Por que interpretar cortisol, ACTH, aldosterona e renina em conjunto

Muitas pessoas pedem exames de cortisol, mas sua interpretação isolada não quer dizer muita coisa. O cortisol é sim um hormônio fundamental produzido pelas glândulas adrenais, essencial para o metabolismo, resposta ao estresse e regulação da pressão arterial. Contudo, a dosagem isolada de cortisol não é suficiente para determinar a origem de alterações hormonais, nem para diferenciar entre causas primárias, secundárias ou terciárias de disfunção adrenal.

A avaliação conjunta de cortisol e ACTH permite distinguir se uma alteração nos níveis de cortisol se deve a um problema na glândula adrenal ou em órgãos reguladores, como a hipófise ou o hipotálamo:

  • Cortisol elevado + ACTH elevado → sugere produção excessiva estimulada por ACTH (hipófise ou tumor ectópico).

  • Cortisol elevado + ACTH baixo → indica produção autônoma da adrenal (ex: adenoma ou hiperplasia).

  • Cortisol baixo + ACTH elevado → insuficiência adrenal primária (Doença de Addison).

  • Cortisol baixo + ACTH baixo → insuficiência adrenal secundária ou terciária (hipófise/hipotálamo).

A adição de aldosterona e renina amplia a compreensão do eixo adrenal, especialmente em contextos de hipertensão, distúrbios eletrolíticos ou suspeita de hiperaldosteronismo. A aldosterona, regulada principalmente pelo sistema renina-angiotensina, ajuda a controlar sódio, potássio e pressão arterial, enquanto a renina indica a atividade renina-angiotensina. Avaliando esses hormônios em conjunto, é possível:

  • Diferenciar hiperaldosteronismo primário (aldosterona alta, renina baixa) de causas secundárias de disfunção adrenal ou hipovolemia.

  • Correlacionar alterações de cortisol com distúrbios eletrolíticos ou pressão arterial, evitando diagnósticos incompletos se apenas o cortisol fosse medido.

  • Planejar intervenções clínicas mais precisas, incluindo ajustes de dieta, medicamentos e monitoramento da pressão arterial.

Fatores como ritmo circadiano, posição do corpo, ingestão de sódio, medicações e hábitos de vida influenciam cada hormônio de maneira distinta. Medir apenas o cortisol não permite contextualizar essas variações, enquanto a análise combinada oferece um panorama completo da função adrenal e do equilíbrio hormonal do paciente.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

GENÔMICA E METABOLÔMICA DE CATECOLAMINAS

Uma catecolamina é uma monoamina, um composto orgânico que possui um catecol (benzeno com dois grupos laterais hidroxila nos carbonos 1 e 2) e uma amina de cadeia lateral.

As catecolaminas são substâncias químicas produzidas pelo nosso corpo que funcionam tanto como hormônios quanto como neurotransmissores.
Os principais tipos são:

  • Adrenalina (epinefrina)

  • Noradrenalina (norepinefrina)

  • Dopamina

As catecolaminas são derivadas do aminoácido tirosina, que é derivado de fontes alimentares, bem como síntese de fenilalanina. Catecolaminas são solúveis em água e estão ligadas em 50% às proteínas plasmáticas em circulação. Estão ligadas a respostas rápidas do corpo, como a famosa “luta ou fuga”, quando sentimos medo ou precisamos reagir a uma situação de estresse.

Como elas são produzidas?

Tudo começa com um aminoácido chamado tirosina, que pode vir diretamente dos alimentos ricos em proteína ou ser produzido a partir da fenilalanina. A enzima fenilalanina hidroxilase para conversão de fenilalanina em tirosina depende do cofator BH4. Podemos fazer análise de sangue ou urina de aminoácidos quantitativos. Se fenilalanina estiver alta e tirosina baixa podemos pensar em falta de BH4.

Lembrando que a hiperfenilalaninemia clássica geralmente se refere à fenilcetonúria (PKU), causada por deficiência da fenilalanina hidroxilase (PAH). Isso leva a acúmulo de fenilalanina no sangue e redução da conversão em tirosina. Sem tratamento, pode causar retardo mental, alterações neurológicas e comportamentais.

No caso da doença fenilcetonúria os sintomas manifestam-se cedo na vida (2 a 6 meses de idade), com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, hipotonia, irritabilidade, convulsões em casos graves, eczema ou pele seca, odor característico de “melaço” na urina ou no suor (fenilacetato). A triagem é feita ao nascimento (teste do pezinho) que dosa fenilalanina no sangue, entre o 3º e 5º dia de vida. Quando há suspeita é feito o teste genético.

As reações químicas para produção de catecolaminas acontecem em neurônios no cérebro, mas também na medula das glândulas supra-renais (localizadas acima dos rins). O processo é assim:

  1. Fenilalanina → convertida em tirosina

  2. Tirosina → transformada em L-DOPA

  3. L-DOPA → convertida em dopamina (principalmente nos neurônios)

  4. Na suprarrenal a dopamina é intermediária para norepinefrina e epinefrina.

Por que as catecolaminas são importantes?

