Gestantes precisam dormir bem: Impacto da alteração do sono no desenvolvimento fetal

Distúrbios no sistema circadiano materno e fetal podem, de fato, gerar consequências adversas a longo prazo para ambos. O sistema circadiano é responsável por regular ritmos biológicos essenciais, como o sono, a liberação hormonal, o metabolismo e o desenvolvimento celular. Quando esse sistema é desregulado durante a gestação — tanto na mãe quanto no feto — há evidências crescentes de que podem ocorrer efeitos negativos persistentes.

Quando está escuro começamos a produzir melatonina, um hormônio que induz o sono. A melatonina atravessa a placenta e é essencial para sincronizar o relógio circadiano fetal. A falta de ritmo melatonínico materno—causada por luz contínua ou luz artificial à noite—resulta em crescimento intrauterino restrito, alterações no ritmo de corticosterona fetal e reconstrução dos genes relógio no adrenais fetais.

Estudos em camundongos

  • Em roedores expostos à luz constante, mesmo em níveis baixos (~2 lx), houve supressão de melatonina, desorganização de genes do relógio no núcleo supraquiasmático fetal, e alterações nos ritmos hormonais e metabólicos dos descendentes.

  • Estudos com ratas expostas a luz constante indicaram espessamento precoce e maior vascularização da placenta, fenômenos associados a maturação placentária acelerada, porém frequentemente ligada a disfunções na gestação .

  • Estudos em camundongos demonstraram reduções no comprimento e espessura placentária, além de efeitos sobre o desenvolvimento de órgãos como o estômago fetal.

Estudos em humanos

Durante a gravidez a exposição à luz artificial antes de dormir, incluindo de telas, está relacionada a aumento no risco de diabetes gestacional, potencialmente devido à supressão da melatonina e disritmia metabólica.

A desregulação circadiana materna (e.g., por trabalho por turnos) está associada a parto prematuro, baixo peso ao nascer e restrições de crescimento fetal.

O sistema circadiano regula ritmos biológicos essenciais, como o sono, a liberação hormonal, o metabolismo e o desenvolvimento celular. Quando esse sistema é desregulado durante a gestação — tanto na mãe quanto no feto — há evidências crescentes de que podem ocorrer efeitos negativos persistentes.

Consequências a longo prazo:

Para o feto/criança:

  1. Alterações no desenvolvimento neurológico:

    • O ritmo circadiano influencia a formação e a maturação do cérebro fetal. Distúrbios nesse período podem estar associados a maior risco de transtornos neuropsiquiátricos, como TDAH, autismo ou ansiedade na infância.

  2. Programação metabólica alterada:

    • A disfunção do relógio biológico fetal pode predispor a doenças metabólicas, como obesidade, diabetes tipo 2 e síndrome metabólica na vida adulta, por meio da chamada "programação fetal".

  3. Distúrbios do sono:

    • Crianças cujas mães tiveram ritmos circadianos alterados (por exemplo, devido a trabalho noturno ou jet lag) apresentam maior chance de distúrbios do sono, com impactos sobre o aprendizado e o comportamento.

Para a mãe:

  1. Maior risco de complicações obstétricas:

    • Distúrbios circadianos na gestação estão associados a pré-eclâmpsia, parto prematuro, crescimento fetal restrito e diabetes gestacional.

  2. Problemas de saúde mental:

    • A desregulação do ritmo circadiano aumenta o risco de depressão perinatal, ansiedade e transtornos do sono após o parto.

  3. Recuperação pós-parto mais lenta:

    • Ritmos desorganizados podem comprometer a recuperação fisiológica e hormonal da mãe no pós-parto, além de afetar a lactação.

Mecanismos envolvidos:

  • Melatonina materna: A melatonina atravessa a placenta e ajuda a sincronizar o ritmo circadiano fetal. Alterações na secreção materna (por exemplo, por exposição à luz artificial à noite) afetam esse processo.

  • Genes relógio (clock genes): Alterações na expressão desses genes, fundamentais na regulação circadiana, estão associadas a mudanças duradouras na função celular e fisiológica.

  • Eixo hipotálamo-hipófise-adrenal: Pode ser programado de forma anormal, alterando a resposta ao estresse ao longo da vida.

