Genética não é destino: o livro não dita o final da história!

Cada um de nós nasce com um "livro de receitas" único – nosso DNA. Ele contém todas as instruções para construir e manter nosso corpo. O núcleo de cada célula contém quase 2 metros de DNA, compactado, organizado e estruturado de forma que cada célula sabe exatamente o que ler desta informação, o que, como e quando fazer a cópia da informação e a produção de proteínas.

Dentro de uma célula, nem todas as receitas são preparadas ao mesmo tempo, nem em todos os lugares. Algumas ficam guardadas, outras são usadas o tempo todo, e outras ainda podem ser ativadas ou silenciadas conforme o ambiente e o estilo de vida.

Os Temperos da Epigenética

A epigenética é como os temperos e anotações que o chef (nosso corpo) coloca no livro:

  1. Metilação do DNA: Imagine um post-it colado em cima de uma receita dizendo: “Não cozinhe esta!”
    A metilação é a adição de grupos químicos (CH3 ou metil) que silenciam genes, impedindo que sejam lidos.

  2. Modificações nas Histonas: O DNA é enrolado em "carretéis" chamados histonas. Se estiver bem apertado, ninguém consegue ler aquela parte do livro. Se estiver soltinho, a receita está acessível!
    Certas marcas químicas mudam o grau de enrolamento – ativando ou bloqueando genes.

  3. RNA não codificante: Mensageiros especiais que dizem: “Essa receita está errada – jogue fora!”
    Alguns RNAs impedem que certos genes sejam traduzidos em proteínas.

Você é o Cozinheiro: Ambiente e Escolhas Importam

Alimentação, exercícios, sono, estresse, exposição a toxinas, afeto na infância... Tudo isso marca o livro com post-its, rabiscos ou destaques coloridos. São as marcas epigenéticas!

Exemplos reais:

  • Gêmeos idênticos (mesmas instruções do livro) podem acabar com diferentes receitas ativadas, dependendo da vida que levam.

  • Filhos de mães que passaram fome durante a gestação podem ter genes de metabolismo alterados.

Moral da história: DNA não é destino!

Você não pode mudar o texto original do seu livro (o DNA), mas pode influenciar como ele é lido e usado. Isso significa que nossas escolhas contam – e contam muito!

É como se o DNA fosse o roteiro de um filme. Já a epigenética é o diretor, que escolhe quais cenas entram, quais são cortadas, e como a história será contada. E você é o protagonista, o ator principal, influenciado pela história, mas também com poder de mudar o final.

Alimentação e epigenética

Certos nutrientes ou compostos bioativos modificam quimicamente o DNA (ou as proteínas ao redor dele), regulando a expressão gênica. Veja exemplos:

  • Gestantes com dieta pobre em folato têm maior risco de alterações epigenéticas no feto.

  • Dieta mediterrânea tem sido associada a perfis epigenéticos protetores contra doenças crônicas.

  • Estudos mostram que dietas ricas em ultraprocessados podem desregular a epigenética ligada à inflamação, obesidade e até depressão.

Brasileiros estão consumindo muitos ultraprocessados!

A pesquisa “Estimativa da participação calórica de alimentos ultraprocessados nos municípios brasileiros”, publicada em 2025 estimou a participação calórica de alimentos ultraprocessados nos municípios brasileiros – ou seja, quanto do total de calorias que os indivíduos ingerem provém desse tipo de alimento. A variação foi de 5,7% ( em Aroeiras do Itaim, Piauí) a 30,5% (em Florianópolis, Santa Catarina).

Enquanto Maranhão, Piauí e Tocantins, estados com maior proporção de população rural, apresentaram as estimativas mais baixas de consumo de ultraprocessados, São Paulo, com grande concentração urbana, apresentou estimativas municipais acima de 18%. Além disso, todas as 26 capitais e o Distrito Federal apresentaram estimativas mais elevadas em comparação com os demais municípios de seus respectivos estados (Cacau et al., 2025).

