Dieta cetogênica na redução dos sintomas da esquizofrenia

Meu avô paterno era brilhante. Um médico incrível. Mas foi diagnosticado com esquizofrenia. Ouvia coisas, tinha delírios e acabou sendo aposentado precocemente. Desenvolveu depressão. Morreu cedo. Por isso, este é um assunto que mexe comigo. A causa da esquizofrenia e do transtorno esquizoafetivo é desconhecida. Pesquisas recentes sugerem que anormalidades na tolerância à glicose, resistência à insulina, hipofunção do receptor NMDA (gerando excesso de glutamato e excitotoxicidade), disbiose intestinal, disfunção mitocondrial e distúrbios no metabolismo energético estão associados à estas doenças e também ao transtorno bipolar.

Transtorno esquizofreniforme, transtorno esquizoafetivo e esquizofrenia

O transtorno esquizofreniforme é passageiro, dura menos de 6 meses. Se a duração dos sintomas ou da incapacitação exceder 6 meses, o paciente não preencherá mais critérios para transtorno esquizofreniforme e o diagnóstico provavelmente será de esquizofrenia, embora a psicose aguda também possa evoluir para transtorno de humor psicótico, como transtorno bipolar ou transtorno esquizoafetivo.

O transtorno esquizoafetivo é acompanhado de por psicose, outros sintomas da esquizofrenia e sintomas de humor singificativos. É diferenciado da esquizofrenia pela ocorrência de de depressão ou mania ao longo da vida de uma pessoa.

Psicose refere-se a sintomas como delírios, alucinações, pensamento e fala desorganizados, e comportamento motor inapropriado (incluindo catatonia) que indicam perda de contato com a realidade.

Os delírios são alterações do pensamento que não correspondem à realidade, e que não mudam mesmo com argumentação lógica. Alucinações são  percepções sensoriais (geralmente auditivas como vozes, diálogos, zumbidos, chiados, assovios e ruídos) que não tem o correspondente estímulo na realidade.

A principal diferença entre transtorno esquizoafetivo e esquizofrenia é a proeminência do transtorno de humor. Com transtorno esquizoafetivo, o transtorno de humor é frontal e central. Com a esquizofrenia, não é uma parte dominante do transtorno.

Outra diferença são os sintomas psicóticos que as pessoas experimentam. Na esquizofrenia, os sintomas psicóticos são dominantes. Com o transtorno esquizoafetivo, podem ocorrer episódios de psicose, mas o mais comum é depressão ou mania.

Para a esquizofrenia, a maior parte do tratamento gira em torno de medicamentos antipsicóticos, como clorpromazina e haloperidol. O tratamento do transtorno esquizoafetivo também depende de antipsicóticos, mas o mais comum que os médicos prescrevem é a paliperidona. A terapia é fundamental para todos pacientes, que devem aprender a lidar com as questões que acompanham esses distúrbios. No entanto, medicação + psicoterapia são abordagens que sozinhas não tem conseguido ajudar muitos pacientes. A troca de remédios é constante (10 a 20 ao longo da vida). Atualmente, percebe-se com os estudos da psiquiatria nutricional que mudanças dietéticas são fundamentais.

Dieta cetogênica no transtorno esquizoafetivo e esquizofrenia

Na maioria das dietas, a glicose é a fonte de energia primária para o corpo e também para o cérebro. A dieta cetogênica é uma dieta rica em gordura/baixo teor de carboidratos que tem sido usada desde a década de 1920 para tratar a epilepsia refratária na infância.

A redução do consumo de carboidratos resulta em aumento da produção de corpos cetônicos, que passam a ser utilizados como fonte primária de energia no cérebro. O médico de Harvard, Dr. Chris Palmer, descreveu em 2017 e 2019 seus quatro primeiros casos do uso da dieta no alívio dos sintomas de seus pacientes com diagnóstico de transtorno esquizoafetivo (Palmer, Gilbert-Jaramillo, Westman, 2017) e esquizofrenia (Palmer, Gilbert-Jaramillo, Westman, 2019).

