recompensa e emoções.
Canabinóides e obesidade
Os níveis de endocanabinóides são elevados em indivíduos obesos em comparação com os magros. O aumento da concentração de endocanabinóides foi demonstrado no sistema nervoso central, tecido adiposo, pâncreas, músculo esquelético, rim, fígado e sangue de roedores e humanos obesos. A causa não é muito clara, mas pode ser devida à síntese aumentada de endocanabinóides ou à sua degradação reduzida, bem como à superexpressão dos receptores canabinóides. Vários estudos mostraram níveis aumentados de 2-araquidonoilglicerol (2-AG), um endocanabinóide, em diferentes órgãos e soro durante a obesidade e hiperglicemia, o que foi correlacionado com o conteúdo de gordura corporal, IMC, massa de gordura visceral e concentrações plasmáticas de triglicerídeos e insulina em jejum.
A ativação do receptor CB1 está envolvida no controle do metabolismo de lipídios e glicose. Embora o CB1 seja expresso principalmente no sistema nervoso e seus níveis de expressão sejam baixos nas células periféricas, ele aumenta na obesidade. O bloqueio do CB1 reduz a ingestão de alimentos e o peso corporal. O Rimonabant, um antagonista do CB1, foi desenvolvido e começou a ser prescrito como medicamento antiobesidade. Contudo, gerou efeitos colaterais graves, incluindo depressão, ansiedade, náusea, tontura e tendências suicidas, provavelmente devido ao bloqueio do CB1 central.
O receptor CB1 é conhecido por seus efeitos estimulantes do apetite devido à ligação do THC a esse receptor, produzindo os chamados "laricas". O bloqueio do receptor CB1 no tecido adiposo demonstrou induzir a diferenciação dos adipócitos brancos para um fenótipo termogênico de células marrons, o que é altamente benéfico quando queremos reduzir o tecido adiposo. Duas formas seguras de induzir a diferenciação de tecido adiposo branco (que queima pouca energia) em tecido adiposo bege ou marrom (que queimam mais energia) são: (1) a exposição ao frio, (2) a dieta cetogênica.
Papel dos canabinoides no metabolismo energético
O tetrahidrocanabinol (THC) é um agonista parcial dos receptores CB1 e CB2 e é o constituinte psicoativo da cannabis, devido à sua capacidade de ligação ao receptor CB1 no cérebro. Além disso, o THC ativa os receptores CB1, localizados nas regiões límbicas (aumentando as propriedades motivacionais dos alimentos) e hipotalâmicas (aumentando o apetite) do cérebro, causando estimulação aguda do apetite ou os chamados efeitos orexígenos.
A tetrahidrocanabivarina (THCV) liga-se aos receptores canabinóides CB1 e CB2. Sua ação parece ser dose-dependente, pois o THCV é um antagonista neutro em baixas doses e agonista em altas doses dos receptores CB1 e CB2. Por ter ação antagonista CB1, parece ser um candidato promissor para distúrbios metabólicos e obesidade. Estudos em camundongos obesos mostraram aumento da sensibilidade à insulina e tolerância à glicose após a administração de THCV. Um estudo piloto em pacientes com diabetes tipo 2 mostrou que o THCV reduziu a glicose plasmática em jejum com melhora paralela na função das células β no pâncreas.
O canabidiol (CBD) é um modulador alostérico negativo do receptor CB1, bloqueando a ligação de agonistas fortes como a anandamida, produzindo efeitos antiobesidade. No receptor CB2, pode atuar como agonista ou agonista inverso, dependendo da dose e do modelo de pesquisa. O CBD exibe muitas propriedades terapêuticas, incluindo efeitos antiinflamatórios, antioxidantes, antitumorais, anticonvulsivantes e neuroprotetores. Devido a isso, o CBD surge como um potencial agente terapêutico, que pode ser usado no tratamento do diabetes e suas complicações – obesidade, isquemia, doenças neurodegenerativas –, bem como no alívio da dor e da depressão.
Como a obesidade está associada à inflamação crônica de baixo grau, o CBD pode desempenhar um papel crucial na regulação negativa dessa resposta inflamatória e na obtenção de uma massa corporal mais saudável. A esse respeito, o CBD foi estudado extensivamente e demonstrou aumentar o nível de glutationa (GSH), adenosina trifosfato (ATP) e nicotinamida adenina dinucleotídeo (NAD) e aumentar a lipólise intracelular e a atividade mitocondrial. Contudo, os efeitos do CBD na ingestão de alimentos, preferências alimentares e ganho de peso foram ambíguos e mostraram uma série de resultados confusos.
Os fitocanabinóides mostram um imenso potencial. O foco está em encontrar antagonistas dos receptores CB1 e agonistas dos receptores CB2 no mundo vegetal. Eles mostram um alto perfil de segurança com efeitos colaterais insignificantes e têm vários alvos dentro do endocanabidioma que suportam metabolismo saudável, gasto de energia, homeostase bioquímica e bem-estar emocional. A ativação do CB2 para aumentar o escurecimento do tecido adiposo e transformar a energia química em energia térmica pode ser uma peça importante do quebra-cabeça no tratamento da obesidade.