Dosagem de interlerleucinas em pacientes neurodivergentes

A dosagem de interleucinas plasmáticas em pacientes neurodivergentes (como pessoas com TEA – Transtorno do Espectro Autista, TDAH, esquizofrenia, transtorno bipolar, entre outros) é um tema de crescente interesse em neurociência translacional e psiquiatria biológica. A ideia central é que alterações imunológicas e inflamatórias podem estar associadas à neurodivergência e influenciar sintomas cognitivos, comportamentais e emocionais.

Por que dosar estas substâncias?

1. Identificação de mecanismos fisiopatológicos

Estudos mostram que pacientes com TEA, esquizofrenia ou depressão podem apresentar perfil pró-inflamatório aumentado, com interleucinas como IL-6, IL-1β e TNF-α elevadas. Já outras, como IL-10 (anti-inflamatória), podem estar reduzidas, sugerindo desbalanço imunológico. Esse perfil ajuda a entender como inflamação sistêmica pode modular a atividade cerebral e a plasticidade sináptica.

2. Biomarcadores para diagnóstico diferencial e estratificação

Ainda não existem biomarcadores definitivos para neurodivergência, mas a dosagem de interleucinas pode auxiliar na identificação de subgrupos biológicos. Por exemplo, no TEA, níveis elevados de IL-6 foram correlacionados a maior gravidade dos sintomas sociais e de comunicação. Em TDAH, alterações em IL-2 e IL-10 foram ligadas a diferenças no controle da atenção.

3. Monitoramento terapêutico

A resposta a tratamentos (psicofármacos, imunomoduladores, intervenções nutricionais ou estilo de vida) pode ser acompanhada pela variação no perfil inflamatório. Isso abre caminho para estratégias personalizadas, adaptando terapias conforme a assinatura imunológica do paciente.

4. Compreensão da relação cérebro–sistema imune

A neuroinflamação pode influenciar neurodesenvolvimento e funções cognitivas ao alterar a barreira hematoencefálica, microglia e neurotransmissão. Interleucinas plasmáticas funcionam como um marcador acessível da ativação imune periférica, que pode repercutir no SNC.

5. Limitações atuais

  • Não há padrões de referência clínicos consolidados para interpretar valores de interleucinas em contextos neurodivergentes.

  • Os níveis podem variar por idade, sexo, dieta, sono, estresse e uso de medicamentos.

  • A maioria dos estudos ainda está em fase exploratória ou experimental, sem aplicação rotineira em clínicas.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Metilação, Ácido Fólico e Neurotransmissores: o que você precisa saber

Nos últimos anos, a ciência tem mostrado cada vez mais como a nutrição impacta o funcionamento do cérebro. Entre os protagonistas dessa história estão os radicais metil, o ácido fólico e o metabolismo dos neurotransmissores.

O papel da doação de radicais metil

Os radicais metil (-CH3) são como pequenas “chaves” químicas que ligam ou desligam processos no nosso corpo. Quando falamos em cérebro, eles participam ativamente da síntese e regulação de neurotransmissores como serotonina, dopamina e noradrenalina – substâncias que controlam humor, atenção, memória e sono.

O processo de adição de grupos metil (uma molécula de um carbono e três hidrogênios) a outras moléculas é conhecido por metilação. Pense nisso como se o corpo usasse grupos metil como uma espécie de "moeda" biológica para fazer as coisas acontecerem por todo o corpo, catalisando múltiplas reações em muitos sistemas diferentes. A metilação é tão onipresente que acontece em segundo plano o tempo todo, bilhões de vezes por segundo!

Existem muitas enzimas diferentes no corpo que utilizam grupos metil. Aliás, qualquer enzima que seja uma "metiltransferase" (terminada com as iniciais MT – por exemplo, a enzima COMT, que desintoxica o estrogênio e os hormônios do estresse) também desempenha um papel muito importante na modificação epigenética, onde grupos metil podem ser usados ​​para inativar partes do nosso código genético por meio da metilação do DNA.

Se o organismo não consegue doar metil de forma eficiente, podem surgir alterações na produção desses neurotransmissores, o que está associado a quadros como depressão, ansiedade, fadiga e déficit cognitivo.

Ácido fólico e metabolismo

O principal suprimento de grupos metil do corpo frequentemente vem de uma substância chamada SAMe (S-adenosil metionina), um produto dos ciclos do folato e da metionina trabalhando juntos. Há uma série de outros subprodutos vitais desses ciclos que também contribuem para outras funções importantes. Por exemplo, o ciclo do folato converte folatos alimentares em 5-MTHF (metil folato), mas no processo também ajuda a sintetizar purinas e timidina, que são necessárias para a replicação e reparo celular.

O 5-MTHF também atua como um cofator para a biopterina (BH4), que é vital para a produção dos neurotransmissores serotonina e dopamina, e dos hormônios adrenalina e noradrenalina. A biopterina também auxilia na produção de óxido nítrico, que promove a circulação e a pressão arterial saudáveis. O ciclo da metionina, na verdade, recicla um metabólito negativo chamado homocisteína, cujos altos níveis estão ligados a doenças cardiovasculares e neurodegeneração, para produzir SAMe, que ajuda a manter a homocisteína em um nível normal.

O ácido fólico (vitamina B9) é um dos nutrientes-chave para o ciclo de metilação. Ele é convertido em formas ativas dentro do corpo, que permitem a regeneração da metionina a partir da homocisteína, um processo essencial para manter o fornecimento de radicais metil.

