A função mais conhecida do tecido adiposo é de um armazenador de energia na forma de gordura. Contudo, o tecido adiposo é muito mais do que isso. Desempenha muitos papeis, como ocontrole da ingestão alimentar; o equilíbrio energético; a secreção de hormônios que interferem na sensibilidade à insulina, pressão arterial, angiogênese…
Na verdade, o tecido adiposo é considerado um dos maiores órgãos endócrinos do corpo. Possui uma mistura complexa de células, sendo apenas um terço adipócitos maduros e dois terços uma mistura de numerosos tipos de células conhecidas coletivamente como fração vascular do estroma. Esta mistura contém células-tronco mesenquimais (MSCs), pré-adipócitos, fibroblastos, células progenitoras endoteliais (EPCs), pericitos, monócitos/macrófagos, células musculares lisas vasculares, leucócitos, células T e eritrócitos.
Classificação do tecido adiposo com base na cor
Com base em sua cor, o tecido adiposo (TA) pode ser classificado em branco (TAB), marrom (TAM) e bege (TABe). A expansão do TA branco começa logo após o nascimento. O TAB é encontrado em todo o corpo, especialmente entre as vísceras e abaixo da pele (TA subcutâneo). O TAB possui grandes gotículas lipídicas, poucas mitocôndrias e cor marfim ou amarelada. Se você comer demais, o TAB captura ácidos graxos livres (AGL) e glicose do plasma sanguíneo gera triglicerídeos, que será estocado. Se faltar energia, você poderá usar este estoque para se manter em jejum, atividade física, tempos de escassez de alimentos.
O TA marrom é formado antes do nascimento para proteger os recém-nascidos do frio. Sua atividade em adultos está diminuída, especialmente em indivíduos com obesidade, diabetes e também nos idosos. O TAM humano é mais concentrado nas regiões supraclavicular, axilar, pescoço, periaórtica, paravertebral, perirrenal e mediastinal. O TAM possui alto grau de vascularização e inervação simpática. Possui maior conteúdo de mitocôndrias e as gotas de gordura são menores.
O TAM preserva a temperatura corporal por um processo conhecido como termogênese sem tremores, dissipando energia na forma de calor. A termogênese é mediada pela proteína 1 desacopladora específica dos adipócitos marrons (UCP1), também chamada de termogenina, em resposta à sinalização adrenérgica através do sistema nervoso simpático. Após a exposição a um estímulo frio, os neurônios simpáticos liberam noradrenalina (NADR) na sinapse, ativando vários receptores β-adrenérgicos (ARs) . A ativação de β-ARs desencadeia uma cascata de sinalização que leva à lipólise (quebra) dos estoques de triglicerídeos e à liberação de ácidos graxos (FAs) e, finalmente, à ativação de UCP1.
A proteína UCP1 está localizada na membrana mitocondrial interna (MMI) e transporta íons H +, na presença de FAs e glicose, levando ao desacoplamento da respiração celular e da síntese de ATP, liberando assim calor em vez da produção de energia. Assim, o TA marrom desempenha um papel natural anti-obesidade.
Quando o TAB passa por determinados estímulos, pode passar a TA bege. É a estimulação β-adrenérgica que faz isso. A exposição ao frio e a dieta cetogênica facilitam esse processo, tornando o corpo mais eficiente na queima de gordura. No entanto, após a retirada do estímulo, os adipócitos beges mudam seu perfil de expressão e exibem novamente características de adipócitos brancos. Ou seja, não adianta um banho gelado um dia. Ou uma dieta cetogênica de uma semana de uma vez ao ano pois os efeitos são rapidamente perdidos.
O tecido marrom e o tecido bege secretam adipocinas marrons ou batocinas, que incluem moléculas sinalizadoras, como metabólitos, lipídios, peptídeos ou microRNAs. Essas batocinas (1) atuam na célula que as secreta (papel autócrino), o que pode ter efeitos positivos ou negativos em sua atividade termogênica, (2) atuam nas células adjacentes (papel parácrino), ou (3) são liberadas na circulação para afetar células distantes (papel endócrino).
