Principais componentes moleculares do relógico circadiano

Entenda como funcionam os principais componentes moleculares do relógio circadiano — CLOCK, BMAL1, E-box, PER e CRY — que regulam os ritmos de 24 horas no corpo por meio de um sistema de feedback transcricional e translacional (um ciclo de ativação e inibição de genes e proteínas).

1. CLOCK e BMAL1 – Os ativadores do relógio

  • O que são: CLOCK (Circadian Locomotor Output Cycles Kaput) e BMAL1 (Brain and Muscle ARNT-Like 1) são fatores de transcrição, ou seja, proteínas que se ligam ao DNA para ativar a expressão de outros genes, como aqueles envolvidos na glicogênese e gliconeogênese.

  • Função: Eles formam um complexo heterodimérico (CLOCK:BMAL1) que se liga a sequências específicas no DNA chamadas E-boxes para ativar a transcrição de genes do relógio, principalmente PER e CRY.

  • Momento do dia: Esse complexo é mais ativo durante o dia, estimulando a produção de proteínas que irão, mais tarde, desligá-lo — fechando o ciclo. Além dos genes de relógio, centenas de outros genes têm expressão circadiana, dependendo do tecido. Incluem:

Os genes da tabela acima, ativados por CLOCK:BMA1, não têm função direta no relógio. São genes-alvo de saída (outputs) que sintonizam processos fisiológicos com o ciclo de 24h. Voltando à regulação da expressão gênica:

2. E-box – A chave de ativação no DNA

  • O que é: A E-box (do nome enhancer box) é uma sequência específica de DNA (geralmente "CACGTG") encontrada nos promotores de genes-alvo.

  • Função: É onde o complexo CLOCK:BMAL1 se liga para iniciar a transcrição de genes como Per (Period) e Cry (Cryptochrome).

  • Importância: Sem a E-box, o ciclo circadiano molecular não funcionaria, pois é o ponto inicial para a produção das proteínas PER e CRY.

3. PER e CRY – Os inibidores do relógio

  • O que são:

    • PER (Period) e CRY (Cryptochrome) são proteínas codificadas pelos genes ativados por CLOCK:BMAL1.

  • Função:

    • À medida que as proteínas PER e CRY são produzidas, elas se acumulam no citoplasma e formam complexos entre si.

    • Após um tempo, migram para o núcleo e inibem a atividade do complexo CLOCK:BMAL1, interrompendo a transcrição de seus próprios genes.

  • Momento do dia: Eles se acumulam à noite e atingem o pico quando reprimem a transcrição no final da noite, reiniciando o ciclo. Alguns genes, como os envolvidos na degradação e limpeza, expressam-se mais à noite. Distúrbios do sono, como a insônia, podem desregular profundamente a expressão de genes controlados pelo relógio circadiano, especialmente no fígado e em outros relógios periféricos.

Resumo do Ciclo Circadiano Molecular:

  1. Manhã/início do dia:

    • CLOCK:BMAL1 se ligam à E-box e ativam os genes Per e Cry, especialmente durante o dia.

    • PER e CRY começam a ser produzidos, mas ainda não estão ativos no núcleo.

  2. Tarde/noite:

    • PER e CRY se acumulam, formam complexos e entram no núcleo.

  3. Noite/final da madrugada:

    • o dímero PER:CRY liga-se às proteínas CLOCK:BMAL1. Esta interação proteína-proteína resulta em mudanças conformacionais ou bloqueio físico, afetando a capacidade do complexo de recrutar coativadores necessários para transcrição.

    • PER e CRY começam a ser degradados, permitindo que CLOCK:BMAL1 volte a funcionar no próximo ciclo.

Por que isso é importante?

