Autismo com herança mendeliana x não-mendeliana

O Transtorno do Espectro do Autismo pode resultar tanto de mutações mendelianas (clássicas), em que um único gene segue um padrão previsível de herança, quanto de mecanismos não mendelianos, que envolvem múltiplos genes, variações estruturais e fatores epigenéticos/ambientais.

1. Autismo com herança Mendeliana (clássica)

Esses casos representam cerca de 5–10% dos TEA, geralmente associados a síndromes genéticas monogênicas bem definidas.
O padrão de herança pode ser autossômico dominante, autossômico recessivo, ou ligado ao X.

Quando o autismo é parte de uma síndrome genética conhecida, a herança geralmente é mendeliana. Esses casos são chamados de TEA sindrômico ou monogênico.

2. Autismo com herança não Mendeliana

A maioria dos casos de TEA (≈ 80–90%) segue um padrão complexo, não mendeliano, envolvendo múltiplos genes e fatores ambientais. O autismo é altamente heterogêneo, com grande variação entre indivíduos. Há muitos genes candidatos (mais de 100 genes implicados, variação de número de cópias, variantes de novo, etc).

Na imagem abaixo vemos a representação de alguns cones. Cada cone é uma pessoa. Dentro do cone estão bolas coloridas, que simbolizam faotres de risco genéticos ou ambientais que podem contribuir para o desenvolvimento de um transtorno complexo, como o autismo.

Cada fator de risco adiciona certo volume ao cone. A linha tracejada no topo do cone é o limiar (threshold) para manifestação do transtorno. Se os fatores de risco ultrapassam a linha tracejada, a pessoa manifesta os sintomas. É como se o copo entornasse.

Na imagem, o pai (father) carrega algumas variantes, a mãe (mother) outras. Seus filhos 1 e 4 herdaram mais variantes e o copo transborda, com o desenvolvimento do autismo. As crianças 2 e 3 herdaram variantes menores e não ultrapassaram o limite para o desenvolvimento do transtorno. Assim como no TEA, outros transtornos também resultam da combinação de muitos fatores genéticos, epigenéticos e ambientais.

Diferentes indivíduos na mesma família podem carregar variantes semelhantes, mas só desenvolvem transtornos se a soma dos riscos ultrapassar determinado limiar. Isso ajuda a explicar:

- Penetrância incompleta (nem todos com mutações ou polimorfismos são afetados)

- Variabilidade fenotípica (irmãos com o mesmo gene podem ter trajetórias distintas).

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Alergia alimentar mediada por IgE x Alergia alimentar não mediada por IgE

A saúde gastrointestinal depende da tolerância do sistema imunológico adaptativo a proteínas alimentares estranhas [1]. A diferença entre alergia alimentar mediada por IgE e não mediada por IgE está no mecanismo imunológico envolvido e, consequentemente, no tempo e tipo de sintomas que aparecem após a ingestão do alimento.

Alergia alimentar mediada por IgE

Envolve anticorpos IgE (imunoglobulina E) específicos contra determinadas proteínas alimentares. Quando o alimento é ingerido, a IgE reconhece o alérgeno e ativa mastócitos e basófilos, que liberam histamina e outras substâncias inflamatórias.

Tempo de início dos sintomas:

  • Rápido (minutos a até 2 horas) após a exposição ao alimento.

Manifestações clínicas típicas:

  • Cutâneas: urticária, angioedema, prurido, vermelhidão.

  • Respiratórias: tosse, espirros, chiado, falta de ar.

  • Gastrointestinais: náusea, vômito, dor abdominal.

  • Sistêmicas: anafilaxia (reação grave e potencialmente fatal).

Diagnóstico:

  • Testes cutâneos (prick test).

  • Dosagem de IgE específica no sangue.

  • Teste de provocação oral supervisionado.

Alergias mais comuns mediadas por IgE:

Alergia alimentar não mediada por IgE

Não envolve IgE e sim células do sistema imune (principalmente linfócitos T). As reações são mais tardias e inflamatórias do que imediatas.

Tempo de início dos sintomas:

  • Horas a dias após a ingestão do alimento.

Manifestações clínicas típicas:

  • Quase sempre gastrointestinais crônicas:

    • Diarreia persistente, sangue nas fezes, dor abdominal, vômitos.

    • Pode haver perda de peso, dificuldade de crescimento em crianças.

  • Exemplo: enterocolite induzida por proteína alimentar, proctocolite alérgica, enteropatia induzida por proteína alimentar.

