Microbiota também sofre com o jet lag

A vida na Terra é ditada por flutuações circadianas de luz causadas pela rotação do planeta em torno de seu próprio eixo. Os mamíferos respondem a estas flutuações circadianas. Possuem vários reguladores transcricionais centrais, incluindo os genes CLOCK e BMAL1, que são mais ativos durante a fase clara, bem como criptocromos (CRYs) e proteínas de período (PERs), que são mais expressos durante a noite.

Na periferia, o relógio circadiano controla muitos processos biológicos, desde o metabolismo e comportamento até a imunidade. Em humanos, a interrupção do relógio circadiano é uma marca comum da alteração moderna no estilo de vida e é especialmente evidente em indivíduos envolvidos em trabalho por turnos crônicos ou frequentemente voando através de fusos horários e experimentando o fenômeno do jet lag.

O termo vem de duas palavras e inglês (jet = jato; lag = atraso). Também conhecido como síndrome da mudança de fuso horário, é um reflexo fisiológico que provoca alterações dos padrões de sono. Geralmente, acontece quando se viaja para destinos cuja diferença horária seja superior a duas horas. Quanto mais distante for o destino, maiores e mais intensos serão os efeitos e sintomas.

Quando o ritmo do planeta muda, o nosso corpo sofre consequências a nível dos processos bioquímicos, fisiológicos e comportamentais. Ainda que os sintomas do jet lag possam variar de pessoa para pessoa, derivam das perturbações dos padrões de sono e consequente desregulação hormonal. As queixas mais comuns são:

- sensação de cansaço e fadiga
- alteração dos padrões de sono (insônia ou sono pouco repousante e intermitente)
- diminuição da concentração
- dores abdominais
- náuseas ou vómitos
- dores de cabeça
- perda de apetite
- distúrbios gastrointestinais (obstipação ou diarreia).

As flutuações constantes no ciclo circadiano (por exemplo, trocar o dia pela noite, viajar para outros continentes várias vezes ao ano, trabalhar por turnos) aumenta o risco de doenças, incluindo obesidade, diabetes, câncer, problemas cardiovasculares e maior suscetibilidade a infecções.

O interessante é que viagens prolongadas também modificam o relógio circadiano bacteriano. Nossa microbiota intestinal desempenha um papel fundamental na regulação de muitos processos fisiológicos, incluindo digestão de componentes alimentares, metabolização de substância, maturação e função do sistema imunológico e até mesmo influência no nosso comportamento e função cognitiva. As alterações circadianas geradas pelo jet lag podem resultar em um intestino cheio de tipos errados de bactérias – incluindo espécies que promovem a obesidade (Thaiss et al., 2014).

Perda do ritmo circadiano aumenta o risco de obesidade em camundongos e seres humanos (Thaiss et al., 2014).

Um estudo de 2014 mostrou que a matéria fecal de roedores e humanos muda para pior após viagens internacionais. Os camundongos com jet lag (o equivalente a uma viagen dos EUA para Israel) começaram a ganhar mais peso do que os camundongos que não passaram por isso, mesmo seguindo a mesma dieta.

Os seres humanos são afetados da mesma forma e análises mostram maior concentração intestinal de bactérias associadas à obesidade, após voos prolongados. Com a dieta adequada e rica em fibras e fitoquímicos, o microbioma volta a uma linha de base saudável depois de algumas semanas. Contudo, se a dieta é de qualidade ruim, as alterações perpetuam-se e o risco de desenvolvimento de síndrome metabólica aumenta.

A ritmicidade da microbiota é um processo flexível que pode ser perdido ou recuperado em resposta a mudanças nos comportamentos alimentares. O desalinhamento circadiano crônico em camundongos e o jet lag em humanos induzido por viagens para países em diferentes fusos horários resultam em disbiose e consequências metabólicas transmissíveis, incluindo obesidade e intolerância à glicose.