Esse ciclo molecular mantém a precisão do ritmo circadiano. Ele está presente em quase todas as células do corpo e regula:

  • Ciclo sono-vigília

  • Temperatura corporal

  • Produção hormonal

  • Metabolismo

  • Comportamento

Qualquer desregulação nesse sistema (por mutações, luz artificial, alimentação irregular, etc.) pode gerar uma dessincronização entre o relógio central (no núcleo supraquiasmático - SCN) e os relógios periféricos (como o do fígado). Isso resulta em desalinhamento temporal e aumenta o risco de inflamação crônica de baixo grau, resistência insulínica, ganho de peso, aumento de cortisol, modificação da regulação epigenéitca.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Creatina e depressão

Você já ouviu falar que creatina pode ir além do ganho de massa muscular? Pesquisas recentes mostram que essa substância também tem um papel importante na saúde mental, especialmente no combate à depressão.

🧠 O que é a creatina?

A creatina é um composto naturalmente produzido pelo corpo e também obtido por meio da alimentação, principalmente de carnes e peixes. No cérebro, ela é essencial para fornecer energia às células nervosas. Alterações nos níveis de creatina podem afetar o funcionamento cerebral e até influenciar o humor.

🔍 O que dizem os estudos?

1. Níveis cerebrais de creatina e depressão

O cérebro é um dos órgãos com maior demanda energética do corpo humano. Apesar de representar apenas cerca de 2% da massa corporal total, ele consome aproximadamente 20% do oxigênio do organismo. Isso se deve à sua estrutura altamente complexa — composta por cerca de 86,1 bilhões de neurônios, além de um número semelhante de células gliais, que oferecem suporte e modulam a função neuronal. Manter essa rede intricada de células exige um suprimento constante e eficiente de energia.

É nesse contexto que a creatina pode exercer um papel fundamental. Amplamente conhecida por seus benefícios no desempenho muscular, a creatina também atua como um reservatório energético no cérebro. Por meio de sua conversão em fosfocreatina, ela ajuda a regenerar rapidamente o ATP — a principal moeda de energia do organismo — especialmente em momentos de alta demanda. A enzima creatina quinase catalisa essa reação reversível, formando um sistema de tamponamento que garante a manutenção da atividade neuronal.

Um estudo com 84 jovens adultos mostrou que menores níveis de creatina no córtex pré-frontal (região relacionada ao controle emocional) estavam associados a maior gravidade dos sintomas depressivos. Isso sugere uma ligação direta entre a energia cerebral e a saúde mental [1].

Ensaios clínicos controlados têm sugerido que a creatina pode aumentar a eficácia dos inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs), especialmente em mulheres, e até acelerar a resposta ao tratamento.

2. Ingestão alimentar de creatina

Análise de dados de mais de 22 mil adultos nos EUA revelou que pessoas que consumiam menos creatina na dieta apresentavam maior risco de depressão. Quem estava no grupo com menor ingestão teve uma taxa de depressão de 10,23%, enquanto no grupo com maior consumo essa taxa foi de apenas 5,98%. [2].

3. Suplementação de creatina e melhora dos sintomas

Um estudo piloto com mulheres usuárias de metanfetamina mostrou que a suplementação com creatina monohidratada levou a uma redução significativa nos sintomas de depressão já nas duas primeiras semanas de uso [3].

Outro estudo com pacientes com depressão resistente ao tratamento também apontou melhora com o uso de creatina. No entanto, em pacientes com transtorno bipolar, a suplementação pode exigir cautela, pois pode haver risco de episódios de mania [4].

4. Creatina e transtorno bipolar

Em pessoas com transtorno bipolar, os níveis de uma enzima relacionada à creatina (creatina quinase) estavam mais elevados nas fases de mania, em comparação às fases depressivas ou de estabilidade, sugerindo que o metabolismo da creatina pode variar conforme o estado de humor. [5].

O que podemos concluir?

Há evidências crescentes de que níveis baixos de creatina — tanto no cérebro quanto na alimentação — estão associados a maior risco e gravidade da depressão. A suplementação com creatina aparece como uma possível estratégia complementar para tratar sintomas depressivos, especialmente em casos específicos.

