NUTRIÇÃO NA DOENÇA HEPÁTICA NÃO ALCOÓLICA

As doenças hepáticas crônicas (DHC) são um grande desafio de saúde pública, com destaque para a doença hepática alcoólica (DHA), a doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) e as hepatites B e C. Em 2014, estimava-se que cerca de 850 milhões de pessoas no mundo eram afetadas por DHC. Essas doenças, frequentemente silenciosas e subdiagnosticadas, têm causas variadas e podem ocorrer em conjunto.

A importância do fígado

A DHGNA: O Crescimento de uma Epidemia Global

A DHGNA é uma das formas mais comuns de doença hepática e tem aumentado devido a maus hábitos alimentares e estilo de vida sedentário, em paralelo com a epidemia de obesidade. Também é chamada de esteatose hepática. Estima-se que de 25% a 30% da população mundial sofra de DHGNA, frequentemente associada à obesidade, resistência à insulina e síndrome metabólica. Esses fatores de risco, como obesidade, diabetes tipo 2 e dislipidemia, também são comuns em outras doenças hepáticas.

Progressão da DHGNA (Malagó-Jr et al., 2021)

A DHGNA é caracterizada pelo acúmulo de gordura no fígado, principalmente na forma de triglicerídeos, que excedem 5% do peso do órgão. A condição pode evoluir de simples acúmulo de gordura para inflamação hepática (esteato-hepatite), fibrose e até cirrose hepática ou carcinoma hepatocelular (câncer de fígado). Estima-se que cerca de 40% dos casos de carcinoma hepatocelular ocorram mesmo na ausência de cirrose, em pacientes com fibrose.

DHGNA em Pacientes Eutróficos

Embora a doença esteja fortemente associada ao excesso de peso, existem casos raros de pacientes eutróficos (com peso saudável) que também desenvolvem DHGNA. Nesses casos, a doença tende a ser mais branda e com melhores chances de recuperação, mas esses pacientes frequentemente apresentam resistência à insulina, dislipidemia, diabetes tipo 2 e maior risco cardiovascular. A presença de gordura visceral abdominal, mesmo em indivíduos eutróficos, pode estar ligada ao desenvolvimento da doença.

Riscos Cardiovasculares e Progressão da Doença

Embora pacientes com DHGNA tenham um risco de morte associado ao fígado 10 vezes maior do que pessoas sem a doença, a principal causa de morte entre eles é cardiovascular, com o risco aumentado em duas vezes. As hepatites crônicas virais têm sido controladas com antivirais, mas as complicações da DHGNA, como cirrose e carcinoma hepatocelular, estão em ascensão. As complicações graves da DHGNA, embora representem apenas 2,5% dos casos, já são a segunda maior causa de transplante de fígado nos Estados Unidos, e espera-se que, nos próximos 20 anos, a DHGNA se torne a principal causa de morbimortalidade hepática.

A Inflamação como Fator Chave na Progressão da DHGNA

A inflamação hepática, desencadeada pelo acúmulo de triglicerídeos nos hepatócitos, é um dos principais fatores para a progressão da DHGNA para estágios mais graves, como fibrose e cirrose. A inflamação, quando detectada precocemente e tratada adequadamente, pode interromper o processo de fibrose e até reverter a cirrose, como visto em tratamentos com antivirais para hepatite B e C. Portanto, a inflamação deve ser um alvo central no tratamento da DHGNA.

Mecanismos do acúmulo de gordura e favorecimento do quadro inflamatório na DHGNA (Malagó-Jr et al., 2021)

Desafios no Diagnóstico Precoce da DHGNA

A DHGNA é uma doença silenciosa, com sinais e sintomas clínicos que só surgem quando a fibrose já está avançada. O diagnóstico precoce é frequentemente feito de forma incidental, por meio de exames de sangue que indicam alterações nas enzimas hepáticas ou exames de imagem que sugerem esteatose hepática. A confirmação da inflamação no fígado é feita por biópsia. Embora algumas enzimas, como a alanina aminotransferase, possam ajudar a indicar a presença de inflamação hepática, não há um padrão confiável de exames para diagnosticar a doença de forma definitiva.

