O Transtorno Depressivo Maior (TDM) é uma doença debilitante que se caracteriza por profundas alterações fisiológicas, biológicas e psicossociais com consequências prejudiciais para os indivíduos afetados. O diagnóstico é baseado na sintomatologia relatada pelos pacientes e avaliada por meio de uma entrevista psiquiátrica. Nesse sentido, a diretriz mais importante da prática clínica é o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5). Para ser diagnosticado como TDM, um indivíduo deve apresentar pelo menos 5 ou mais sintomas considerados neste manual por mais de 2 semanas. Dentre eles, deve-se ter humor deprimido ou anedonia apontados como critérios principais. Os sintomas secundários incluem, entre outros, alterações de apetite ou peso, fadiga ou perda de energia, agitação ou retardo psicomotor, dificuldades de sono (insônia ou hipersonia), sentimento de culpa ou inutilidade excessiva, diminuição da capacidade de concentração e pensamento sobre suicídio.
É relativamente comum (2 a 21% das pessoas terão ao longo da vida) em todo o mundo. Existem fatores genéticos a contribuir mas os principais fatores de risco são o estresse crônico ou prolongado que induzem mudanças progressivas e prejudiciais em múltiplas estruturas cerebrais, como o hipocampo. Esse estresse crônico está relacionado e acompanhado de um estado imunológico anormal, que por sua vez está associado a uma interação alterada com os microrganismos do hospedeiro, levando a uma neuroinflamação sustentada e modificações cerebrais.
Os miRNAs são pequenas moléculas endógenas não codificantes de 19 a 25 nucleotídeos, sendo responsáveis pelo silenciamento gênico em níveis pós-transcricionais. Um único miRNA pode ter como alvo centenas de RNAs mensageiros (mRNAs), interagindo com sua região 3' não traduzida (3' UTR) e reprimindo a tradução de proteínas enquanto acelera a degradação do mRNA.
Assim, os miRNAs podem ser reguladores críticos de muitos dos alvos e fatores implicados na patogênese do TDM, tendo sido relacionados, entre outros, à neuroinflamação, neurogênese alterada, neuroplasticidade, resposta ao estresse ou ritmos circadianos, como comprovado em diferentes modelos animais. A figura abaixo resume os diferentes mecanismos pelos quais os miRNAs podem participar da patogênese do TDM.
O funcionamento aberrante de monoaminas e neurotransmissores é uma característica central da fisiopatologia da a depressão maior. Foram descritos diferentes miRNAs que afetam tanto neurotransmissores monoaminas quanto não monoaminas. Por exemplo, o agrupamento miR-15 e miR-16, localizado no cromossomo humano 13q14.3, demonstrou modular a expressão de transportadores de serotonina (SERTs). Curiosamente, existem certos polimorfismos que podem levar a um funcionamento anormal do miR-15/miR-16. A variante rs28457673 afeta a família miR-15/16/195/424/497 parece induzir uma sinalização aberrante da via do receptor 1 do fator de crescimento semelhante à insulina (IGF-1R) e da MAP quinase (MAPK), que pode estar relacionada com o aparecimento de depressão pós-derrame cerebral.
Existem também diferentes miRNAs envolvidos na desregulação da dopamina, que é frequentemente associada à anedonia (perda de interesse ou prazer), um sintoma central do transtorno depressivo maior. Os miRNAs fazem parte da resposta adaptativa da célula ao estresse e podem desempenhar um papel importante no desenvolvimento do TDM, especialmente após a exposição ao estresse crônico e precoce.
O estresse crônico está relacionado não só com o desenvolvimento de TDM, mas também com alterações substanciais na neuroplasticidade estrutural, funcional, sináptica e celular/molecular. O estresse crônico altera negativamente o processo de neurogênese, que é realizado de forma proeminente no hipocampo.
Fora isso, miRNAs são atores centrais das reações inflamatórias ocorridas no TDM. O miR-155, por exemplo, modula as vias de sinalização mediadas por TLR, IL-1R, TNFR e interferon-alfa (IFNAR), que são moléculas críticas a montante dos inflamassomas, um orquestrador central da imunopatogênese do TDM.
A disbiose intestinal é outra ligação potencial entre inflamação e MTDM. Os metabólitos da microbiota intestinal moldam o sistema imunológico do hospedeiro e podem viajar pelo nervo vago para modular o comportamento e o humor. Alguns resultados em camundongos GF sugerem que o microbioma pode modular a expressão de miRNA na amígdala e no córtex pré-frontal. Além disso, a presença de lipopolissacarídeos (LPS), um marcador crítico de disbiose intestinal na corrente sanguínea, também é responsável pela indução de um fenótipo depressivo através da ativação da enzima indoleamina 2,3-dioxigenase (IDO). Recentemente, foi demonstrado que o miR-874 estava envolvido na resposta homeostática do cérebro ao LPS, que aumenta a expressão de IDO e miR-874-3p no córtex pré-fronta em camundongos.
Entende-se que algumas variantes de miRNAs poderiam ajudar no diagnóstico do TDM. Por exemplo, polimorfismos rs4938723/rs28757623 que afetam os genes miR-34b/c são fatores de risco potenciais para sofrer de TDM. Além disso, os níveis circulantes de miR-144 e miR-146a estão inversamente correlacionados com sintomas depressivos. Outros miRNAs de destaque são miR-1202, miR-135a, miR-101 em combinação com miR-93, miR-185, miR-193a e miR-450 também associados ao fenótipo depressivo.
Outra área de pesquisa é a mudança de estilo de vida para regulação da expressão de miRNA, abrindo diversas janelas terapêuticas que podem ser de grande ajuda no campo do TDM. Alguns grupos de pesquisa tem tentado identificar como nutrientes específicos, como vitamina D interferem na expressão de miRNAs (Ferrero et al., 2020). No entanto, muito mais investigações são necessárias nessa área.