Quando há deficiência de folato, esse ciclo se compromete e a homocisteína pode se acumular no sangue – um marcador de risco não só para doenças cardiovasculares, mas também para disfunções neurológicas.

Garantir uma boa ingestão de folato por meio da alimentação (vegetais verdes escuros, leguminosas, fígado) ou, em alguns casos, suplementação orientada por profissional de saúde, pode ser um passo importante para manter a saúde cerebral e emocional em equilíbrio.

O padrão-ouro: Teste do Formiminoglutamato (FIGLU)

Para avaliar se o organismo está aproveitando corretamente o folato, existe um exame considerado padrão-ouro: a dosagem de formiminoglutamato (FIGLU).

O FIGLU se acumula quando há deficiência de ácido fólico, sendo assim um indicador sensível do metabolismo dessa vitamina. Embora pouco solicitado na prática clínica, é um teste de grande valor em pesquisas e em situações onde se suspeita de deficiência funcional de folato, mesmo quando os níveis séricos parecem normais.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Tecnologias ômicas no lipedema

As ciências ômicas (genômica, transcriptômica, proteômica, metabolômica, lipidômica etc.) vêm sendo aplicadas progressivamente no estudo do lipedema, ajudando a compreender melhor essa condição ainda pouco elucidada.

O lipedema é uma condição crônica caracterizada pelo acúmulo anormal de gordura, geralmente nas pernas, quadris e, em alguns casos, nos braços. A causa exata do lipedema ainda não é totalmente compreendida, mas acredita-se que fatores hormonais e genéticos desempenham um papel importante. O tratamento do lipedema pode envolver uma combinação de abordagens para aliviar os sintomas, melhorar a qualidade de vida e, em alguns casos, reduzir a aparência do acúmulo de gordura.

Pesquisas genômicas sugerem uma predisposição genética ao lipedema, já que há forte agregação familiar. Estudos exploram genes relacionados ao desenvolvimento do tecido adiposo, angiogênese, matriz extracelular e inflamação crônica de baixo grau. Falo um pouco sobre este tema neste vídeo:

A transcriptômica avalia quais genes estão sendo mais ou menos expressos no tecido adiposo de pacientes com lipedema. Achados iniciais sugerem aumento de expressão de genes pró-inflamatórios e de angiogênese, além de alterações em vias de remodelamento da matriz extracelular. Isto pode explicar sintomas como dor, facilidade de hematomas e edema persistente.

A proteômica identifica proteínas circulantes e no tecido adiposo. Estudos apontam diferenças em proteínas inflamatórias, de coagulação e remodelamento tecidual. A ideia é que estas proteínas possam futuramente contribuir como biomarcadores diagnósticos, já que hoje o diagnóstico é essencialmente clínico.

A metabolômica analisa metabólitos no sangue, urina ou tecido adiposo. Pacientes com lipedema apresentam alterações no perfil metabólico, mas diferentes das encontradas em obesidade comum. Sugerem metabolismo lipídico peculiar, o que pode explicar porque o lipedema não responde bem à dieta e exercício convencionais. Esta abordagem emergente nos ajuda a entender os mecanismos metabólicos subjacentes a essa condição. A metabolômica fornece insights sobre processos bioquímicos alterados no organismo.

Principais Descobertas na Metabolômica Urinária do Lipedema

Estudos indicam que pacientes com lipedema podem apresentar padrões metabólicos distintos, refletindo inflamação crônica, disfunção do metabolismo lipídico e estresse oxidativo. Algumas das principais alterações identificadas incluem:

  1. Metabólitos do metabolismo lipídico

    • Alterações nos ácidos graxos de cadeia curta e longa, sugerindo possível resistência à lipólise.

    • Aumento de metabólitos relacionados à β-oxidação incompleta, indicando um metabolismo energético ineficiente.

  2. Marcadores de inflamação e estresse oxidativo

    • Elevação de metabólitos associados ao estresse oxidativo, como produtos da peroxidação lipídica.

    • Alterações em metabólitos relacionados à resposta inflamatória, como aminoácidos derivados da via do triptofano (quinurenina, por exemplo).

  3. Desequilíbrios no metabolismo de aminoácidos

    • Alterações em aminoácidos como leucina, isoleucina e valina (aminoácidos de cadeia ramificada), o que pode indicar disfunção na sinalização da insulina e resistência anabólica.

    • Possível impacto no metabolismo do colágeno e matriz extracelular devido a variações nos níveis de prolina e hidroxiprolina.

  4. Metabólitos do ciclo do ácido cítrico (TCA)

    • Redução de intermediários como citrato e succinato pode sugerir menor eficiência na produção de energia celular (disfunção mitocondrial).

  5. Alterações na microbiota intestinal

    • Metabólitos derivados da microbiota, como indóis e ácidos biliares secundários, podem estar alterados, sugerindo um impacto do lipedema na saúde intestinal.

Implicações Clínicas

Esses achados sugerem que o lipedema envolve não apenas um acúmulo anormal de gordura, mas também um metabolismo energético comprometido, inflamação persistente e possíveis alterações na microbiota. Isso pode abrir caminho para estratégias terapêuticas personalizadas, como ajustes na dieta, suplementação específica e tratamentos anti-inflamatórios (Kempa et al., 2023).

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/