Neuroinflamação no autismo

Neuroinflamação é a resposta inflamatória do sistema nervoso central (SNC) a lesões, infecções, toxinas, disfunções metabólicas ou processos neurodegenerativos. Diferente da inflamação periférica, ela é altamente regulada e envolve células específicas do SNC.

Principais características:

  • Ativação de células gliais (microglia e astrócitos).

  • Liberação de citocinas, quimiocinas, prostaglandinas e espécies reativas de oxigênio (ROS).

  • Alterações na barreira hematoencefálica.

  • Participação na remoção de detritos celulares e patógenos.

Embora inicialmente protetora, quando a neuroinflamação se torna crônica ou desregulada, pode causar danos neuronais e sinápticos.

A ativação da microglia — as principais células imunológicas residentes no sistema nervoso central — está associada ao autismo (TEA) e pode desempenhar um papel central nas anomalias de conectividade cerebral observadas na condição.

1. Microglia e o Cérebro em Desenvolvimento

A microglia não atua apenas como defesa imunológica, mas também participa ativamente do desenvolvimento cerebral, especialmente na poda sináptica, migração neuronal, e formação de circuitos neurais. Durante períodos críticos do desenvolvimento, ela regula a formação e eliminação de conexões sinápticas.

A microglia tem emergido como uma peça-chave na compreensão do autismo (Transtorno do Espectro Autista - TEA), especialmente no que se refere a alterações no desenvolvimento cerebral, conectividade neural e neuroinflamação.

2. Evidência de Ativação Microglial no Autismo

Estudos post-mortem de cérebros de indivíduos com autismo revelam sinais de ativação microglial crônica, incluindo:

  • Aumento da densidade microglial.

  • Morfologia alterada (indicativa de estado ativado).

  • Aumento da expressão de marcadores inflamatórios, como IL-6, TNF-α e MHC classe II.

  • Resultados de PET scans em indivíduos vivos com autismo também indicam neuroinflamação persistente.

Rodriguez, & Kern, 2011

3. Relação com a Desconectividade Cerebral

O autismo tem sido associado a alterações na conectividade funcional e estrutural do cérebro, muitas vezes caracterizadas por:

  • Hipo-conectividade de longa distância (entre regiões frontais e posteriores).

  • Hiperconectividade local (dentro de áreas corticais específicas).

A ativação microglial pode afetar diretamente essa arquitetura conectiva por meio de:

  • Poda sináptica excessiva ou deficiente.

  • Liberação de citocinas inflamatórias que alteram a plasticidade sináptica.

  • Interferência com o amadurecimento de oligodendrócitos e mielinização.

4. Causas Potenciais da Ativação Microglial

A ativação microglial pode ser desencadeada por fatores genéticos e ambientais, como:

  • Infecções maternas ou estresse durante a gestação.

  • Hipoxia e prematuridade.

  • Exposição a toxinas ou poluentes ambientais (como metais pesados e pesticidas)

  • Mutação em genes relacionados à regulação imunológica (ex: genes MECP2, TREM2).

  • Dietas ricas em gordura saturada e açúcar.

    • Ativam a microglia principalmente no hipotálamo e no hipocampo.

    • Promovem um fenótipo pro-inflamatório (liberação de IL-1β, TNF-α).

    • Contribuem para resistência à insulina cerebral, estresse oxidativo e disfunção sináptica.

  • Alto consumo de ômega-6 e baixo consumo de ômega-3.

  • Deficiência de nutrientes antiinflamatórios.

  • Disbiose intestinal.

5. Implicações Terapêuticas

A compreensão do papel da microglia abre possibilidades terapêuticas, como:

  • Modulação da ativação microglial (por meio de anti-inflamatórios específicos).

  • Intervenções precoces que visem a normalização do ambiente neuroimune.

Qualquer intervenção precisa ser cuidadosamente avaliada, dado o papel essencial da microglia em processos normais de desenvolvimento. Precisa de ajuda? Marque aqui sua consulta de nutrição.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Gestantes precisam dormir bem: Impacto da alteração do sono no desenvolvimento fetal

Distúrbios no sistema circadiano materno e fetal podem, de fato, gerar consequências adversas a longo prazo para ambos. O sistema circadiano é responsável por regular ritmos biológicos essenciais, como o sono, a liberação hormonal, o metabolismo e o desenvolvimento celular. Quando esse sistema é desregulado durante a gestação — tanto na mãe quanto no feto — há evidências crescentes de que podem ocorrer efeitos negativos persistentes.

Quando está escuro começamos a produzir melatonina, um hormônio que induz o sono. A melatonina atravessa a placenta e é essencial para sincronizar o relógio circadiano fetal. A falta de ritmo melatonínico materno—causada por luz contínua ou luz artificial à noite—resulta em crescimento intrauterino restrito, alterações no ritmo de corticosterona fetal e reconstrução dos genes relógio no adrenais fetais.