Recomendações e medidas preventivas

  • Reduzir exposição à luz artificial nas 2–3 horas antes de dormir (incluindo de telas), o que pode diminuir o risco de diabetes gestacional.

  • Melatonina exógena, administrada no período noturno em gestantes sob luz constante, reverteu efeitos adversos em modelos animais.

  • Promover higiene da luz: exposição à luz natural durante o dia, evitar luz azul à noite, e ambientes escuros no período de descanso.

  • Não comer tarde pois isto atrapalha o sono. Alimente-se 3 horas antes de dormir.

  • Evitar cafeína

Por que a cafeína deve ser evitada na gestação?

Durante a gravidez, especialmente no terceiro trimestre, o corpo da mulher demora muito mais para eliminar a cafeína: a meia-vida da substância pode subir de 5 horas para até 18 horas!

E não para por aí... A cafeína atravessa livremente a barreira placentária, mas nem o feto nem a placenta têm enzimas para metabolizá-la. Resultado? A cafeína se acumula no bebê.

Além disso, ela pode se concentrar em fluidos uterinos e oviductais, impactando o desenvolvimento embrionário e até aumentando o risco de doenças na vida adulta.

Por isso, evite ao máximo o consumo de café, chás com cafeína, refrigerantes e energéticos durante a gestação. Pequenas escolhas fazem uma grande diferença na saúde do seu bebê.

A maior herança que você pode deixar para seu bebê não é o chá de fralda ou a roupa de marca, mas a programação metabólica fetal.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Genética e terapia gênica e nutricional na síndrome de Down

De acordo com o artigo “Down syndrome: searching for the genetic culprits” (Disease Models & Mechanisms, Setembro 2011), a síndrome de Down (SD) deve-se à trissomia do cromossoma 21. O cromossomo 21 possui cerca de 310 genes e a trissomia aumenta a expressão dos mesmos, contribuindo para alterações cognitivas, cardíacas, morfológicas, além de aumento do risco de leucemia e Alzheimer.

Estudos em humanos com trissomias parciais indicaram que áreas específicas contribuem para determinados fenótipos (ex. características faciais, hipotonia), sugerindo uma organização regional da trissomia .

Modelos de camundongos mostram que a triplicação de uma “região crítica” isolada não reproduz todos os fenômenos da SD, contrariando a ideia de que poucos genes dominantes sejam responsáveis .

Descobertas importantes

  • Dyrk1a e cardiopatia congénita: Estudo de janeiro de 2024 identificou o gene Dyrk1a (localizado em Hsa21) como causador de defeitos cardíacos em modelo murino. A inibição farmacológica da enzima DYRK1A reverte parcialmente esses defeitos.

  • Genes dos recetores de interferon: Um trabalho de 2023 em camundongos (modelo Dp16) demonstrou que quatro receptores extra de interferon, quando triplicados, mediam características cardíacas, craniofaciais e cognitivas. A remoção parcial desses genes melhorou alguns aspetos, mas evidenciou que outros genes também são necessários.

  • Terapia ao nível de cromossomos: Técnicas em cultura celular, usando o RNA XIST, conseguiram “silenciar” o cromossomo 21 extra in vitro — um passo promissor para investigações futuras.

  • Estratificação molecular: Um estudo de 2024 identificou subgrupos moleculares distintos em indivíduos com SD, com base em perfis de expressão imune e celular. Isso sugere que tratamentos personalizados poderão ser desenvolvidos no futuro.

Genômica nutricional

Enquanto as terapias genéticas não estão disponíveis podemos lançar mão de terapias nutricionais. Genes são modulados por nutrientes e compostos bioativos. Um exemplo disto é o uso de EGCG para redução da dismorfia facial em pessoas com T21.

O estudo Green tea extracts containing epigallocatechin‑3‑gallate modulate facial development in Down syndrome (Scientific Reports, 25 Fevereiro 2021) teve como objetivo avaliar o potencial terapêutico do extrato de chá verde contendo EGCG (GTE‑EGCG) para atenuar as dismorfologias faciais associadas à síndrome de Down (SD).