Recuperação da microbiota

Muitos dos benefícios gerados pela comunidade de bactérias boas localizadas no intestino grosso devem-se à produção de pós-bióticos. Define-se pós-bióticos como “produtos bacterianos não viáveis ou produtos metabólicos de microrganismos que possuem atividade biológica no hospedeiro. Destacam-se o butirato, acetato e proprionato, ácidos graxos de cadeia curta produzidos por certas bactérias a partir da fermentação das fibras dos alimentos. O butirato, por exemplo, é a principal fonte de energia para as células intestinais (colonócitos), tendo ainda ação antiinflamatória e anticancerígena.

Para que as bactérias probióticas possam produzir ácidos graxos de cadeia curta precisarão de comida de boa qualidade. A dieta deve possuir grande quantidade de vegetais, como cenoura, couve-flor, brócolis, mação, alcachofra, aspargos, morangos, cacau, chicória, linhaça, aveia, batata yacon, repolho, cebola, alho e alho-poró, farinha de banana verde, arroz integral e leguminosas. Se a microbiota está muito ruim podem ser suplementados probióticos e produtos que favorecem o equilíbrio intestinal.

Nutrientes importantes para a melhoria da barreira intestinal

Para a melhoria da microbiota, sua função como barreira intestinal e estímulo de nossas defesas internas, alguns nutrientes são recomendados:

  • Vitamina C: melhora a taxa de recuperação epitelial e inibe a resposta histamínica. Frutas cítricas (limão, lima, laranja, acerola, morango, caju, kiwi, tangerina, abacaxi) e vegetais (pimentão, brócolis, repolho roxo, couve-flor) são boas fontes de vitamina C.

  • Beta-Glucana: reconhecida por ser um estimulador de interleucina 22 que, promove a síntese de beta-defensina, responsável por reduzir a síndrome fúngica. Cogumelos são fontes de beta-glucana.

  • Fibra Acácia: utilizada pelos microorganismos benéficos para produção de ácidos graxos de cadeia curta, como o butirato, que será utilizado como fonte de energia para os colonócitos que revestem o intestino grosso. Esta fibra é extraída do tronco da Árvore de acácia proveniente da África.

  • Nucleotídeos: fornecem componentes para o reparo do DNA danificado e para produção de novas células, incluindo macrófagos e células dendríticas, através da construção de novos blocos de DNA. Nucleotídeos são encontrados em alimentos de origem animal como camarões, frango, carne de gado, porco, peixe, carneiro, fígado, cogumelos.

  • L-Glicina, N-Acetil-cisteína, L-Glutamina: esse trio de aminoácidos desempenha múltiplas funções no sistema imunológico, como nutrição dos enterócitos, recuperação do epitélio intestinal, potencialização da produção da glutationa e ativação da via de desintoxicação hepática.

    • Fontes de glicina: carne de gado, sementes, peru, frango, porco, amendoim, salmão, quinoa

    • Fontes de NAC: produzido em nosso fígado e encontrado em carne de gado, peixes, marisco, frango ou peru

    • Fontes de glutamina: produzida em nosso corpo e encontrada em alimentos como frango, peixe, repolho, espinafre, laticínios, tofu, lentilhas, feijões.

  • Vitamina D3: estimula as células de Paneth responsáveis pela síntese de peptídeos antimicrobianos (AMP). Produzida em nosso corpo com banhos de sol.

  • Zinco: mineral essencial para atividades celulares básicas, como crescimento, diferenciação e sobrevivência celular. Ostras, carne de gado, carneiro e sementes de abóbora são algumas fontes de zinco.

Em situações normais conseguimos quase todos os nutrientes que precisamos a partir da dieta e de um estilo de vida saudável. Contudo, em situações de deficiência imunitária e jet lag podem ser necessários suplementos contendo os nutrientes acima. Um suplemento que contém todos estes compostos é o Guardian, da central Nutrition. É o que eu tomo e indico a meus pacientes após viagens internacionais para proteger meu intestino e evitar diarreia ou constipação.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/