GIP e GLP-1

Hormônios produzidos em resposta ao consumo de alimentos. Estimulam a secreção de insulina. GIP é produzido no intestino delgado proximal e GLP-1 (Peptídio Similar ao Glucagon-like 1) é produzido no intestino delgado distal. Diabéticos secretam menso GLP1 e GIP.

  • GLP-1 diminui apetite, aumenta a secreção de insulina, reduz glucagon e atrasa o esvaziamento gástrico.

  • GIP - reduz fome e vontade de comer, aumenta gasto energético.

Análogos de GLP-1 (Peptídeo Similar ao Glucagon-like 1)

Os análogos de GLP-1 são medicamentos que imitam a ação do GLP-1 (peptídeo semelhante ao glucagon-like 1), um hormônio gastrointestinal que desempenha um papel importante na regulação do metabolismo da glicose e na função do sistema digestivo. São usados principalmente no tratamento do diabetes tipo 2 e, em alguns casos, na perda de peso em pessoas com obesidade. Eles têm se mostrado eficazes no controle glicêmico e na promoção da perda de peso, além de oferecerem benefícios cardiovasculares.

Principais Análogos de GLP-1

  1. Exenatida (Byetta, Bydureon)

    • A exenatida foi um dos primeiros análogos de GLP-1 a ser aprovado para o tratamento do diabetes tipo 2. Ela imita a ação do GLP-1, estimulando a secreção de insulina em resposta a altos níveis de glicose. A forma de liberação prolongada (Bydureon) permite uma administração semanal.

  2. Liraglutida (Victoza, Saxenda)

    • Liraglutida é um análogo de GLP-1 de ação prolongada que ajuda a controlar os níveis de glicose no sangue, além de reduzir o apetite. Ele está disponível tanto para o tratamento de diabetes tipo 2 (Victoza) quanto para o controle de peso em pessoas com sobrepeso ou obesidade (Saxenda). Liraglutida tem mostrado benefícios significativos na redução de peso e controle glicêmico.

      • Dose de uso diária, 0,6mg ao dia e manutenção de 1,2 mg ao dia para controle de glicemia e 1,8mg ao dia para controle do peso.

  3. Dulaglutida (Trulicity)

    • Dulaglutida é um análogo de GLP-1 de longa duração, administrado uma vez por semana. Ele tem a capacidade de reduzir os níveis de glicose no sangue e promover a perda de peso, além de apresentar um perfil de segurança favorável para pacientes com diabetes tipo 2.

      • Dose: 0,75 mg uma vez por semana até 1,5 mg uma vez por semana

  4. Semaglutida (Ozempic, Wegovy)

    • Semaglutida é outro análogo de GLP-1 de ação prolongada, que pode ser administrado semanalmente. Ozempic é aprovado para o tratamento do diabetes tipo 2, enquanto Wegovy é usado para o controle de peso em pessoas com obesidade. Semaglutida tem demonstrado grandes benefícios tanto no controle glicêmico quanto na redução significativa de peso. Quando semaglutida é combinada com sulfa ou insulina há risco de hipoglicemia. Reduzir a dose de sulfa.

      • Injetável (ozempic) 0,25 mg 1 vez por semana e manutenção 0,5 a 1,0 mg uma vez por semana.

      • Dose oral (rybelsus) de 3 mg/dia até 7 a 14 mg/dia, titrada lentamente. Sema oral é melhor que Lira injetável para controle da glicemia e perda de peso.

  5. Lixisenatida (Lyxumia)

    • Lixisenatida é um análogo de GLP-1 utilizado para controlar os níveis de glicose em pacientes com diabetes tipo 2. É administrado diariamente e também ajuda na redução de peso devido ao seu efeito sobre a saciedade.

Mecanismo de Ação

Os análogos de GLP-1 imitam a ação do GLP-1 natural, ligando-se aos receptores GLP-1 nas células do pâncreas, estimulando a liberação de insulina quando os níveis de glicose estão elevados, e inibindo a liberação de glucagon (hormônio que aumenta a glicose no sangue). Além disso, eles retardam o esvaziamento gástrico e ajudam a promover a sensação de saciedade, o que pode ajudar na redução do apetite e, consequentemente, na perda de peso.

