Alimentos ultraprocessados alteram a microbiota intestinal e modificam comportamento

Alimentos ultraprocessados foram modificados para serem duráveis, hiperpalatáveis (super gostosos), acessíveis em qualquer lugar e prontos para consumo. São super convenientes, fáceis, muitas vezes mais baratos do que alimentos saudáveis. Contudo, não só são pobres em nutrientes, feitos com matérias primas baratas (como açúcar e óleo de soja), mas geram hiperglicemia, lipotoxicidade, disbiose intestinal e inflamação crônica de baixo grau.

A inflamação é uma resposta de imunovigilância essencial para a defesa do nosso organismo. Serve para reparar tecidos danificados e eliminar agentes tóxicos. No entanto, quando essa resposta se torna crônica, resulta na presença de células do sistema imunológico por um período de tempo crescente. Esse estado de inflamação de baixo grau pode levar a condições dismetabólicas que perturbam a homeostase, favorecendo o desenvolvimento de uma ampla gama de doenças não transmissíveis, como câncer, diabetes e doenças cardiovasculares.

O que é inflamação de baixo grau?

A resposta inflamatória é um mecanismo de defesa do sistema imune inato. Protege o hospedeiro de estímulos nocivos como vírus, bactérias, toxinas e infecções, eliminando patógenos e promovendo o reparo de tecidos danificados. No início da inflamação, as células imunes inatas percebem a invasão do patógeno ou dano celular e iniciam a cascata inflamatória liberando ativamente mediadores pró-inflamatórios solúveis. Esses sinais também ativam os leucócitos e as alterações microvasculares, como aumento da vasodilatação e permeabilidade vascular, permitindo que os leucócitos cheguem aos tecidos afetados a partir do sangue. Tal atividade inflamatória deve se resolver assim que a ameaça for superada, tornando-se temporariamente restrita e autolimitada para manter o equilíbrio do corpo (homeostase).

No entanto, a falha na resolução imune ou a exposição contínua a fatores ambientais e biológicos que promovem a ativação da resposta inflamatória podem levar a um processo inflamatório crônico. Isso resulta na presença de células imunes como linfócitos, macrófagos e células plasmáticas no tecido por longos períodos de tempo, bem como de citocinas pró-inflamatórias, quimiocinas e outras moléculas pró-inflamatórias. Embora essa condição reconhecida como inflamação de baixo grau tenha manifestações clínicas mínimas ou inexistentes, a resposta inflamatória prolongada pode trazer consequências para a saúde dos tecidos, que podem evoluir para fibrose tecidual e possível perda de função.

A inflamação e baixo grau é causada principalmente pelo excesso metabólico e de nutrientes e desencadeia a infiltração de células imunes e a secreção de citocinas inflamatórias no ambiente tecidual, o que pode inibir a captação de glicose ou alterar o metabolismo lipídico. Como resultado, a inflamação metabólica crônica está particularmente associada a um risco aumentado de doenças não transmissíveis, como câncer, diabetes e doenças cardiovasculares. Um exemplo é a resistência à insulina causada pela exposição crônica a biomarcadores inflamatórios, que muitas vezes levam ao diabetes.

Dieta como fator de risco para inflamação de baixo grau

No geral, padrões dietéticos à base de vegetais (vegetais, frutas e grãos integrais), consumo moderado de peixes e frutos do mar e baixo consumo de carne vermelha associam-se a um maior potencial anti-inflamatório e proteção contra doenças. A dieta mediterrânea, a dieta nórdica e outras dietas a base de plantas bem feitas são exemplos deste padrão alimentar. Pesquisas mostram que pessoas que as adotam possuem níveis mais baixos de biomarcadores inflamatórios, particularmente proteína C reativa (PCR) e interleucina-6 (IL-6).

Em contraste, dietas ocidentalizadas incluem mais alimentos ultraprocessados, lipídios oxidados, ácidos graxos saturados e óleos de qualidade inferior, além de gordura trans, doces, cereais refinados, carnes vermelhas e processadas, salgadinhos e bebidas açucaradas, sal, aditivos como adoçantes, emulsificantes, aromatizantes, fora os plásticos de embalagens como bisfenol e ftalatos (conhecidos desreguladores hormonais). Este padrão é o associado a um maior potencial pró-inflamatório e a níveis mais elevados de PCR e IL-6. Infelizmente, quem consome muito alimento processado acaba consumindo menos frutas e verduras, fontes de fibras e micronutrientes anti-inflamatórios, como magnésio, vitamina C, vitamina D, zinco e niacina.