Estudos em camundongos

  • Em roedores expostos à luz constante, mesmo em níveis baixos (~2 lx), houve supressão de melatonina, desorganização de genes do relógio no núcleo supraquiasmático fetal, e alterações nos ritmos hormonais e metabólicos dos descendentes.

  • Estudos com ratas expostas a luz constante indicaram espessamento precoce e maior vascularização da placenta, fenômenos associados a maturação placentária acelerada, porém frequentemente ligada a disfunções na gestação .

  • Estudos em camundongos demonstraram reduções no comprimento e espessura placentária, além de efeitos sobre o desenvolvimento de órgãos como o estômago fetal.

Estudos em humanos

Durante a gravidez a exposição à luz artificial antes de dormir, incluindo de telas, está relacionada a aumento no risco de diabetes gestacional, potencialmente devido à supressão da melatonina e disritmia metabólica.

A desregulação circadiana materna (e.g., por trabalho por turnos) está associada a parto prematuro, baixo peso ao nascer e restrições de crescimento fetal.

O sistema circadiano regula ritmos biológicos essenciais, como o sono, a liberação hormonal, o metabolismo e o desenvolvimento celular. Quando esse sistema é desregulado durante a gestação — tanto na mãe quanto no feto — há evidências crescentes de que podem ocorrer efeitos negativos persistentes.

Consequências a longo prazo:

Para o feto/criança:

  1. Alterações no desenvolvimento neurológico:

    • O ritmo circadiano influencia a formação e a maturação do cérebro fetal. Distúrbios nesse período podem estar associados a maior risco de transtornos neuropsiquiátricos, como TDAH, autismo ou ansiedade na infância.

  2. Programação metabólica alterada:

    • A disfunção do relógio biológico fetal pode predispor a doenças metabólicas, como obesidade, diabetes tipo 2 e síndrome metabólica na vida adulta, por meio da chamada "programação fetal".

  3. Distúrbios do sono:

    • Crianças cujas mães tiveram ritmos circadianos alterados (por exemplo, devido a trabalho noturno ou jet lag) apresentam maior chance de distúrbios do sono, com impactos sobre o aprendizado e o comportamento.

Para a mãe:

  1. Maior risco de complicações obstétricas:

    • Distúrbios circadianos na gestação estão associados a pré-eclâmpsia, parto prematuro, crescimento fetal restrito e diabetes gestacional.

  2. Problemas de saúde mental:

    • A desregulação do ritmo circadiano aumenta o risco de depressão perinatal, ansiedade e transtornos do sono após o parto.

  3. Recuperação pós-parto mais lenta:

    • Ritmos desorganizados podem comprometer a recuperação fisiológica e hormonal da mãe no pós-parto, além de afetar a lactação.

Mecanismos envolvidos:

  • Melatonina materna: A melatonina atravessa a placenta e ajuda a sincronizar o ritmo circadiano fetal. Alterações na secreção materna (por exemplo, por exposição à luz artificial à noite) afetam esse processo.

  • Genes relógio (clock genes): Alterações na expressão desses genes, fundamentais na regulação circadiana, estão associadas a mudanças duradouras na função celular e fisiológica.

  • Eixo hipotálamo-hipófise-adrenal: Pode ser programado de forma anormal, alterando a resposta ao estresse ao longo da vida.

Recomendações e medidas preventivas

  • Reduzir exposição à luz artificial nas 2–3 horas antes de dormir (incluindo de telas), o que pode diminuir o risco de diabetes gestacional.

  • Melatonina exógena, administrada no período noturno em gestantes sob luz constante, reverteu efeitos adversos em modelos animais.

  • Promover higiene da luz: exposição à luz natural durante o dia, evitar luz azul à noite, e ambientes escuros no período de descanso.

  • Não comer tarde pois isto atrapalha o sono. Alimente-se 3 horas antes de dormir.

  • Evitar cafeína

Por que a cafeína deve ser evitada na gestação?

Durante a gravidez, especialmente no terceiro trimestre, o corpo da mulher demora muito mais para eliminar a cafeína: a meia-vida da substância pode subir de 5 horas para até 18 horas!

E não para por aí... A cafeína atravessa livremente a barreira placentária, mas nem o feto nem a placenta têm enzimas para metabolizá-la. Resultado? A cafeína se acumula no bebê.

Além disso, ela pode se concentrar em fluidos uterinos e oviductais, impactando o desenvolvimento embrionário e até aumentando o risco de doenças na vida adulta.

Por isso, evite ao máximo o consumo de café, chás com cafeína, refrigerantes e energéticos durante a gestação. Pequenas escolhas fazem uma grande diferença na saúde do seu bebê.