Porém, mais pesquisas são necessárias para entender completamente como a creatina atua no cérebro e quais são os melhores protocolos de uso para diferentes tipos de depressão. Se você sofre com depressão e está buscando alternativas naturais, marque sua consulta de nutrição.

Referências

1) P Faulkner et al. Relationship between depression, prefrontal creatine and grey matter volume. Journal of psychopharmacology (Oxford, England) (2021). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34697970/

2) AV Bakian et al. Dietary creatine intake and depression risk among U.S. adults. Translational psychiatry (2020). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32066709/

3) TL Hellem et al. Creatine as a Novel Treatment for Depression in Females Using Methamphetamine: A Pilot Study. Journal of dual diagnosis (2015). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26457568/

4) S Roitman et al. Creatine monohydrate in resistant depression: a preliminary study. Bipolar disorders (2007). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/17988366/

5) G Feier et al. Creatine kinase levels in patients with bipolar disorder: depressive, manic, and euthymic phases. Revista brasileira de psiquiatria (Sao Paulo, Brazil : 1999) (2011). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/21829911/

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Síndrome vasovagal e diarreia

Uma crise vasovagal (ou episódio de síncope vasovagal) é uma resposta reflexa súbita do sistema nervoso autônomo que leva a queda de pressão arterial e/ou frequência cardíaca, resultando em tontura, náusea, escurecimento da visão, suor frio e, muitas vezes, desmaio transitório. É a causa mais comum de desmaio em pessoas saudáveis.

Isto acontece pois durante uma crise vasovagal, há superativação do nervo vago, que faz parte do sistema parassimpático. É o que leva a:

  • Diminuição da frequência cardíaca (bradicardia)

  • Dilatação dos vasos sanguíneos (vasodilatação)

  • Queda súbita da pressão arterial, gerando:

    • Tontura

    • Suor frio

    • Náusea

    • Visão turva

Esse processo reduz o fluxo de sangue ao cérebro, levando ao desmaio. Após o desmaio, o corpo geralmente compensa lentamente e a pressão volta ao normal. Porém, em algumas pessoas, especialmente ansiosas ou com disautonomia, pode haver uma hipercompensação, com aumento leve da pressão, que passa rápido. Se os picos de pressão se mantiverem a avaliação cardiológica é necessária.

O que causa essa estimulação exagerada do nervo vago?

Diversos gatilhos podem ativar excessivamente o nervo vago:

  • Estresse emocional intenso (medo, dor, trauma)

  • Ficar muito tempo em pé sem se mover

  • Ambientes quentes

  • Desidratação

  • Procedimentos médicos (injeções, sangue, dor)

  • Esforço para evacuar

Diagnóstico da síndrome vasovagal

O diagnóstico da síndrome vasovagal (ou síncope vasovagal) é baseado em uma avaliação clínica detalhada, exames e, em alguns casos, testes especializados. O objetivo é excluir outras causas de desmaio (como arritmias cardíacas ou doenças neurológicas) e confirmar que a síncope é de fato resultante de uma resposta exagerada do nervo vago.

É importante conversar com seu médico sobre:

  • Frequência e duração dos episódios de desmaio.

  • Gatilhos (ex: ficar em pé por muito tempo, calor excessivo, estresse, dor, ver sangue).

  • Sintomas antes do desmaio (ex: tontura, visão turva, náusea, sensação de calor, diarreia).

  • Histórico médico do paciente (condições pré-existentes como hipertensão, diabetes, doenças cardíacas, etc.).

O médico avaliará sinais vitais (frequência cardíaca, pressão arterial) em diferentes posições (deitado, sentado e em pé) para verificar se há hipotensão postural (queda da pressão ao se levantar) ou outras anomalias.

O exame físico pode incluir um teste de manobra de Valsalva (expiração forçada contra as vias aéreas fechadas), que pode simular a resposta do nervo vago e ajudar a identificar a síncope vasovagal.