Alimentos ultraprocessados também passam por aquecimento excessivo, o que gera acrilamida e acroleína, componentes tóxicos associados a aumento da inflamação. Podemos formar também estes compostos fora da indústria, com técnicas inadequadas de preparo. De forma geral, qualquer alimento queimado, como vegetais, carnes, café, entre outros, podem apresentar acrilamida, aldeídos e acroleína. O consumo habitual destes alimentos queimados, fritos ou grelhados a altas temperaturas (como batata, nuggets, carnes defumadas, pastel, churrasco), segundo estudos, apresentam relação com malefícios a saúde, como a disfunção mitocondrial e o aumento do risco de câncer.

Dieta e microbiota intestinal

A microbiota intestinal humana é uma rede dinâmica e complexa composta por trilhões de microrganismos, incluindo bactérias, fungos, archaea, vírus e protozoários. Quando em equilíbrio, a microbiota intestinal desempenha um papel fundamental na saúde do hospedeiro melhorando a imunidade e conferindo proteção contra patógenos. No entanto, quando a microbiota intestinal é alterada em comparação com a comunidade encontrada em indivíduos saudáveis, ocorre disbiose intestinal. Esta disbiose está associada a um alto grau de inflamação, causada por uma menor presença de bactérias produtoras de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) e aumento da permeabilidade do intestino.

Uma dieta rica em fibras pode diminuir a resposta inflamatória sistêmica, melhorando a função da barreira intestinal e modulando a microbiota intestinal. Isso ocorre porque a fibra alimentar é essencial para a formação de AGCC. O intestino é uma barreira eficiente que filtra o que passa e o que não passa para o fígado e para a corrente sanguínea.

Dietas ricas em gordura, diabetes, estresse, uso de medicamentos, esteatose hepática, falta de sono de qualidade (com excesso de cortisol), falta de fibras na alimentação, deficiência de ômega-3, consumo excessivo de álcool e obesidade aumentam a permeabilidade intestinal. Com isso, o intestino passa a absorver maior quantidade de toxinas vindas da dieta e também de toxinas de bactérias (lipopolissacarídeos bacterianos ou LPS). As dietas ocidentais com alto teor de gordura foram associadas ao aumento da permeabilidade intestinal justamente devido a uma maior presença de lipopolissacarídeos bacterianos (LPS).

Vários estudos também destacaram os aditivos como possíveis fatores que afetam a microbiota. Polifenóis presentes em vegetais melhoram a barreira intestinal e melhoram a saúde de várias outras maneiras.

Estudos recentes especulam a relação do consumo de emulsificantes dietéticos sobre efeitos na microbiota e saúde intestinal. Apesar desses elementos serem aprovados para uso alimentício, afetam o trânsito intestinal, a expressão de genes e a composição da microbiota (redução da riqueza e diversidade), aumentando o desconforto abdominal, por vezes acompanhado de dor após as refeições.

Microbiota e comportamento

As bactérias intestinais produzem muitas substâncias químicas que afetam o corpo e podem influenciar nossa vulnerabilidade a doenças cardíacas, diabetes, obesidade, depressão, ansiedade e várias doenças neurológicas. Se a microbiota está adequada a barreira está integra, mas se há disbiose e perda da integridade, a passagem de toxinas para o sangue, gera estresse orgânico e afeta a barreira hematoencefálica, lesando neurônios e aumentando o risco de doenças neurodegenerativas.

O consumo de alimentos altamente processados teve um aumento crescente a partir do século 20. O uso de um ou mais emulsificantes e/ou espessantes é muito comum para prolongar a vida útil e melhorar consistência nesses alimentos. Alguns tipos são componentes naturais de alimentos não processados, como a lectina, já outros, são sintéticos, um exemplo disso é a carboximetilcelulose (CMC).

A alteração negativa do microbioma diminui a motivação para a prática de exercício, aumenta a compulsão alimentar, pode gerar problemas de socialização. Pesquisadores da área consideram concebível que os micróbios dentro de nós possam influenciar inclusive inteligência, atitudes, empatia, por quem nos sentimos atraídos - em suma, quem somos. Assim, a dieta que você escolhe pode te ajudar ou não em sua vida como um todo. Aprenda aqui a tratar a disbiose intestinal.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/