Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 1,9 trilhão de adultos no mundo estão acima do peso e 650 milhões são obesos. Cerca de 2,8 milhões de pessoas morrem a cada ano por causa dessa pandemia e o problema também aumentou dramaticamente em crianças e adolescentes.
A OMS definiu a obesidade como um acúmulo excessivo de massa gorda corporal que pode afetar a saúde e é diagnosticada em adultos com índice de massa corporal (IMC) ≥ 30 kg/m2. A patogênese da obesidade é muito complexa. Engloba um desequilíbrio entre a ingestão e o gasto energético que leva ao acúmulo passivo de excesso de peso, alterações hormonais, características psicológicas, sociais e culturais, além de alterações genéticas e epigenéticas (Radha, & Mohan, 2023).
A obesidade aumenta o risco de diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares, hipertensão, osteoartrite, apneia do sono, certos tipos de câncer e morte prematura. Classicamente, consideramos a obesidade em duas grandes categorias:
(1) obesidade monogênica: é herdada em um padrão mendeliano (transmissão hereditária), é tipicamente rara, de início precoce e grave e envolve deleções cromossômicas pequenas ou grandes ou deleções cromossômicas únicas;
(2) obesidade poligênica (também conhecida como obesidade comum), que é o resultado de centenas de polimorfismos (variações genéticas), cada um com um pequeno efeito. A obesidade poligênica segue um padrão de herdabilidade semelhante a outras características e doenças complexas.
Formas monogênicas de obesidade
As formas monogênicas de obesidade resultam de uma alteração em um único gene e seguem o padrão mendeliano de herança, afetando cerca de 5% da população. Duas dessas formas existem – a não sindrômica (como mutação de genes da leptina, LEPR, MC4R) e a sindrômica (como as síndromes de Prader-Willi e Alstrom).
A leptina (LEP) é um hormônio cujo gene está no cromossomo 7. Participa na regulação da fome, do metabolismo e do controle do gasto energético. É produzido pelo tecido adiposo e influencia a saciedade. Receptor de leptina (LEPR) registra o aumento dos níveis de leptina. Mutações de LEP e LEPR estão envolvidas com hiperfagia e obesidade precoce.
POMC (pró-opiomelatonocortina) é um neuropetídio com muitas funções, inclusive regulação do peso corporal. Muito expresso na pituitária e no hipotálamo. São vários os produtos da expressão do POMC, como endorfinas (como as betaendorfinas), corticotropinas (como adrenocorticotropina e melanotropinas).
Existem 4 receptores para melanocortinas e endorfinas/opioides. O receptor de melanocortina-4 (MC4R), por exemplo, é altamente expresso no cérebro, sendo abundante em regiões do hipotálamo associadas com o controle da fome e a regulação da homeostase energética.
Uma mutação no gene MC4R que leva ao não funcionamento do receptor também foi associado com diabetes grave de início precoce. A alteração na atividade do gene MC4R representa entre 1 e 6% da causa de ganho de peso em pacientes com obesidade mórbida.
PCSK1, que codifica o pró-hormônio convertase 1/3 (PC1/3), foi um dos primeiros genes ligados à obesidade monogênica de início precoce. PC1/3 é uma protease envolvida no processamento biossintético de uma variedade de neuropeptídeos e pró-hormônios em tecidos endócrinos. A atividade PC1/3 é essencial para a clivagem ativadora de muitos precursores hormonais peptídicos implicados na regulação da ingestão alimentar, na homeostase da glicose e na homeostase energética, por exemplo, proopiomelanocortina, pró-insulina, proglucagon e progrelina. Um grande número de estudos de ampla associação genômica em uma variedade de populações diferentes estabeleceu uma ligação entre três polimorfismos de PCSK1 e o aumento do risco de obesidade.
Muitos bebês com deficiência de PCSK1 apresentam má absorção intestinal grave durante os primeiros anos de vida, necessitando de nutrição controlada. Frequentemente essas crianças tornam-se hiperfágicas, com obesidade associada (Ramos-Molina, Martin, & Lindberg, 2016).
Existem outros fatores envolvidos no equilíbrio energético, como o fator neutrófico derivado do cérebro (BNDF). Este gene está envolvido na inflamação, no metabolismo, no crescimento neuronal, nas doenças cardiovasculares. A redução de BDNF no hipotálamo parece afetar o consumo energético, a fome e o ganho de peso (Sandrini et al., 2018).
Formas sindrômicas de obesidade
Vários outros genes estão associados à obesidade monogênica, como ocorre na síndrome de Prader-Willi. Neste caso, há uma deleção de porções do cromossomo 15, o que leva à redução do quociente de inteligência, hipotonia muscular, hiperfagia e obesidade central.
As formas síndrômicas da obesidade são mais raras e menos afetadas pelo ambiente. Ocorrem em um conjunto de fenótipos clínicos associados, como deficiência intelectual ou anormalidades de desenvolvimento específicas de órgãos. Mais de 30 desses distúrbios mendelianos da obesidade são registrados, apresentando extrema heterogeneidade genética, incluindo tumor de Wilms, síndrome de Prader-Willi, síndrome de Bardet-Biedl e síndromes de Alstrom e Cohen.
Formas poligênicas de obesidade
Um grupo de alelos responsáveis por uma característica é denominado variantes “poligênicas”. Muitas dessas variantes poligênicas desempenham um papel na obesidade. Cada alelo neste caso tem pequenos efeitos, e os efeitos alélicos podem ser aditivos ou não aditivos. A tabela a seguir mostra uma série de genes cujas alterações de formas combinadas aumentam o risco de obesidade.
Apesar dos desenvolvimentos significativos nos últimos 10 anos na base genética da obesidade humana, ainda há muito a ser feito na dissecação de toda a herdabilidade deste distúrbio. Afinal, nem todas as pessoas com variações genéticas apresentam obesidade. As formas poligênicas da obesidade são muito mais comuns do que as formas monogênicas e são muito mais influenciadas pelo ambiente.
Embora muitas vezes consideradas duas formas distintas, os estudos de descoberta de genes da obesidade monogênica e poligênica convergiram para o que parece ser uma biologia subjacente amplamente semelhante. Especificamente, o sistema nervoso central (SNC) e as vias neuronais que controlam os aspectos hedônicos da ingestão alimentar emergiram como os principais impulsionadores do peso corporal tanto para a obesidade monogênica quanto para a obesidade poligênica.
Além disso, as primeiras evidências mostram que a expressão de mutações que causam obesidade monogénica pode - pelo menos em parte - ser influenciada pela susceptibilidade poligénica do indivíduo à obesidade (Loos, & Yeo, 2021).
Existem certas limitações nas abordagens genéticas para desvendar a complexidade da obesidade. É reconhecido que existem várias razões pelas quais um determinado gene pode não apresentar o mesmo fenótipo de doença (Radha, & Mohan, 2023). Fora isso, muitos fatores ambientais contribuem para a expressão ou silenciamento destes genes.