As prostaglandinas liberadas pelos adipócitos marrons/bege levam à ativação do TA branco e ao seu escurecimento. A adenosina é secretada por adipócitos marrons ativados por meio de respostas simpáticas e, como fator autócrino, promove o processo de lipólise, que é crucial para a ativação termogênica
O fator de crescimento endotelial vascular A (VEGF-A) é altamente expresso em adipócitos marrons durante a exposição ao frio. O VEGF-A promove a função dos macrófagos e induz a vascularização do TAB visando as células endoteliais. Um nível reduzido de VEGF-A leva à perda do potencial termogênico.
O óxido nítrico gerado nos adipócitos marrons previne a proliferação e a indução da diferenciação de pré-adipócitos em adipócitos. As proteínas NGF (Fator de crescimento nervoso) e S100b liberadas pelos adipócitos marrons promovem o crescimento de neuritos após a exposição ao frio e melhoram a regeneração do nervo simpático nos TA marrons e beges.
Uma série de outros fatores são liberados pelos adipócitos marrons/bege em resposta a diferentes estímulos. Ajudam a regular a adiposidade, a tolerância à glicose, a termogênese, o apetite, a inflamação, e a reduzir o risco de aterosclerose, câncer, diabetes, infertilidade.
Alguns dos importantes agentes de escurecimento para induzir o escurecimento no TAB ou proteger contra a obesidade incluem exposição ao frio, agonistas dos receptores β-3 adrenérgicos, ácidos graxos de cadeia curta (butirato, propionato, acetato), fitoquímicos (capsaicina, resveratrol, berberina, óleo de peixe, extrato de chá verde, canela, quercetina, curcumina, ginsenosídeo Rb1), receptores nucleares e ligantes (receptor farnesóide X, receptores X do fígado), microRNAs (microRNA-32, microRNA-455), agentes medicamentosos (tiazolidinedionas, prostaglandina E2, gleevec, β-lapachona, SLIT2-C, artepillina C, adrenomedulina 2), fatores inflamatórios (IL-6, IL-4, IEX-1), fatores hormonais (TH , PTH, PTHrP, GLP-1R, leptina, melatonina, NPs, irisina, FNDC4, secretina materna), fatores genéticos (PTEN, Cox2, Foxc2, foliculina, Gq e via TGF-β/Smad3), batocinas (FGF21, PTGDS , apelina, BMP7, BMP4, NPM3), exercício, agonistas e sinalização de PPAR (rosiglitazona, ABHD6), metabólitos (lactato, BHB, BAIBA, ácido retinóico) e outros fatores (microbiota intestinal).
Dieta cetogênica e termogênese
O tecido adiposo branco e o tecido adiposo marrom passam rapidamente por mudanças adaptativas e dinâmicas em resposta às mudanças de energia e temperatura. As mudanças iniciais nas primeiras 24 horas podem envolver apenas uma expressão alterada de proteínas. No entanto, após 2 a 3 dias, estímulos dietéticos e ambientais podem induzir remodelação tecidual acentuada, o que resulta em alteração da morfologia do tecido adiposo e possivelmente também em propriedades funcionais modificadas (Walton et al., 2020).
O frio e a dieta cetogênica geram alterações nas características do TAM, incluindo maior biogênese e o desacoplamento mitocondrial. Estudos mostram que o aumento de β-hidroxibutirato (βHB), um corpo cetônico que aparece no sangue durante escassez de carboidratos (jejum, dieta low carb), atividade física ou uso de cetonas exógenas, contribui para aumentar a respiração celular e queima de gordura. Os adipócitos tratados com βHB respondem com uma expressão aumentada de genes associados ao desacoplamento mitocondrial (PRDM16, PGC1α, and UCP1).