Benefícios e Efeitos

  • Controle glicêmico eficaz: Ao estimular a secreção de insulina apenas quando necessário e reduzir a produção de glicose pelo fígado, esses medicamentos ajudam a controlar os níveis de glicose no sangue.

  • Perda de peso: Muitos pacientes experimentam perda de peso devido ao efeito da saciedade e ao retardo do esvaziamento gástrico.

  • Benefícios cardiovasculares: Estudos demonstraram que os análogos de GLP-1, como liraglutida e semaglutida, podem reduzir o risco de eventos cardiovasculares, como infarto e acidente vascular cerebral (AVC), em pacientes com diabetes tipo 2.

  • Baixo risco de hipoglicemia: Como a insulina é secretada de forma dependente da glicose, o risco de hipoglicemia é menor em comparação com outros medicamentos hipoglicemiantes.

Efeitos Colaterais

Embora os análogos de GLP-1 sejam geralmente bem tolerados, alguns efeitos colaterais podem ocorrer, incluindo:

  • Náusea e vômito (especialmente no início do tratamento).

  • Diarreia.

  • Dor abdominal.

  • Reações no local da aplicação (para formas injetáveis).

Em casos raros, pode haver risco aumentado de pancreatite (inflamação do pâncreas), e há relatos de preocupações sobre o aumento do risco de câncer de tireoide, embora esses efeitos não tenham sido confirmados de forma consistente em todos os estudos. O acompanhamento médico é fundamental.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

SINALIZAÇÃO INSULÍNICA NO CÉREBRO

A sinalização da insulina desempenha um papel crucial na distribuição de nutrientes, regulando o metabolismo tanto de forma sistêmica quanto específica de órgãos. A resistência à insulina no cérebro, que pode ser desencadeada pela superalimentação, é um fator importante no desenvolvimento da obesidade, resistência à insulina, pré-diabetes e diabetes tipo 2 (T2DM). Esse tipo de resistência cerebral à insulina pode afetar negativamente a ação da insulina e prejudicar o metabolismo de glicose, lipídios e aminoácidos em vários tecidos periféricos, especialmente no fígado e no tecido adiposo.

A sinalização de insulina no cérebro ocorre através dos receptores de insulina, que estão presentes em várias regiões cerebrais, como o hipotálamo e o córtex cerebral. A insulina no fluido cerebrospinal (LCR) reflete os níveis circulantes no plasma, mas o transporte de insulina para o cérebro é reduzido em condições como obesidade, diabetes tipo 2 e doenças neurodegenerativas, o que pode contribuir para a resistência à insulina no cérebro e agravar doenças metabólicas, envelhecimento e condições neurodegenerativas.

Resistência à Insulina no Cérebro: Impactos no Metabolismo e na Saúde Mental

A resistência à insulina no cérebro é definida como a redução das ações fisiológicas da insulina no SNC. Esse fenômeno pode ocorrer devido ao transporte diminuído de insulina pela barreira hematoencefálica (BHE) ou por falhas na sinalização molecular dos receptores de insulina ou IGF. Importante notar que a resistência à insulina cerebral pode estar presente mesmo quando a sinalização celular não está comprometida. Isso ocorre porque a ação fisiológica da insulina pode ser prejudicada, mesmo com a sinalização celular intacta.

A resistência à insulina pode surgir de diversas maneiras. Por exemplo, o aumento de proteínas fosfatases (como PTP1B) pode desfosforilar os receptores de insulina, impedindo sua ativação. Além disso, a sobrealimentação e a inflamação no hipotálamo têm mostrado reduzir a sinalização neuronal de insulina. Em obesidade, a diminuição da expressão dos receptores de insulina nos tecidos periféricos também pode ocorrer, embora ainda não se saiba ao certo como esses mecanismos afetam a resistência à insulina no cérebro.