As catecolaminas não apenas controlam reações imediatas de estresse, mas também regulam:

  • Humor e emoções

  • Sono e apetite

  • Movimento muscular

  • Pressão arterial e circulação sanguínea

Problemas na produção ou no funcionamento dessas substâncias estão ligados a várias condições, como ansiedade, depressão, Parkinson e hipertensão.

Genética e catecolaminas

A produção e o equilíbrio dessas substâncias também dependem de alguns genes importantes, como:

  • GCH1 → ajuda na produção de dopamina e serotonina.

  • MTHFR → participa da formação de neurotransmissores.

  • ALDH2 → ligado ao metabolismo do álcool.

  • NOS (NOS2, NOS3) → controlam a produção de óxido nítrico, importante para circulação e defesa imunológica.

  • DBH → converte dopamina em noradrenalina.

  • QDPR → ajuda a reciclar moléculas usadas na produção de neurotransmissores.

Alterações nesses genes podem impactar desde o humor até o risco de desenvolver algumas doenças neurológicas e metabólicas.

Cuidar da alimentação, do sono, da prática de exercícios e do manejo do estresse também é essencial para manter esses neurotransmissores em equilíbrio.

Metabolômica das Catecolaminas: o que mostra o exame de urina?

As catecolaminas (dopamina, noradrenalina e adrenalina) são rapidamente metabolizadas no corpo. Em vez de medir apenas as próprias catecolaminas no sangue (que variam muito ao longo do dia), muitas vezes analisamos seus metabólitos na urina de 24 horas, pois isso dá uma visão mais estável da produção.

O que é avaliado no teste?

No exame urinário, geralmente se medem:

  • Catecolaminas livres → dopamina, noradrenalina, adrenalina, mas o padrão ouro para análise são os metabólitos VMA e HMA:

  • Metabólitos principais:

    • Ácido vanilmandélico (VMA) → principal produto da adrenalina e noradrenalina. Marcador de aptidão metabólica e gerenciamento do estresse.

      • Sintomas de VMA alto: hipertensão, dor de cabeça, dores musculares, distúrbios gastrointestinais, imunidade diminuída, mãos frias, ansiedade, distúrbios do sono, fadiga (considerar insuficiência adrenal, fibromialgia) - tudo simpaticomimético.

        • Tratamento do VMA alto: corrigir carências nutricionais, redução de estresse (cortisol), plantas adaptogênicas, como rhodiola. Alguns médicos usam betabloqueadores como propranolol em dose baixa.

      • Sintomas de VMA baixo: depressão, ansiedade, distúrbios do sono, fadiga.

        • Tratamento de VMA baixo: enzimas digestivas, mix de aminoácidos, tratamento de disbiose, uso de L-tirosina, cofatores (folato, BH4, niacina, B6, magnésio, cobre, vitamina C), suporte adrenal (Licorice para aumento de cortisol ativo), redução de estresse

    • Metanefrinas (metanefrina e normetanefrina) → metabólitos estáveis da adrenalina/noradrenalina

    • Ácido homovanílico (HVA) → metabólito da dopamina (padrão ouro para diagnóstico do tumor feocromocitoma, que costuma se originar nas glândulas adrenais) - Atenção: avaliação de marcadores tumorais.

      • HVA alto: pode ser resultado de uso de L-Dopa (doença de Parkinson), cocaína, anfetamina, suplementação com quercetina. Tratamento: aminoácidos essenciais, parar itens anteriores, avaliar necessidade de cobre e inibidores de MAOB.

A proporção entre HVA e VMA também é importante. Há correlação entre níveis urinários do VMA e HVA com os níveis no sistema nervoso central em experimentos controlados de animais de laboratório. Baixos níveis de HVA e VMA são comuns em pacientes com depressão, distúrbios do sono, ansiedade, fadiga.

Já níveis elevados de VMA e HVA podem sinalizar aumento de taxa de síntese de catecolaminas e degradação no tecido normal ou produção anormal pelo tecido tumoral. Tumores neuroblásticos frequentemente geram alteração de VMA. A incidência de valores elevados parece aumentar em função do tamanho do tumor.

O uso de inibidores da recaptação de dopamina (como risperidona) pode causar desvio de dopamina e aumento de norepinefrina. O resultado pode ser baixo HVA e alto VMA. Pacientes que desenvolve psicose com a medicação pode estar com sobrecarga de norepinefrina. Avaliar com exame metabolômico é importante para ajuste da dose.

HVA baixo e VMA alto (estresse ou sobrecarga), com troponina cardíaca I (marcador de lesão cardíaca) aumentada é indicativo de infarto do miocárdio. Avaliar a frequência cardíaca basal é muito importante. Elevações grandes mostram alterações no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal. Na ausência de infarto, síntese aumentada de catecolaminas pode estar relacionada a estresse crônico.