Dismorfia facial (ou dismorfologia facial) é o termo dados às alterações na forma, proporção ou simetria do rosto em comparação com o padrão considerado típico para a idade e etnia de uma pessoa. Essas alterações podem ser sutis ou evidentes, e muitas vezes fazem parte de síndromes genéticas ou distúrbios do desenvolvimento, como é o caso da síndrome de Down.

Exemplos comuns de dismorfias faciais incluem:

  • Rosto mais achatado ou largo que o normal

  • Hipoplasia maxilar (desenvolvimento incompleto do maxilar)

  • Ponte nasal baixa ou achatada

  • Fissuras palpebrais (fendas dos olhos) inclinadas para cima ou para baixo

  • Orelhas de implantação baixa ou de forma incomum

  • Macroglossia (língua aumentada)

  • Prognatismo (mandíbula projetada)

Neste estudo foram acompanhados 287 indivíduos: 63 com SD sem EGCG, 13 com SD com EGCG, 4 mosaicos e 207 controles euploides. O termo "euploide" refere-se a uma pessoa com cariótipo normal, ou seja, com o número padrão de cromossomos — 46 cromossomos em 23 pares, sem nenhuma trissomia (como a do cromossomo 21, que causa a síndrome de Down).

Achados principais

  • 0–3 anos:

    • Sem uso de EGCG → ~57% das distâncias lineares faciais diferiam dos controles.

    • Com uso de EGCG → redução para ~25%, ou seja, rosto das crianças com SD tornou-se visivelmente mais semelhante aos rostos euploides.

  • 4–12 anos: tendência menos clara, resultado misto.

  • 13–18 anos: sem melhora, diferenças mantiveram-se em >50% — indicando que janelas de tratamento precoce são essenciais.

  • Limitações

    • Estudo observacional, com uso ad libitum (auto-medicação), variando marcas, doses e durações.

    • Amostra pequena no grupo tratado (n = 13), sem randomização (aleatorização).

    • Ausência de grupo euploide com tratamento para isolar possíveis efeitos secundários.

Considerações de segurança

  • Dose crítica: alta dose pode piorar o desenvolvimento facial e ósseo em ambos os modelos - como mostrado em camundongos.

  • Risco hepático: EGCG em altas doses pode provocar toxicidade — a EFSA recomenda não exceder ~800 mg/dia em adultos. Em geral utiliza-se o máximo de 9 a 10 mg/kg/dia.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Genética e Ômega-3 no Alzheimer: Quem realmente se beneficia?

O artigo “Omega‑3 fatty acids and blood‑based biomarkers in Alzheimer's disease and mild cognitive impairment: A randomized placebo‑controlled trial” analisou 163 pacientes diagnosticados com comprometimento cognitivo leve (MCI) ou doença de Alzheimer (AD), entre 2013 e 2015, em Taiwan. O objetivo era investigar se diferentes formulações de ômega‑3 – DHA puro (0,7 g/dia), EPA puro (1,6 g/dia) ou combinação de EPA + DHA (0,8 g + 0,35 g/dia) – influenciavam o desempenho cognitivo, mix de marcadores inflamatórios no sangue e perfil bioquímico após 24 meses.

Os participantes foram divididos em quatro grupos: placebo, DHA, EPA, e combinação EPA+DHA. Foram analisados três principais domínios: função cognitiva (avaliada pelo ADAS‑cog), sintomas depressivos, capacidade funcional do dia a dia, e níveis de citocinas inflamatórias (como CCL4) no sangue.

No perfil inflamatório, apenas o grupo EPA mostrou queda significativa no marcador CCL4 (quimiocina pró‑inflamatória), com efeito estatístico robusto (p < 0,001). Não houve diferenças estatisticamente significativas entre os grupos (EPA, DHA, combinação) em relação aos escores gerais de cognição (ADAS‑cog), funções do dia a dia ou humor, comparados ao placebo. Contudo, análises focadas em subitens da ADAS‑cog revelaram resultados positivos pontuais:

  • EPA reduziu significativamente os escores de relação à linguagem falada (p < 0,01) e práxis construtiva (capacidade de reproduzir figuras, p < 0,05).