Também podem ser solicitados testes diagnósticos, como:

  • Teste de inclinação (Tilt Test): É um dos exames mais comuns para diagnóstico de síncope vasovagal. Consiste em deitar o paciente em uma maca e incliná-lo em diferentes ângulos, monitorando a pressão arterial e a frequência cardíaca. O objetivo é verificar a resposta do corpo a mudanças posturais e identificar se a síncope ocorre devido a uma queda da pressão arterial.

  • Eletrocardiograma (ECG): Realizado para excluir arritmias cardíacas, que também podem causar desmaios. O ECG pode identificar batimentos irregulares ou problemas estruturais no coração.

  • Holter de 24 horas: Monitoramento contínuo da frequência cardíaca durante um período de 24 horas, para verificar se existem alterações no ritmo cardíaco que possam causar a síncope.

  • Ecocardiograma: Em alguns casos, um ecocardiograma pode ser solicitado para avaliar a função cardíaca e excluir problemas estruturais no coração, como válvulas defeituosas ou outras condições que possam causar desmaios.

O diagnóstico da síndrome vasovagal é muitas vezes um diagnóstico de exclusão, ou seja, é feito justamente depois da exclusão de outras causas potenciais de desmaios, como:

  • Arritmias cardíacas (descompasso no ritmo do coração).

  • Hipotensão ortostática (queda de pressão ao se levantar).

  • Acidente vascular cerebral (AVC) ou ataques isquêmicos transitórios (AIT).

  • Distúrbios neurológicos.

  • Hipoglicemia (baixo nível de açúcar no sangue).

Tratamento da síndrome vasovagal

O tratamento de primeira linha envolve:

  • Hidratação adequada (muito importante!)

  • Sal na dieta (se não houver contraindicação)

  • Evitar ficar em pé parado por muito tempo

  • Usar meias de compressão

  • Reconhecer sinais de alerta e deitar com as pernas elevadas antes de desmaiar

  • Manobras físicas (cruzar as pernas, contrair os músculos das coxas quando sentir tontura)

  • Exercícios regulares - Melhora o tônus vascular e a resposta autonômica

  • Terapia para melhoria do quadro emocional

Em casos persistentes são prescritos medicamentos como:

  • Fludrocortisona – ajuda a reter sódio e aumentar volume sanguíneo

  • Midodrina – vasoconstritor usado em casos de hipotensão

  • Betabloqueadores – em casos específicos (usado com cuidado)

  • ISRSs (como fluoxetina ou sertralina) – se houver relação emocional/ansiosa forte

Síndrome vasovagal e intestino

A síndrome vasovagal pode afetar o intestino. O nervo vago faz parte do sistema nervoso parassimpático, que estimula a atividade digestiva. Controla movimentos do intestino (peristaltismo), secreção de enzimas, produção de suco gástrico, e até sensações de náusea e saciedade.

Quando o paciente tem síndrome vasovagal podem ocorrer sintomas, como:

  • Náuseas, cólicas e vontade de evacuar. Em algumas situações, o intestino pode reagir com espasmos ou sensação de “estômago virando”.

  • Enjoo, dor abdominal ou urgência para evacuar, especialmente antes de um episódio vasovagal. Isso ocorre porque o nervo vago é superestimulado, intensificando os sinais digestivos. Algumas pessoas inclusive desmaiam durante evacuação ou esforço no banheiro (síncope defecatória).

  • Diarreia ou movimentos intestinais alterados. A hiperativação parassimpática pode causar aumento do peristaltismo → evacuação mais rápida, às vezes até diarreia leve.

  • Após a crise: intestino pode ficar lento. Depois do pico de estímulo, o sistema pode entrar numa fase de baixa atividade autonômica → o intestino pode ficar mais lento por um tempo.

Muitas pessoas com síndrome vasovagal também tem síndrome do intestino irritável (SII) ou ansiedade com sintomas gastrointestinais — essas condições se sobrepõem porque o eixo cérebro–intestino é regulado em parte pelo nervo vago. Se isso está acontecendo com frequência, vale mencionar ao nutricionista, pois tratar a parte digestiva também ajuda a prevenir crises.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/