Relação HVA/VMA:

  • HVA baixo / VMA alto → excesso de catecolaminas derivadas de noradrenalina/adrenalina, mas deficiência de dopamina; típico de distúrbios de transporte de cobre (ex.: Doença de Menkes).

  • HVA/VMA ambos altos → aumento global do metabolismo de catecolaminas (ex.: feocromocitoma).

  • HVA/VMA ambos baixos → deficiência geral de catecolaminas ou falha enzimática (ex.: tirosina hidroxilase ou Menkes avançado).

Para corrigir HVA baixo podemos pensar na suplementação de tirosina, de cofatores (folato, BH4, niacina, B6, magnésio, cobre) e estratégias para redução do estresse físico e emocional. Adoro Yoga.

Quer entender melhor? Inscreva-se no curso de interpretação de exames metabolômicos

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Picolinato (ácido picolínico)

O ácido picolínico (picolinato) é um metabólito derivado do triptofano, produzido na via da quinurenina. Ele é formado a partir do 3-HAA (ácido 3-hidroxiantranílico) antes da formação do ácido quinolínico e do NAD, tanto no intestino, quanto no fígado.

O triptofano, no fígado, pode seguir dois principais destinos:

  • Síntese de serotonina/melatonina (~5%)

  • Via da quinurenina (~95%) → que leva à produção de NAD⁺, ácido quinolínico, ácido picolínico e outros metabólitos. A ativação desta via ocorre principalmente em situações de inflamação crônica, estresse oxidativo e doenças neurodegenerativas.

Metabolismo do triptofano: no intestino, cerca de 4 a 6% do triptofano segue a via de formação de indóis e seus derivados (Wang et al., 2024)

Estruturalmente, o ácido picolínico é um derivado do piridina-carboxílico (um ácido orgânico com anel aromático).

Como a via se bifurca?

A enzima α-amino-β-carboximuconato-ε-semialdeído descarboxilase (ACMSD) regula um ponto-chave na ramificação da via da quinurenina:

Veja: triptofano → quinurenina → 3-hidroxiquinurenina → 3-hidroxiantranilato → ACMS (ácido α-amino-β-carboximuconato-ε-semialdeído).

Neste ponto, o ACMS pode:

  • Espontaneamente ciclizar em ácido quinolínico → precursor de NAD⁺.

  • Ser descarboxilado pela ACMSD → desviando o fluxo para a produção de ácido picolínico e intermediários da via dos ácidos graxos.

Esta enzima (ACMSD) é inativada com ômega-3. Ou seja, a suplementação reduz ácido picolínico e neuroinflamação. Por outro lado, se ácido picolínico já estiver muito baixo não recomenda-se a suplementação, uma vez que ácido picolínico também tem seus papeis biológicos importantes.

Papel biológico do ácido picolínico

O ácido picolínico atua como um quelante natural de metais, em especial zinco, ferro e cromo. Por isso, é comum ser usado para aumentar a disponibilidade de metais. Por exemplo, existem suplementos de picolinato de cromo, picolinato de zinco.

Há estudos que sugerem função imunomoduladora e participação na resposta inflamatória, já que a via da quinurenina é fortemente regulada pela ativação imune (principalmente por interferon-γ). Contudo, em excesso, o picolinato pode estar associado a processos neurotóxicos, já que está intimamente ligado ao metabolismo do ácido quinolínico (um agonista de receptores NMDA).

Avaliação urinária

A dosagem de ácido picolínico urinário (assim como de outros metabólitos da via da quinurenina) é usada em perfis de ácidos orgânicos urinários. Essa avaliação é feita por cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massa (LC-MS/MS).

Alterações nos níveis urinários de picolinato podem indicar:

  • Disfunções no metabolismo do triptofano

  • Ativação imunológica crônica (infecções, doenças autoimunes, câncer)

  • Alterações no metabolismo do NAD⁺

Geralmente solicitamos esta análise em algumas situações:

  • Transtornos neurológicos e psiquiátricos (ex.: Alzheimer, Parkinson, depressão, esquizofrenia)

  • Transtornos do neurodesenvolvimento (TEA, TDAH)

  • Doenças metabólicas

  • Investigações em pesquisa sobre inflamação sistêmica

Pacientes com vários desequilíbrios no metabolismo do triptofano

Desequilíbrios, como os mostrados no exame acima, levam à neurotoxicidade, associam-se à depressão, ansiedade, prejuízos à cognição e sono. O ácido picolínico (picolinic acid) também é um potente ativador de citocinas inflamatórias, gerando um ciclo vicioso.

Suporte nutricional geralmente recomendado: niacina (B3), curcumina, EPA/DHA (sempre avaliar com outros marcadores).

Dietas ricas em proteína aumentam a atividade de ACMSD. Por isso, dietas cetogênicas com proteína apropriada (nem muito, nem pouco) são frequentemente indicadas nestas alterações de via.

Quer saber mais? Inscreva-se no curso de metabolômica.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/