As consequências da resistência à insulina cerebral podem ser tanto metabólicas quanto cognitivas. Além da dificuldade de regular o metabolismo, a resistência à insulina pode afetar o humor e a cognição. Triggers iniciais para a resistência insulínica cerebral ainda são pouco compreendidos, mas sabe-se que níveis elevados de ácidos graxos circulantes e a ativação de células microgliais e astrócitos, que liberam citocinas inflamatórias, podem prejudicar a sinalização da insulina nos neurônios.

Outros mecanismos implicados incluem o estresse no retículo endoplasmático e a maior expressão de reguladores negativos da sinalização da insulina, como SOCS3, p70-S6 quinase e PKCθ, que são ativados por uma dieta rica em calorias.

Funções Fisiológicas da Ação da Insulina no Cérebro

A insulina secretada pelo pâncreas atravessa a barreira hematoencefálica (BHE) para se ligar aos receptores de insulina expressos em várias regiões do cérebro. A insulina pode atuar como um sinal anoréxico, mas, mais importante ainda, ela regula a distribuição de nutrientes nos órgãos periféricos, como o tecido adiposo e o fígado, através do sistema nervoso autônomo.

Essa ação da insulina no cérebro controla uma série de processos metabólicos cruciais, incluindo:

  • Lipólise e Lipogênese: Regulação da quebra e formação de lipídios no tecido adiposo.

  • Captação de Ácidos Graxos: Influencia a absorção de ácidos graxos pelos tecidos.

  • Secreção de Triglicerídeos Hepáticos: Regula a liberação de triglicerídeos pelo fígado.

  • Metabolismo de Aminoácidos de Cadeia Ramificada (BCAA): Controla o uso e a conversão desses aminoácidos essenciais.

  • Termogênese: Modulação da produção de calor no tecido adiposo marrom.

  • Produção Hepática de Glicose: Diminui a produção de glicose pelo fígado.

Essas ações da insulina no cérebro ajudam a prevenir a lipotoxicidade, um fenômeno associado ao acúmulo excessivo de lipídios nos tecidos. A insulina exerce esses efeitos tanto por meio do sistema nervoso periférico (PNS) quanto pelo sistema nervoso simpático (SNS), coordenando as funções metabólicas em todo o corpo.

Excesso de calorias e resistência insulínica cerebral

A sobrealimentação e a obesidade causam resistência à insulina no cérebro e hiperinulinemia sistêmica, em parte devido à redução e saturação do transporte de insulina através da barreira hematoencefálica (BHE). A falha na ação da insulina no cérebro resulta em lipólise descontrolada no tecido adiposo branco, contribuindo para a lipotoxicidade. Além disso, a exportação de triglicerídeos pelo fígado torna-se inadequada para compensar o aumento do influxo lipídico proveniente do tecido adiposo branco, devido à predominância da ação periférica da insulina no fígado.

Esse desequilíbrio entre a sinalização periférica e central da insulina favorece a lipogênese de novo e reduz a secreção de triglicerídeos hepáticos. Por outro lado, a secreção de lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL), facilitada pela sinalização da insulina cerebral, também é diminuída. Assim, a resistência à insulina no cérebro desempenha um papel importante no desenvolvimento de esteatose hepática induzida pela sobrealimentação e disfunção do tecido adiposo, o que, por sua vez, prejudica a homeostase da glicose.

Esse processo evidencia como a falha na sinalização da insulina no cérebro pode afetar gravemente o metabolismo periférico, exacerbando condições como a doença hepática gordurosa não alcoólica (NAFLD) e promovendo um ciclo vicioso de desequilíbrio metabólico.

Durante a evolução dos mamíferos, especialmente nas idades do gelo, fatores como exposição ao frio, fome e infecções eram estressores comuns e causas principais de mortalidade. A prevenção da hipoglicemia foi crucial para a sobrevivência, uma vez que o cérebro depende do glicose como fonte de energia. Nesse contexto, a resistência à insulina no cérebro pode ser vista como uma adaptação fisiológica para manter a euglicemia (níveis normais de glicose no sangue), ao aumentar a lipólise no tecido adiposo e promover a produção hepática de glicose (hGP). Esse processo provavelmente foi essencial para a sobrevivência quando os nutrientes eram escassos.