Diagnóstico:

  • Testes de IgE e prick test geralmente negativos.

  • Diagnóstico baseado na história clínica e melhora após exclusão do alimento (e piora após reintrodução).

A alergia alimentar gastrointestinal não mediada por IgE envolve reações adversas a alimentos mediadas pelo sistema imunológico inato e pela imunidade celular, caracterizadas por sintomas gastrointestinais subagudos ou crônicos [2]. Essas condições, incluindo a Síndrome da Enterocolite Induzida por Proteína Alimentar (FPIES), envolvem a imunidade do tipo T auxiliar 2 (TH2), bem como TH1, TH17, imunidade inata e defeitos na barreira mucosa epitelial [3].

Na FPIES uma proteína do alimento age como antígeno, que é apresentado aos linfócitos T pelas células apresentadoras de antígeno (APCs). Isto leva a liberação de IL-4, causando a proliferação de eosinófilos, IL8, causando a proliferação de neutrófilos. A redução na expressão de TGF-beta nas células epiteliais e aumento de TNF-alfa e IFN-y levam a inflamação e aumento da permeabilidade intestinal (Pundit et al., 2024).

Alergia alimentar mista (IgE e não-IgE)

Há ainda um grupo misto, com envolvimento tanto de IgE quanto de células T:

  • Exemplos: dermatite atópica, esofagite eosinofílica.

  • Sintomas podem ser tanto imediatos quanto tardios.

Um estudo utilizando um método sensível ao enriquecimento celular demonstrou que células T CD4+ policlonais respondem a peptídeos alimentares proliferando fracamente em órgãos linfoides secundários do eixo intestino-fígado, principalmente devido a células T reguladoras [1]. Esse processo envolve a diferenciação de células T específicas para alimentos em subconjuntos de células T auxiliares hiporresponsivas não canônicas, que não possuem funções inflamatórias e podem produzir células T reguladoras [1].

A alergia alimentar pode se desenvolver a partir de uma falha na tolerância oral, que é influenciada pela microbiota intestinal [4]. Um estudo envolvendo 81 crianças de 18 a 36 meses de idade descobriu que crianças com hipersensibilidade alimentar mediada por IgE apresentavam diversidade e riqueza da microbiota intestinal significativamente menores em comparação com crianças saudáveis ​​[5]. Alterações específicas na microbiota intestinal, como o aumento da abundância de Firmicutes e famílias específicas como Clostridiaceae, Ruminococcaceae, Lachnospiraceae ou Erysipelotrichaceae, foram associadas a hipersensibilidades alimentares particulares, como leite, clara de ovo e amendoim [5].

Referências

1) SW Hong et al. Immune tolerance of food is mediated by layers of CD4+ T cell dysfunction. Nature (2022). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35794484/

2) IM Madrigal-Beas et al. [Non-IgE-mediated gastrointestinal food allergy. Updated literature review by the CMICA Food Allergy Committee]. Revista alergia Mexico (Tecamachalco, Puebla, Mexico : 1993) (2025). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40253634/

3) KW Su et al. Gastrointestinal immunopathology of food protein-induced enterocolitis syndrome and other non-immunoglobulin E-mediated food allergic diseases. Annals of allergy, asthma & immunology : official publication of the American College of Allergy, Asthma, & Immunology (2021). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33667639/

4) A Nowak-Wegrzyn et al. Food allergy and the gut. Nature reviews. Gastroenterology & hepatology (2016). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27999436/

5) CC Chen et al. Comparison of 16S rRNA gene sequencing microbiota among children with serological IgE-mediated food hypersensitivity. Pediatric research (2023). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37648747/

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Diferenças genéticas e de conectividade entre os subtipos de TDAH

O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é uma condição neurobiológica caracterizada pela desatenção, hiperatividade e impulsividade. E pode se apresentar de formas diferentes nos indivíduos, de acordo com as características predominantes de cada um.

TDAH predominantemente desatento (Tipo D)

  • Possuem dificuldades de atenção e concentração;

  • Têm problemas para seguir instruções e comandos;

  • Possuem dificuldade na organização de tarefas e atenção aos detalhes.

TDAH predominantemente hiperativo/impulsivo (Tipo H)

  • São inquietos, falam e agem excessivamente;

  • Não conseguem ficar parados e/ou sentados por muito tempo;

  • Têm problemas em esperar sua vez em situações sociais.

TDAH combinado (Tipo C)

  • Junção dos dois tipos anteriores.