O primeiro paciente era um homem solteiro de 33 anos com histórico psiquiátrico prévio de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e depressão maior. Contudo, em 2003, acabou sendo diagnosticado com transtorno esquizoafetivo. Utilizou ao longo da vida medicamentos como metilfenidato, sais de anfetamina, dextroanfetamina, bupropiona, sertralina, paroxetina, buspirona, lamotrigina, lorazepam, clonazepam, gabapentina, haloperidol, perfenazina, aripiprazol, olanzapina, quetiapina e clozapina, mas os sintomas para esquizofrenia persistiam.

Em janeiro de 2016, a pontuação inicial da Escala de Sintomas Positivos e Negativos (PANSS) do paciente era 98 (positivo = 27, negativo = 25, e geral = 46). Ele pesava 146 Kg e queria perder peso seguindo uma dieta cetogênica, geralmente composta de café triglicerídeos de cadeia média (MCT, ovos, carne, peixe, aves, espinafre, couve e azeite. Dentro de 3 semanas, ele havia perdido 6,8 Kg, mas também notou uma redução dramática em suas alucinações auditivas e delírios, e melhora em seu humor, energia e capacidade de concentração.

Manteve a dieta e acabou perdendo com mais um ano outros 47 kg. Experimentou uma redução tanto positiva quanto negativa dos sintomas, com sua pontuação PANSS atual de 49 (positivo = 13, negativo = 8, e geral = 28). Quebrou a dieta cetogênica em pelo menos 5 vezes, e seus sintomas positivos e negativos dramaticamente pioraram em 1 a 2 dias, persistindo até que ele novamente entrasse em cetose, medida por tiras de cetona na urina

Seu funcionamento melhorou significativamente, concluiu um curso de certificação, entrou em uma faculdade online, tem amigos, começou a namorar e mudou-se da casa do pai para um apartamento independente.

O segundo caso é uma mulher solteira de 31 anos com antecedentes psiquiátricos, história de depressão maior e anorexia nervosa. Diagnosticada com transtorno esquizoafetivo em 2009. Usou ao longo da vida sertralina, bupropiona, sais de anfetamina, lorazepam, lamotrigina, divalproato, topiramato, risperidona, aripiprazol, quetiapina, olanzapina e clozapina. Também recebeu 23 tratamentos de terapia eletroconvulsiva em 2014, mas os sintomas positivos e negativos persistiram.

Em março 2016, sua pontuação no PANSS foi 107 (positivo = 24, negativo = 29 e geral = 54). Desejava perder peso e fez dieta cetogênica, consistindo principalmente de café, ovos, aves e alface. Dentro de 4 semanas, ela perdeu 4,5 Kg e notou que seus delírios não estavam mais presentes, que seu humor e energia estavam muito melhores.

Depois de 4 meses, ela perdeu um total de 13,6 Kg e sua pontuação PANSS diminuiu para 70 (positivo = 15, negativo = 18 e geral = 38). Em agosto de 2016, ela abandonou a dieta cetogênica e desenvolveu paranóia severa e delírios persecutórios. Seu aripiprazol foi aumentado para 30 mg ao dia.

Retomou a dieta cetogênica, mas os sintomas persistiram. Fez um jejum de 3 dias, o que induziu a cetose novamente, e seus delírios foram completamente resolvidos no terceiro dia. Embora o aumento de aripiprazol poderia explicar sua melhora, ela havia tentado essa dose anteriormente sem resolução de delírios. Por isto, acredita-se que sua melhoria esteja diretamente relacionado à cetose.

