Avaliação do metabolismo do triptofano

O metabolismo do triptofano é um processo bioquímico essencial para diversas funções fisiológicas, incluindo a produção de neurotransmissores, a modulação do sistema imunológico e a síntese de vitaminas. O triptofano é um aminoácido essencial obtido através da dieta e pode seguir três principais vias metabólicas:

  1. Via da Serotonina: Cerca de 1-2% do triptofano é convertido em serotonina e, posteriormente, em melatonina. Esta via é importante para o humor, o ciclo do sono e a regulação do apetite.

  2. Via da Quinurenina: Aproximadamente 95% do triptofano é metabolizado nesta via, produzindo intermediários como o ácido quinurênico e a quinolinato. Estes metabólitos influenciam a função neurológica e o sistema imunológico. Além disso, o quinolinato é um precursor do NAD⁺, essencial para o metabolismo energético celular.

  3. Metabolismo Microbiano Intestinal: No intestino, bactérias metabolizam o triptofano em indóis, que podem influenciar a resposta inflamatória e a integridade da barreira intestinal.

Exames de Metabolômica no Estudo do Metabolismo do Triptofano

A metabolômica é uma abordagem avançada que permite a detecção e quantificação de metabólitos em fluidos biológicos (sangue, urina, líquor, fezes). Os exames de metabolômica podem avaliar o metabolismo do triptofano, auxiliando no diagnóstico e monitoramento de doenças como:

  • Transtornos do humor (depressão, ansiedade) → Avaliação da serotonina e seus metabólitos.

  • Distúrbios neurodegenerativos (Alzheimer, Parkinson, Esclerose Múltipla) → Desbalanços na via da quinurenina.

  • Doenças autoimunes e inflamatórias → Alterações em metabólitos imunomoduladores.

  • Microbiota intestinal e saúde digestiva → Produção de indóis e seus efeitos no eixo intestino-cérebro.

A análise do metabolismo do triptofano no exame de urina a seguir revela algumas alterações importantes que podem ter repercussões clínicas e nutricionais.

Principais achados do exame:

  1. 5-Hidroxindolacético Ácido (5-HIAA) - ↓ Baixo (4.1 L, referência: 6.3 - 28.7 nmol/mg creatinina)

    • Este metabólito reflete a degradação da serotonina.

    • Um nível reduzido pode indicar produção deficiente de serotonina, levando a depressão, ansiedade, distúrbios do sono e fadiga.

  2. Antranílico Ácido - ↑ Elevado (20.9 H, referência: < 11.8 nmol/mg creatinina)

    • Está envolvido na via da quinurenina e pode indicar desvio do triptofano para uma resposta inflamatória.

    • Pode estar associado a estresse oxidativo, neuroinflamação e doenças autoimunes.

  3. Ácido Quinolínico - ↑ Elevado (129.9 H, referência: 9.0 - 105.7 nmol/mg creatinina)

    • Metabólito neurotóxico derivado da quinurenina, envolvido na ativação do receptor NMDA.

    • Níveis elevados estão ligados à neuroinflamação, distúrbios cognitivos, fadiga crônica e depressão.

  4. Ácido Picolínico - Indetectável (<DL, referência: < 4.0 nmol/mg creatinina)

    • Esse ácido tem papel protetor e auxilia na regulação do metabolismo do zinco.

    • Um nível reduzido pode estar relacionado a déficits imunológicos e menor conversão de triptofano em NAD+ (energia celular).

  5. Triptofano - Dentro da faixa normal (40.7 nmol/mg creatinina, referência: 10.5 - 68.7)

    • A quantidade total de triptofano não parece estar comprometida, mas seu metabolismo pode estar desregulado.

Repercussões clínicas:

  • Baixos níveis de serotonina → Risco aumentado de depressão, ansiedade, insônia, fadiga e alterações de humor.

  • Excesso de ácido quinolínico → Pode causar neuroinflamação, névoa mental, fadiga crônica e declínio cognitivo.

  • Desvio da via do triptofano para quinurenina → Indica possível ativação da resposta inflamatória crônica, podendo estar relacionada a doenças autoimunes, estresse oxidativo e envelhecimento acelerado.

Possível tratamento nutricional

1. Aumentar a conversão de triptofano em serotonina

✅ Suplementação de cofatores essenciais:

  • Vitamina B6 (P5P) – Essencial para a conversão de triptofano em serotonina. (Fontes: banana, grão-de-bico, frango, salmão)

  • Magnésio – Cofator para enzimas envolvidas na produção de serotonina e melatonina. (Fontes: sementes de abóbora, espinafre, amêndoas)

  • Zinco – Pode melhorar a conversão do triptofano na via serotoninérgica. (Fontes: ostras, carne vermelha, castanhas)

✅ Apoiar a síntese de serotonina com L-triptofano ou 5-HTP

  • 5-HTP (100-200 mg/dia, sob orientação médica) pode ajudar a aumentar os níveis de serotonina.

  • L-triptofano (500-1000 mg/dia antes de dormir) pode auxiliar na produção de serotonina e melatonina.

2. Reduzir a neuroinflamação e o metabolismo quinurenina → ácido quinolínico

✅ Modular a inflamação com antioxidantes e anti-inflamatórios naturais:

  • Resveratrol – Ajuda a reduzir a inflamação e o excesso de ácido quinolínico. (Fontes: uvas roxas, vinho tinto)

  • Curcumina (açafrão-da-terra) – Antioxidante potente que reduz neuroinflamação.