  • Combinação dos sinais de desatenção, hiperatividade e impulsividade, fazendo com que a pessoa tenha dificuldades nas 3 áreas.

Cada indivíduo com o transtorno é único. Lembrando que a hiperatividade pode ser física ou mental. Uma mente que está sempre buscando por estímulo frequente, acaba pulando de uma atividade para outra. O tipo de TDAH hiperativo gera a dificuldade de quietude física ou mental. Estas modificações são caracterizadas por diferenças genéticas e neurobiológicas.

Quando a condição não é tratada na infância, os sintomas podem persistir. Se seus sintomas te incomodam, procure ajuda profissional. Um plano de tratamento individualizado é importante. Muitas pessoas desenvolvem transtornos de ansiedade e depressão pelo TDAH não tratado.

Lembrando que TDAH é um sintoma do neurodesenvolvimento. A pessoa não desenvolve TDAH, já nasce com o transtorno. Estudos indicam que influências genéticas persistentes (entre 45% e 90% da variância genética total) contribuem para os sintomas de hiperatividade-impulsividade e desatenção ao longo da infância e adolescência, com fatores genéticos identificados tanto entre os subtipos quanto específicos de cada subtipo [1].

Estudos de neuroanatomia e conectividade funcional revelam diferenças distintas na organização cerebral e nas redes entre os subtipos de TDAH. Por exemplo, o tipo predominantemente desatento (TDAH-D) apresentou maior grau de conectividade nodal no hipocampo em comparação com o tipo combinado (TDAH-C) e com os controles, enquanto o TDAH-C exibiu maior grau de conectividade nodal no cerebelo em comparação com o TDAH-I [2].

Embora diferenças genéticas e neurobiológicas sejam observadas, a literatura disponível não aborda extensivamente as diferenças metabólicas entre as apresentações do TDAH.

Diferenças Genéticas e Neurobiológicas

Um estudo com gêmeos, envolvendo 1.480 pares de gêmeos suecos, descobriu que as influências genéticas explicam de 45% a 90% da variância genética total na hiperatividade-impulsividade e na desatenção da infância à adolescência. Este estudo apoia uma base genética para os subtipos de TDAH, identificando influências genéticas persistentes entre os subtipos e influências genéticas específicas de cada subtipo [1].

Estudos de neuroimagem utilizando ressonância magnética T1 em 34 participantes com TDAH (8-17 anos; 16 com TDAH-D, 18 com TDAH-C) e 28 controles demonstraram perfis organizacionais distintos em regiões cerebrais. O TDAH-D apresentou maior grau nodal no hipocampo, giro supramarginal, sulco calcarino e córtex occipital superior, enquanto o TDAH-C apresentou maior grau nodal no cerebelo, cíngulo anterior, giro frontal médio e putâmen [2].

A ressonância magnética funcional em repouso (RMf) em 165 crianças com TDAH (idade média de 10,93 anos) e 170 indivíduos com desenvolvimento típico (idade média de 11,46 anos) revelou uma dupla dissociação na conectividade funcional. O subtipo hiperativo-impulsivo foi associado ao aumento da conectividade na rede córtico-estriatal, enquanto o subtipo desatento foi associado ao aumento da conectividade na rede de atenção ventral direita [3]. Um estudo sobre a rede de modo padrão (RMP) em 34 participantes com TDAH (8-17 anos) e 39 controles constatou que o TDAH-C foi caracterizado por conectividade reduzida na RMP em comparação com o TDAH-D e os controles [4].

Referências

1) H Larsson et al. Genetic contributions to the development of ADHD subtypes from childhood to adolescence. Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry (2006). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/16865040/

2) JF Saad et al. Regional brain network organization distinguishes the combined and inattentive subtypes of Attention Deficit Hyperactivity Disorder. NeuroImage. Clinical (2017). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28580295/

3) M Sanefuji et al. Double-dissociation between the mechanism leading to impulsivity and inattention in Attention Deficit Hyperactivity Disorder: A resting-state functional connectivity study. Cortex; a journal devoted to the study of the nervous system and behavior (2016). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27394716/

4) JF Saad et al. Intrinsic Functional Connectivity in the Default Mode Network Differentiates the Combined and Inattentive Attention Deficit Hyperactivity Disorder Types. Frontiers in human neuroscience (2022). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35754775/

5) RJP Custodio et al. Thrsp Gene and the ADHD Predominantly Inattentive Presentation. ACS chemical neuroscience (2023). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36716294/

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/