Municípios com renda per capita abaixo de 5 salários mínimos apresentam estimativas muito inferiores de consumo do que aqueles onde mais de 15% da população possui uma renda per capita igual ou superior a 5 salários mínimos. Os municípios mais ricos têm estimativas de participação calórica de alimentos ultraprocessados acima de 20% (com exceção de Vitória - ES).

O estudo também aponta que o consumo de ultraprocessados têm aumentado no país, especialmente nas regiões norte e nordeste e que possivelmente os municípios que apresentaram as menores estimativas tenham um desempenho diferente quando os dados da POF e do Censo brasileiro forem atualizados.

O consumo de alimentos ultraprocessados está associado a diversos riscos à saúde, tanto no curto quanto no longo prazo. Esses alimentos são formulações industriais feitas majoritariamente de substâncias extraídas de alimentos (como óleos, gorduras, açúcares, amidos e proteínas), derivados de constituintes alimentares ou sintetizados em laboratório (como corantes, aromatizantes e realçadores de sabor).

Principais riscos à saúde do consumo excessivo de ultraprocessados:

- Obesidade
- Doenças cardiovasculares
- diabetes tipo 2
- câncer colorectal
- Problemas digestivos
- Depressão

Mas por que tudo isso acontece?

Esses efeitos têm três principais mecanismos interligados:

1. Modificações epigenéticas

Alimentos ultraprocessados afetam diretamente a expressão gênica sem alterar a sequência do DNA.

  • Excesso de açúcar e gordura → altera os padrões de metilação do DNA, ativando genes inflamatórios.

  • Deficiência de nutrientes reguladores (como colina, folato, zinco) → prejudica o funcionamento das “chaves” epigenéticas.

  • Compostos artificiais (corantes, conservantes, adoçantes) → associados a disfunções epigenéticas e até à regulação de genes de humor.

Resultado: genes relacionados à saciedade, metabolismo de gordura e resposta ao estresse podem ser desregulados.

2. Desequilíbrio metabólico e inflamação crônica

  • Ultraprocessados causam picos de glicose e insulina, gerando resistência insulínica e estresse oxidativo.

  • Esse ambiente metabólico ativa genes pró-inflamatórios e silencia genes protetores via epigenética.

Exemplo: células imunes começam a se comportar como se o corpo estivesse constantemente inflamado.

3. Desregulação hormonal e do eixo intestino-cérebro

  • Adoçantes artificiais e aditivos afetam o microbioma intestinal, que por sua vez influencia a metilação do DNA.

  • Alterações no intestino estão ligadas a problemas como ansiedade, depressão e alterações cognitivas.

Estudos mostram que alterações epigenéticas em regiões do DNA ligadas à produção de serotonina e dopamina (neurotransmissores do bem-estar) podem ocorrer por influência da dieta. Como diz o título do texto: genética não é destino. Temos escolhas. Uma delas é: desembalar menos e cozinhar mais!

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Eliminação do excesso de estrogênios

A destoxificação de estrogênios (ou metabolismo dos estrogênios) é o processo pelo qual o corpo transforma e elimina os estrogênios usados (como o estradiol e a estrona), principalmente através do fígado e intestinos. Esse processo é fundamental para manter o equilíbrio hormonal e evitar o acúmulo de metabólitos potencialmente prejudiciais que podem estar relacionados a condições como síndrome estrogênica, endometriose, SOP, miomas, e até câncer de mama.

Etapas da destoxificação de estrogênios

A eliminação do excesso de estrogênios acontece principalmente no fígado, em 3 fases:

Fase 1 (Hidroxilação - via citocromo P450):

  • Transforma o estrogênio em três principais formas:

    • 2-OH-estrona → "bom" estrogênio (protetor)

    • 4-OH-estrona → potencialmente cancerígeno

    • 16α-OH-estrona → associado ao crescimento celular (não tão favorável)

Objetivo: Favorecer a via 2-OH. Crucíferas (brócolis, couve, repolho) – contêm indol-3-carbinol (I3C) e DIM, que favorecem a via 2-OH. Chá verde – contém catequinas que ajudam na fase 1.