Nos dias atuais, no entanto, a sobrealimentação, o estilo de vida sedentário e, possivelmente, o estresse social, a interrupção da ritmicidade circadiana e o envelhecimento têm promovido a resistência à insulina cerebral como uma resposta maladaptativa. Essa resistência resulta em desregulação do sistema nervoso autônomo e, eventualmente, em deposição ectópica de lipídios e glucolipotoxicidade, o que contribui ainda mais para a resistência à insulina sistêmica. Esse ciclo vicioso reflete uma adaptação evolutiva que, em um ambiente moderno com abundância de alimentos e menos necessidades de sobrevivência, se torna prejudicial para a saúde metabólica.

Consequências da Resistência à Insulina no Cérebro

A resistência à insulina no cérebro pode ter uma série de consequências negativas para a saúde metabólica, cognitiva e emocional. Entre as principais consequências estão:

  1. Disfunção Metabólica: A resistência à insulina no cérebro impede a regulação eficiente do metabolismo de glicose e lipídios. Isso pode levar a um aumento na lipólise (quebra de gordura) no tecido adiposo, contribuindo para o acúmulo de lipídios no fígado (esteatose hepática) e outros tecidos, o que resulta em lipotoxicidade. Esse processo pode agravar problemas como a obesidade, resistência à insulina sistêmica e diabetes tipo 2.

  2. Prejuízo no Controle da Glicose: Quando a sinalização de insulina no cérebro é comprometida, o corpo tem mais dificuldade em manter os níveis adequados de glicose no sangue, levando a um aumento nos níveis de glicose circulante, que é um dos principais fatores para o desenvolvimento de diabetes tipo 2.

  3. Alterações Cognitivas e Emocionais: A resistência à insulina cerebral também pode impactar a função cognitiva e o humor. Estudos indicam que a resistência à insulina no cérebro pode estar associada a problemas como perda de memória, dificuldades de aprendizagem e até mesmo distúrbios psiquiátricos, como depressão.

  4. Disfunção do Sistema Nervoso Autônomo: A sinalização da insulina no cérebro é crucial para o funcionamento do sistema nervoso autônomo, que regula funções vitais como a pressão arterial, a frequência cardíaca e a digestão. A resistência à insulina pode levar a uma desregulação desse sistema, contribuindo para problemas como hipertensão e distúrbios cardíacos.

Tratamento da Resistência à Insulina Cerebral

O tratamento da resistência à insulina no cérebro envolve uma abordagem multifacetada, que combina mudanças no estilo de vida, intervenções farmacológicas e estratégias para melhorar a sinalização da insulina. Algumas das abordagens mais eficazes incluem:

  1. Mudanças na Alimentação:

    • Dieta balanceada: A adoção de uma dieta rica em nutrientes e pobre em carboidratos refinados e gorduras saturadas pode ajudar a melhorar a resistência à insulina. Dietas com baixo índice glicêmico, como a dieta mediterrânea, são frequentemente recomendadas para ajudar a regular os níveis de glicose e insulina.

    • Jejum intermitente: Alguns estudos sugerem que o jejum intermitente pode ajudar a melhorar a sensibilidade à insulina e reduzir a resistência à insulina cerebral, ao diminuir a inflamação e melhorar a função metabólica.

  2. Exercício Físico:

    • Atividade física regular: O exercício físico é um dos tratamentos mais eficazes para melhorar a resistência à insulina, especialmente o treinamento aeróbico e o treinamento de força. O exercício aumenta a captação de glicose pelos músculos, reduz a gordura corporal e melhora a sinalização da insulina, tanto no cérebro quanto nos tecidos periféricos.

  3. Tratamentos Farmacológicos:

    • Medicamentos que aumentam a sensibilidade à insulina: Fármacos como a metformina, frequentemente usados no tratamento de diabetes tipo 2, podem ajudar a melhorar a sensibilidade à insulina em todo o corpo, incluindo o cérebro.

    • Fármacos anti-inflamatórios: Como a resistência à insulina cerebral está frequentemente associada à inflamação, o uso de medicamentos anti-inflamatórios, como os inibidores da COX-2, pode ajudar a melhorar a função da insulina no cérebro.