Métodos como ultrassom, ressonância magnética e elastografia hepática ultrassônica são úteis, embora cada um tenha suas limitações, como a capacidade de detectar apenas estágios mais avançados ou esteatose moderada.

A Progressão da DHGNA: Da Inflamação à Cirrose

A inflamação no fígado é o principal fator para a progressão da DHGNA para a fibrose hepática. A fibrose ocorre devido à morte celular por necrose, causada pelo acúmulo de ácidos graxos e estresse oxidativo. A necrose é um tipo de morte celular patológica que provoca uma reação inflamatória, enquanto a apoptose é a morte celular programada, sem inflamação. Quando a necrose ocorre nos hepatócitos, ela pode levar à fibrose hepática, que, se não tratada, pode evoluir para cirrose e até carcinoma hepatocelular (câncer de fígado).

O Papel do Fígado no Metabolismo de Lipídios

O fígado desempenha um papel central no metabolismo dos lipídios, regulando a absorção, a síntese, a exportação e a oxidação dos lipídeos. A esteatose hepática, caracterizada pelo acúmulo excessivo de lipídeos nos hepatócitos, ocorre quando a ingestão e a síntese de lipídeos são maiores do que sua oxidação e exportação. Este desequilíbrio é regulado por hormônios, receptores celulares e fatores de transcrição, que mantêm o controle rigoroso sobre o metabolismo lipídico do fígado. Quando esses mecanismos falham, como no caso da DHGNA, os lipídeos se acumulam, contribuindo para a doença.

Resistência à Insulina e DHGNA

Em pacientes com resistência à insulina, o fígado recebe um fluxo maior de ácidos graxos, que não são adequadamente processados devido à falha na sinalização da insulina. Isso leva ao acúmulo de lipídeos no fígado, promovendo a inflamação e a progressão da doença. A DHGNA é, portanto, estreitamente associada ao excesso de peso, resistência à insulina e dislipidemia, com a gordura visceral abdominal sendo um fator importante no seu desenvolvimento.

Além do acúmulo de gordura, o estresse oxidativo é um fator crucial para a evolução da DHGNA. A oxidação excessiva de lipídeos no fígado gera radicais livres que prejudicam as células, agravando a inflamação e a progressão da doença. Isso compromete a capacidade do fígado de exportar lipídeos, resultando em um ciclo vicioso de acúmulo e lesão.

Ainda não existe um tratamento medicamentoso específico para a DHGNA, e as opções terapêuticas disponíveis têm efeitos adversos. Por isso, as modificações no estilo de vida, como mudanças na alimentação e aumento da atividade física, são atualmente as melhores alternativas, embora difíceis de serem mantidas a longo prazo. A busca por tratamentos farmacológicos mais eficazes segue sendo um desafio, dado a complexidade dos mecanismos envolvidos na doença.

A Doença Hepática Gordurosa Não Alcoólica (DHGNA) é principalmente causada por hábitos como dieta rica em calorias, consumo excessivo de gorduras e sedentarismo. Contudo, é essencial investigar também causas menos frequentes, como o uso de medicamentos hepatotóxicos ou exposição a substâncias como aflatoxinas.

A colaboração de uma equipe multiprofissional, incluindo nutricionistas, psicólogos e educadores físicos, pode ser essencial para o sucesso do tratamento.

A redução da massa de gordura é crucial para o controle da DHGNA, mas deve ser feita de forma equilibrada, evitando dietas extremamente restritivas que podem agravar a condição. A perda de peso de 7-10% já pode resultar em melhorias significativas no quadro clínico. Além disso, o consumo excessivo de gorduras saturadas e trans, bem como carboidratos de alto índice glicêmico e frutose, deve ser evitado para prevenir o acúmulo de gordura no fígado.

Dietas ricas em ácidos graxos insaturados e compostos bioativos como ômega-3, vitaminas e antioxidantes, também podem ajudar a reduzir a inflamação e a gordura no fígado. Por fim, é essencial evitar o consumo de bebidas alcoólicas, que podem agravar o quadro da DHGNA, especialmente em casos mais avançados da doença.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/