Fase 2 (Conjugação - metilação, sulfatação, glucuronidação):

  • Torna esses metabólitos solúveis para excreção.

  • A metilação, por exemplo, "neutraliza" o 2-OH. Vitaminas do complexo B são essenciais.

  • Alho, cebola, brócolis – ricos em enxofre, auxiliam a fase 2.

Fase 3 (Excreção via bile/intestino e urina):

  • Os metabólitos são eliminados do corpo.

  • Um intestino saudável impede a reabsorção de estrogênios.

  • Fibra alimentar – ajuda na eliminação via intestinos.

  • Água suficiente – para eliminação renal.

Como apoiar naturalmente a destoxificação dos estrogênios

Suplementos (com acompanhamento):

  • DIM (diindolilmetano)

  • Calcium D-glucarate – ajuda a prevenir reabsorção de estrogênio.

  • Vitamina B6, B12, ácido fólico (metilados) – suportam a metilação.

  • Magnésio – cofator para várias enzimas de detox.

  • Probióticos – para manter a saúde intestinal e evitar a reabsorção.

Evitar "xenoestrogênios":

  • Plásticos (BPA), cosméticos com parabenos, agrotóxicos.

  • Preferir produtos naturais/orgânicos sempre que possível.

  • Lembre que nem toda marca de suplemento é boa, contendo corantes, conservantes, estabilizantes e outros aditivos ruins para sua saúde.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Cetose Nutricional e Epigenética: Uma Nova Fronteira na Obesidade e Câncer

Você sabia que o que comemos pode alterar a forma como nossos genes se expressam? A ciência chama isso de epigenética, e ela tem se tornado cada vez mais relevante na prevenção e no tratamento de doenças como a obesidade e o câncer. Um exemplo impressionante disso vem da cetose nutricional — um estado metabólico induzido por dietas muito pobres em carboidratos e ricas em gorduras.

O que é cetose nutricional?

A cetose ocorre quando o corpo, com pouco carboidrato disponível, passa a queimar gordura como principal fonte de energia, produzindo substâncias chamadas corpos cetônicos. Esse estado pode ser alcançado por meio da dieta cetogênica.

Epigenética: a chave invisível dos genes

Enquanto nossos genes são como o “hardware” do corpo, a epigenética é o “software” que diz quais genes devem ser ativados ou silenciados. Um dos mecanismos mais estudados é a metilação do DNA, que pode "desligar" genes perigosos — como os que promovem o câncer — ou ativar genes protetores.

O que dizem os estudos?

Pesquisas recentes mostram que a cetose nutricional altera a metilação de genes relacionados ao câncer, tanto em mulheres com obesidade quanto em células de câncer de mama cultivadas em laboratório. Isso significa que, ao modificar o ambiente metabólico com a dieta, o corpo pode interferir na expressão de genes ligados ao desenvolvimento tumoral.

Entre os efeitos observados:

  • Redução da atividade de genes pró-câncer.

  • Aumento da metilação em regiões promotoras de genes oncogênicos (o que tende a silenciar esses genes).

  • Influência positiva no metabolismo celular e na inflamação, dois fatores cruciais tanto na obesidade quanto no câncer.

O que isso significa na prática?

Para mulheres com obesidade — que já apresentam maior risco de desenvolver certos tipos de câncer, como o de mama —, a cetose nutricional pode oferecer mais do que perda de peso. Ela pode também modular vias genéticas associadas ao câncer, atuando como uma aliada preventiva e, futuramente, até terapêutica.

Um alerta importante:

Apesar dos achados promissores, a dieta cetogênica não deve ser adotada sem acompanhamento profissional. Ela exige ajustes cuidadosos e não é indicada para todas as pessoas. Além disso, as pesquisas ainda estão em fase inicial, especialmente no que diz respeito à aplicação clínica em humanos.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/