  4. Redução do Estresse e Melhora na Qualidade do Sono:

    • Controle do estresse: Técnicas de manejo do estresse, como meditação, yoga e mindfulness, podem ser eficazes para reduzir a resistência à insulina, pois o estresse crônico pode exacerbar a inflamação e prejudicar a sinalização da insulina.

    • Melhoria do sono: O sono inadequado também está associado à resistência à insulina. Garantir uma boa qualidade de sono, com a manutenção de um ciclo circadiano regular, pode ajudar a melhorar a função da insulina e reduzir os riscos de resistência insulínica cerebral.

  5. Suplementação Nutricional:

    • Ácidos graxos ômega-3: Suplementos de ômega-3 têm mostrado efeitos benéficos na melhora da resistência à insulina, especialmente ao reduzir a inflamação no cérebro e no corpo.

    • Vitamina D: A deficiência de vitamina D tem sido associada à resistência à insulina. A suplementação pode ajudar a melhorar a sensibilidade à insulina, inclusive no cérebro.

  6. Intervenções Inovadoras:

    • Pesquisas estão em andamento para desenvolver terapias que possam restaurar diretamente a sinalização da insulina no cérebro, incluindo o uso de agentes que melhorem a captação de insulina pela barreira hematoencefálica ou que modulam a função do sistema nervoso simpático e periférico.

Em resumo, o tratamento da resistência à insulina cerebral envolve uma combinação de estratégias para melhorar a alimentação, aumentar a atividade física, reduzir o estresse, melhorar o sono e, quando necessário, usar intervenções farmacológicas. O objetivo é restaurar a sinalização adequada da insulina no cérebro, melhorar o metabolismo e prevenir ou tratar condições metabólicas associadas, como a obesidade e o diabetes tipo 2.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Intestino e transtorno bipolar

Os transtornos bipolares (TB) são doenças psiquiátricas complexas e graves, caracterizadas por flutuações de humor cíclicas, que incluem fases de mania (ou hipomania) e depressão. O transtorno bipolar tipo 1 envolve episódios de mania e depressão, enquanto o tipo 2 é marcado por episódios depressivos e hipomaníacos, sem mania. Existem também episódios com “características mistas”, quando sintomas de mania ou hipomania ocorrem durante a depressão e vice-versa.

Flutuações de humor característias no transtorno bipolar tipo 1 e tipo 2 (Ortega et al., 2023)

O transtorno bipolar é uma das principais causas de incapacidade no mundo e afeta mais mulheres, com elas apresentando ciclos mais rápidos e manifestações misturadas de mania. Além disso, os pacientes com TB enfrentam um risco elevado de comorbidades psiquiátricas, como transtornos de ansiedade e abuso de substâncias, além de um aumento significativo do risco de suicídio, que atinge cerca de 23-26% dos pacientes.

Etiopatogênese do Transtorno Bipolar

A causa do TB ainda não é totalmente compreendida, mas acredita-se que seja uma combinação de fatores genéticos, ambientais e psicossociais. A hereditariedade parece seguir um padrão complexo, com múltiplos loci de susceptibilidade. Além disso, fatores ambientais como infecções virais podem influenciar o curso da doença. A epigenética desempenha um papel importante, com modificações no DNA e histonas sendo consideradas chave no desenvolvimento do transtorno.

Em nível molecular, alterações no sinal de cálcio e na regulação de neurotransmissores, como serotonina, dopamina e norepinefrina, estão fortemente associadas ao TB. Essas disfunções são refletidas em mudanças estruturais e funcionais no cérebro, que afetam o processamento de emoções e a regulação do comportamento. Estudos também revelam que pacientes com TB apresentam redução da neuroplasticidade e neurogênese.

Além disso, a inflamação crônica de baixo grau, disfunções mitocondriais e alterações no ritmo circadiano também são características observadas em pessoas com TB, sugerindo um envelhecimento precoce. A disfunção do eixo microbiota-intestino-cérebro (MGB) também tem sido estudada como um fator importante na patogênese do transtorno. A microbiota intestinal, composta por trilhões de microrganismos, interage diretamente com o sistema nervoso e o sistema imunológico, influenciando processos metabólicos e comportamentais.