  • Ácidos graxos ômega-3 – Moduladores da inflamação cerebral. (Fontes: peixes gordurosos, sementes de linhaça e chia)

✅ Equilibrar a microbiota intestinal

  • Probióticos e prebióticos podem ajudar a regular a conversão de triptofano e reduzir a inflamação sistêmica.

3. Melhorar a via do ácido picolínico

✅ Apoiar a produção de NAD+ (fundamental para energia celular e função cognitiva):

  • Niacina (Vitamina B3) – Auxilia na conversão do triptofano em NAD+. (Fontes: frango, atum, cogumelos)

  • Riboflavina (Vitamina B2) – Necessária para a enzima quinurenina mono-oxigenase. (Fontes: leite, ovos, vegetais verdes)

Conclusão

O exame sugere um desvio do metabolismo do triptofano para a via inflamatória (quinurenina → ácido quinolínico), com baixa conversão em serotonina. Isso pode contribuir para sintomas de fadiga, alterações de humor, inflamação e déficit cognitivo. Precisa de ajuda? Marque aqui sua consulta de nutrição de precisão.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Doenças do ciclo da ureia

O artigo "Urea Cycle Disorders: A Life-Threatening Yet Treatable Cause of Metabolic Encephalopathy in Adults" trata dos distúrbios do ciclo da ureia. Estas condições metabólicas raras são potencialmente fatais e identificadas frequentemente na infância. São caracterizadas pela incapacidade do organismo de eliminar adequadamente a amônia (NH₃). Isso ocorre devido à deficiência de enzimas (1 a 5) envolvidas no ciclo da ureia, levando ao acúmulo de amônio no sangue, o que pode causar encefalopatia metabólica.

Blair, Cremer, & Tchan, 2014


Ciclo da ureia

O ciclo da ureia é essencial para converter a amônia (NH₃), um subproduto do metabolismo de proteínas, em ureia, que é excretada na urina. Nos distúrbios do ciclo da ureia, há falhas em uma das enzimas que facilitam esse processo, resultando em um acúmulo de amônia. A encefalopatia metabólica é um dos principais sintomas desses distúrbios, afetando principalmente o sistema nervoso central e causando sintomas como confusão, convulsões, coma e até morte.

Embora os distúrbios do ciclo da ureia sejam frequentemente diagnosticados na infância, também podem se manifestar em adultos. Esses casos são mais difíceis de diagnosticar devido à falta de familiaridade com a condição em pacientes adultos, além da possibilidade de sintomas serem confundidos com outras doenças neurológicas.

O tratamento adequado envolve a redução dos níveis de amônia por meio de diálise ou medicamentos que promovem a eliminação do excesso deste ânion. A intervenção precoce é crucial, e, se tratada de forma eficaz, a condição pode ser gerida, permitindo que os pacientes tenham uma boa qualidade de vida.

A Figura acima ilustra o ciclo da ureia, mostrando o caminho metabólico pelo qual a amônia é convertido em ureia. A figura destaca as enzimas-chave envolvidas nesse ciclo, como:

  1. Carbamilfosfato sintetase 1 (CPS1): enzima que catalisa o primeiro passo do ciclo, convertendo amônio e bicarbonato em carbamilfosfato.

  2. Ornitina transcarbamilase (OTC): enzima responsável pela formação de citrulina a partir de carbamilfosfato. O aumento de citrulina pode ser minimizado com a suplementação de vitamina B1.

  3. Argininosuccinato sintase (ASS1), Argininosuccinato liase (ASL), e Argenina: outras enzimas que, em sequência, transformam citrulina em arginina, culminando na formação de ureia que é excretada na urina.

Em adultos as versões das doenças são mais leves do que aquelas diagnosticadas na infância. Sintomas comuns incluem névoa cerebral (confusão mental), fadiga, dificuldade de concentração, sonolência excessiva, alterações de humor, ansiedade e depressão, dores de cabeça frequentes, crises convulsivos (casos graves), náuseas e vômitos, perda de apetite, dores abdominais difusas, intolerância a proteínas (sensação de mal estar após consumo de carnes), fraqueza muscular.

O ciclo da ureia pode ser avaliado por meio de exames metabolômicos de urina. Exemplo de resultado de paciente:

No resultado acima a homocitrulina está elevada, podendo indicar um possível defeito no metabolismo da ornitina ou um comprometimento na conversão de citrulina em argininosuccinato. Pode estar relacionada a alterações na argininosuccinato sintetase ou outros distúrbios do ciclo da ureia. Possíveis tratamentos:

  1. Dieta com restrição de proteínas para reduzir a produção de amônia.

  2. Suplementação de arginina ou citrulina (dependendo do distúrbio específico) para otimizar a eliminação de amônia. Esta é a estratégia mais importante.

  3. Medicações como benzoato de sódio ou fenilbutirato, que ajudam na eliminação de nitrogênio.

  4. Monitoramento dos níveis de amônia no sangue para prevenir complicações neurológicas.

  5. Investigação genética para avaliar possíveis mutações nos genes associados ao ciclo da ureia.

Se houver sintomas clínicos associados ou níveis elevados de amônia, é essencial acompanhamento com médico geneticista, nutricionista especialista em genômica ou especialista em metabolismo para um manejo adequado.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/