  • DHA também mostrou redução no item de linguagem falada (p < 0,05)

Nos testes como o ADAS-cog (Alzheimer's Disease Assessment Scale – cognitive subscale), escores mais altos indicam pior desempenho cognitivo. Isso é importante.

Portanto:

  • Reduzir os escores = melhorar o desempenho.

De toda forma, o efeito dos ômega‑3 foi modesto e pode decorrer da variabilidade entre os participantes — diferentes estágios de AD ou MCI, idade, genética etc. Isso dificulta efeitos globais fortes. Outros estudos mostram o papel dos genes na resposta ao ômega-3.

1. O papel do gene APOE – especialmente o alelo ε4

O gene APOE (apolipoproteína E) é um dos principais fatores genéticos associados ao risco de Alzheimer. Existem três variantes principais:

  • APOE ε2 – protetora

  • APOE ε3 – neutra

  • APOE ε4 – aumenta significativamente o risco de Alzheimer

Pessoas com uma ou duas cópias do alelo ε4 tendem a ter:

  • Maior risco de desenvolver Alzheimer

  • Declínio cognitivo mais rápido

  • Resposta mais variável a suplementos como o ômega-3

O Ômega-3 funciona diferente em portadores do APOE ε4.

Os não portadores do ε4 captam DHA no cérebro de forma mais eficiente. Isso acontece porque o APOE ε4 está associado a uma barreira hematoencefálica mais “resistente” à entrada de DHA, além de promover mais inflamação e estresse oxidativo. Assim:

  • Em estudos como o OmegAD e o MAPT, os benefícios cognitivos do ômega-3 foram maiores entre pessoas sem o ε4, especialmente em fases iniciais de comprometimento cognitivo.

  • Em portadores do ε4, talvez sejam necessárias doses mais altas, combinações com antioxidantes, ou formas modificadas de DHA/EPA para ultrapassar a barreira cerebral.

Outros genes relevantes (em menor escala)

Além do APOE, estudos genéticos também investigam variações em genes como:

  • APOA1 (apolipoproteína A1) – principal proteína do HDL (“bom colesterol”) e atua no transporte de lipídios, inclusive DHA/EPA, no sangue e até no cérebro. O ômega-3 (especialmente EPA) aumenta a expressão de APOA1, melhorando o transporte de lipídios e promovendo efeitos anti-inflamatórios. Polimorfismos no gene APOA1 podem alterar a resposta aos ômega-3, impactando o metabolismo lipídico e a eficácia do suplemento no cérebro. O genótipo GG do polimorfismo rs6370 do gene APOA1 é característico de pessoas que respondem bem ao ômega-3. Outras variantes podem ter respostas mais modestas em termos de inflamação ou melhora cognitiva.

  • FADS1/FADS2 – Genes codificadores das enzimas ∆5-desaturase (FADS1) e ∆6-desaturase (FADS2), que transformam ALA (ômega-3 vegetal) em EPA e DHA. Variantes genéticas (polimorfismos) em FADS1/FADS2 determinam a eficiência dessa conversão. Pessoas com variantes de baixa atividade convertem muito pouco ALA em EPA/DHA, precisando de suplementação direta (óleo de peixe, algas etc.).

  • ABCA7 (ATP-binding cassette transporter A7) – Gene para a proteína transportadora envolvida na homeostase lipídica e na remoção de β-amiloide. Variantes de risco no gene ABCA7 reduzem sua função, o que pode aumentar a deposição de placas amiloides e inflamação cerebral. Ômega-3 pode compensar parcialmente isso, modulando expressão lipídica e anti-inflamatória, mas o efeito depende da integridade funcional do gene.

  • TREM2 (Triggering Receptor Expressed on Myeloid Cells 2) – gene essencial para a função das células da microglia, que são “faxineiras” do cérebro. Em portadores de variantes de TREM2 associadas ao Alzheimer, essa modulação pode ser prejudicada. Estudos em camundongos TREM2-mutantes mostram resposta reduzida à suplementação com DHA, possivelmente pela perda da capacidade da microglia de processar lipídios.

Ou seja, nem todos respondem da mesma forma ao ômega-3. Assim, estratégias combinadas são importantes. Quer saber mais sobre sua genética? Marque uma consulta de genômica nutricional.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/