A desregulação da microbiota intestinal pode estar ligada à inflamação de baixo grau e a uma variedade de condições patológicas, incluindo distúrbios psiquiátricos como o TB. O eixo MGB é uma via bidirecional, onde sinais do intestino influenciam o cérebro e vice-versa, com implicações significativas para o entendimento e tratamento do transtorno bipolar. Estudos sobre como a microbiota intestinal afeta o curso do TB e o impacto da farmacoterapia na microbiota estão em andamento, abrindo novas oportunidades para abordagens terapêuticas promissoras.

Redução da diversidade microbiana intestinal e mudanças na abundância são observados no TB (Ortega et al., 2023)

Translocação Bacteriana e Sua Relação com o Transtorno Bipolar (TB)

A microbiota intestinal tem um papel crucial na regulação da permeabilidade intestinal, afetando a função da barreira mucosa. Quando ocorre disbiose (desequilíbrio microbiano), essa função pode ser comprometida, levando à translocação de bactérias e produtos bacterianos para a corrente sanguínea, o que contribui para estados crônicos pró-inflamatórios. Esses desequilíbrios podem impactar tanto o sistema nervoso central (SNC) quanto a resposta imunológica, resultando em doenças sistêmicas. Há também uma conexão bidirecional entre o cérebro e o intestino, onde lesões no SNC podem desencadear danos intestinais.

Evidências crescentes sugerem que a microbiota intestinal de pacientes com transtorno bipolar (TB) pode sofrer alterações, com sinais de translocação bacteriana, como o aumento de anticorpos anti-Saccharomyces cerevisiae. Embora esses anticorpos não se correlacionem diretamente com a gravidade dos sintomas ou com o tratamento farmacológico, sua presença é relevante. Outros indicadores, como o CD14 solúvel e anticorpos contra a gliadina, também estão elevados em pacientes com TB, especialmente durante a fase maníaca, e estão associados a maiores taxas de rehospitalização.

Inflamação Intestinal e Sistêmica em TB

A inflamação intestinal é um dos principais fatores responsáveis pela deterioração da barreira intestinal, favorecendo a translocação bacteriana e a ativação do sistema imunológico. Citocinas pró-inflamatórias, como TNF-α, IL-1β e IL-18, são potentes mediadoras da inflamação intestinal, e sua elevação está associada ao aumento da permeabilidade intestinal, o que exacerba a inflamação sistêmica. Pacientes com TB apresentam níveis alterados dessas citocinas, e algumas, como IL-6, foram sugeridas como marcadores de episódios maníacos.

Estudos revelam que a inflamação sistêmica em pacientes com TB pode ser contínua, com alterações significativas nos níveis de citocinas e proteínas inflamatórias, como a proteína C-reativa (CRP). Além disso, pacientes com TB apresentam maior risco de comorbidades inflamatórias. Mesmo em fases de estabilização (eutimia), essas alterações imunes ainda são observadas, sugerindo que a inflamação é uma característica constante do transtorno.

Neuroinflamação e o Eixo Hipotálamo-Pituitária-Adrenal (HPA)

Fatores envolvidos na neuroinflamação no TB (Ortega et al., 2023)

A neuroinflamação, caracterizada pela ativação de microglia e astrócitos no sistema nervoso central (SNC), está fortemente associada ao TB. A ativação dessas células leva à liberação de citocinas e radicais livres, exacerbando a neuroinflamação e comprometendo a plasticidade neural. O aumento da inflamação no cérebro está relacionado à disfunção da barreira hematoencefálica (BHE), que se torna mais permeável, facilitando a entrada de toxinas e substâncias inflamatórias, o que impacta a função cerebral.

A hiperatividade do eixo HPA, responsável pela liberação de cortisol, também é observada em pacientes com TB. O excesso de cortisol está associado ao desenvolvimento de sintomas depressivos e ao risco aumentado de recaídas e déficits cognitivos. Além disso, estudos indicam que a inflamação crônica e os danos mitocondriais podem prejudicar a função cerebral, exacerbando a neuroinflamação e favorecendo o desenvolvimento do TB.