O terceiro caso foi de uma mulher de 82 anos diagnosticada com esquizofrenia desde os dezessete anos. Seus sintomas incluíam paranóia crônica, fala desorganizada e alucinações visuais e auditivas. Via esqueletos e ouvia vozes diariamente. Foi hospitalizada várias vezes ao longo de sua vida, tanto para controle da psicose, quanto por tentativas de suicídio.

Pela vida usou os seguintes antipsicóticos e estabilizadores de humor: lítio, olanzapina, ziprasidona, aripiprazol, lamotrigina, quetiapina, haloperidol, perfenazina e risperidona. Em 2008, pouco antes de iniciar a dieta cetogênica, ela estava sendo medicada com haldoldecanoato, risperidona, atenolol, furosemida, trazodona e sertralina.

Iniciou uma dieta cetogênica para perder peso (estava com 150 kg). Dentro de duas semanas, ela notou uma acentuada redução de seus sintomas psicóticos. Nos próximos meses, ela decidiu parar todos os seus medicamentos. O humor dela melhorou dramaticamente e ela não tinha mais pensamentos suicidas. Sua alucinações e paranóia desapareceram completamente. Ela permanece na dieta cetogênica hoje e perdeu um total de 68 kg. Continua sem medicamentos e permanece livre de sintomas psicóticos. Recuperou sua independência, não necessitando mais de cuidadores e guardião.

O último caso é uma mulher de 39 anos com história de depressão, ansiedade, anorexia nervosa, alucinações e paranóia desde 1993. Inicialmente não revelou os sintomas psicóticos aos tratadores, mas foi hospitalizada e tratado várias vezes para depressão, tentativas de suicídio e anorexia. Em 2003, depois de finalmente revelar as alucinações e paranóia, foi diagnosticada com esquizofrenia.

Tentou o uso dos seguintes medicamentos: haloperidol, clozapina, ziprasidona, risperidona, quetiapina, aripiprazol, olanzapina, sertralina, paroxetina, citalopram, fluoxetina, duloxetina e venlafaxina. Seus sintomas psicóticos e de humor persistiram apesar dessas medicações.

Em 2013 iniciou uma dieta cetogênica para tratar sintomas de desconforto gastrointestinal crônico. Um pouco depois de iniciar a dieta, ela interrompeu abruptamente os 14 medicamentos que estava tomando e ficou gravemente psicótica, foi hospitalizada, mas continuou a dieta cetogênica enquanto esteve no hospital. Começou a tomar haldol decanoato e continuou a dieta cetogênica.

Após um mês relatou a resolução completa de seus sintomas psicóticos pela primeira vez desde 1993, apesar de ter tentado haldol decanoato no passado sem resposta ao tratamento. Ela foi retirada do haldol decanoato no ano seguinte, e permaneceu livre de sintomas psicóticos nos últimos 5 anos sem medicamentos antipsicóticos. Perdeu 32 kg depois de iniciar a dieta, exacerbando sua anorexia, mas recuperou 13 kg e encontra-se atualmente dentro de uma faixa de peso saudável. Desde que seus sintomas regrediram, ela concluiu a pós-graduação e agora trabalha em tempo integral.

Esses casos sugerem que a dieta cetogênica pode ser um tratamento eficaz para a esquizofrenia, capaz de induzir a remissão de sintomas psicóticos de longa data, além de ajudar no desmame dos medicamentos. Apesar de mais pesquisas serem necessárias na área, vale a pena a tentativa da dieta cetogênica, de forma acompanhada, para evitar carências nutricionais. Os remédios devem ser mantidos até que possam ser suspensos pelo psiquiatra. O acompanhamento psicológico também é fundamental.

Que níveis de cetonas no sangue o paciente deve atingir?

Para sucesso no tratamento o paciente deve atingir a cetose.

  • Corpos cetônicos abaixo de 0,6mmol/L: paciente não está em cetose

  • 0,8 a 1,5 mmol/L: meta para tratamento da depressão

  • 1,6 a 2,0 mmol/L: meta para tratamento de transtornos psicóticos

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/