A maior herança que você pode deixar para seu bebê não é o chá de fralda ou a roupa de marca, mas a programação metabólica fetal.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Genética e terapia gênica e nutricional na síndrome de Down

De acordo com o artigo “Down syndrome: searching for the genetic culprits” (Disease Models & Mechanisms, Setembro 2011), a síndrome de Down (SD) deve-se à trissomia do cromossoma 21. O cromossomo 21 possui cerca de 310 genes e a trissomia aumenta a expressão dos mesmos, contribuindo para alterações cognitivas, cardíacas, morfológicas, além de aumento do risco de leucemia e Alzheimer.

Estudos em humanos com trissomias parciais indicaram que áreas específicas contribuem para determinados fenótipos (ex. características faciais, hipotonia), sugerindo uma organização regional da trissomia .

Modelos de camundongos mostram que a triplicação de uma “região crítica” isolada não reproduz todos os fenômenos da SD, contrariando a ideia de que poucos genes dominantes sejam responsáveis .

Descobertas importantes

  • Dyrk1a e cardiopatia congénita: Estudo de janeiro de 2024 identificou o gene Dyrk1a (localizado em Hsa21) como causador de defeitos cardíacos em modelo murino. A inibição farmacológica da enzima DYRK1A reverte parcialmente esses defeitos.

  • Genes dos recetores de interferon: Um trabalho de 2023 em camundongos (modelo Dp16) demonstrou que quatro receptores extra de interferon, quando triplicados, mediam características cardíacas, craniofaciais e cognitivas. A remoção parcial desses genes melhorou alguns aspetos, mas evidenciou que outros genes também são necessários.

  • Terapia ao nível de cromossomos: Técnicas em cultura celular, usando o RNA XIST, conseguiram “silenciar” o cromossomo 21 extra in vitro — um passo promissor para investigações futuras.

  • Estratificação molecular: Um estudo de 2024 identificou subgrupos moleculares distintos em indivíduos com SD, com base em perfis de expressão imune e celular. Isso sugere que tratamentos personalizados poderão ser desenvolvidos no futuro.

Genômica nutricional

Enquanto as terapias genéticas não estão disponíveis podemos lançar mão de terapias nutricionais. Genes são modulados por nutrientes e compostos bioativos. Um exemplo disto é o uso de EGCG para redução da dismorfia facial em pessoas com T21.

O estudo Green tea extracts containing epigallocatechin‑3‑gallate modulate facial development in Down syndrome (Scientific Reports, 25 Fevereiro 2021) teve como objetivo avaliar o potencial terapêutico do extrato de chá verde contendo EGCG (GTE‑EGCG) para atenuar as dismorfologias faciais associadas à síndrome de Down (SD).

Dismorfia facial (ou dismorfologia facial) é o termo dados às alterações na forma, proporção ou simetria do rosto em comparação com o padrão considerado típico para a idade e etnia de uma pessoa. Essas alterações podem ser sutis ou evidentes, e muitas vezes fazem parte de síndromes genéticas ou distúrbios do desenvolvimento, como é o caso da síndrome de Down.

Exemplos comuns de dismorfias faciais incluem:

  • Rosto mais achatado ou largo que o normal

  • Hipoplasia maxilar (desenvolvimento incompleto do maxilar)

  • Ponte nasal baixa ou achatada

  • Fissuras palpebrais (fendas dos olhos) inclinadas para cima ou para baixo

  • Orelhas de implantação baixa ou de forma incomum

  • Macroglossia (língua aumentada)

  • Prognatismo (mandíbula projetada)

Neste estudo foram acompanhados 287 indivíduos: 63 com SD sem EGCG, 13 com SD com EGCG, 4 mosaicos e 207 controles euploides. O termo "euploide" refere-se a uma pessoa com cariótipo normal, ou seja, com o número padrão de cromossomos — 46 cromossomos em 23 pares, sem nenhuma trissomia (como a do cromossomo 21, que causa a síndrome de Down).

Achados principais

  • 0–3 anos:

    • Sem uso de EGCG → ~57% das distâncias lineares faciais diferiam dos controles.

    • Com uso de EGCG → redução para ~25%, ou seja, rosto das crianças com SD tornou-se visivelmente mais semelhante aos rostos euploides.

  • 4–12 anos: tendência menos clara, resultado misto.

  • 13–18 anos: sem melhora, diferenças mantiveram-se em >50% — indicando que janelas de tratamento precoce são essenciais.

  • Limitações

    • Estudo observacional, com uso ad libitum (auto-medicação), variando marcas, doses e durações.

    • Amostra pequena no grupo tratado (n = 13), sem randomização (aleatorização).

    • Ausência de grupo euploide com tratamento para isolar possíveis efeitos secundários.

Considerações de segurança

  • Dose crítica: alta dose pode piorar o desenvolvimento facial e ósseo em ambos os modelos - como mostrado em camundongos.

  • Risco hepático: EGCG em altas doses pode provocar toxicidade — a EFSA recomenda não exceder ~800 mg/dia em adultos. Em geral utiliza-se o máximo de 9 a 10 mg/kg/dia.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/