Impacto do Estresse e Distúrbios do Sono

O estresse é um gatilho importante para a ativação da neuroinflamação em pacientes com TB. A resposta imunológica ao estresse está associada ao aumento da produção de citocinas e à disfunção do eixo HPA. Além disso, a falta de sono adequado, comum em pacientes com TB, pode agravar a ativação imunológica e a neuroinflamação. A desregulação circadiana, que afeta os mecanismos antioxidantes celulares, pode contribuir para o aumento do estresse oxidativo e da inflamação, exacerbando os sintomas do transtorno.

Ações Neuromodulatórias da Microbiota Intestinal no Transtorno Bipolar (BD)

A microbiota intestinal desempenha um papel significativo na neuromodulação do Transtorno Bipolar (BD) por meio de mecanismos diretos e indiretos. Essas atividades envolvem a síntese e degradação de neurotransmissores, bem como a produção de metabólitos microbianos que influenciam várias funções fisiológicas.

1. Ações Diretas da Microbiota Intestinal na Neurotransmissão

A desregulação de neurotransmissores, particularmente de GABA, glutamato, serotonina, dopamina, norepinefrina e acetilcolina, é uma característica marcante do BD. A microbiota intestinal age como moduladora desses neurotransmissores, seja sintetizando-os ou afetando seu metabolismo. Por exemplo:

  • Serotonina: Embora algumas bactérias intestinais possam produzir serotonina, o principal mecanismo envolve a estimulação das células enteroendócrinas (EECs), que contribuem para a síntese de serotonina. Esse processo é principalmente impulsionado por bactérias formadoras de esporos.

  • Glutamato e GABA: A microbiota intestinal, incluindo espécies como Coryneform e bactérias ácido-lácticas (LAB), produz glutamato, que pode influenciar as EECs e o nervo vago. O GABA é sintetizado a partir do glutamato pela enzima glutamato descarboxilase, e cepas específicas de Lactobacillus são importantes produtoras de GABA.

  • Dopamina e Norepinefrina: Uma série de bactérias contribui para a produção dessas monoaminas, embora mais pesquisas sejam necessárias para entender completamente o mecanismo.

  • Histamina: Um grande número de bactérias são produtoras de histamina, que pode atuar como neurotransmissor. Alterações nos níveis de histamina no BD são hipotetizadas como associadas a mudanças nos estados de humor e nos ciclos de sono-vigília.

2. Ácidos Graxos de Cadeia Curta (SCFAs)

Os SCFAs, principalmente butirato, propionato e acetato, são produzidos pelas bactérias intestinais durante a fermentação de fibras alimentares e outros substratos. Esses ácidos graxos são cruciais para a manutenção da saúde intestinal e têm vários efeitos sistêmicos, incluindo:

  • Regulação Metabólica e do Sistema Imune: Os SCFAs atuam como reguladores epigenéticos e possuem propriedades anti-inflamatórias, influenciando as respostas imunes e a permeabilidade intestinal. Sua redução no BD pode contribuir para o aumento da inflamação intestinal.

  • Neuroinflamação e Função Cerebral: Os SCFAs podem atravessar a barreira hematoencefálica (BHE) e exercer efeitos neuroprotetores, melhorando a função neuronal e reduzindo a neuroinflamação. Níveis mais baixos de bactérias produtoras de butirato no BD estão associados a disfunções no eixo microbiota-intestino-cérebro (MGB).

3. Metabolismo do Triptofano-Kynurenina

O triptofano é um aminoácido essencial com múltiplos destinos metabólicos e crucial na resposta ao perigo celular, sendo a microbiota intestinal um modulador de suas vias metabólicas:

  • Serotonina e Tryptamina: O metabolismo do triptofano no intestino leva à produção de serotonina, que impacta a função cerebral e pode modular as vias serotoninérgicas centrais.

  • Via Kynurenina: O metabolismo do triptofano pela via kynurenina pode produzir compostos neuroativos como o ácido quinurênico (KYNA), com propriedades neuroprotetoras, ou o ácido quinolínico (QA), neurotóxico. Desbalanceamentos nessa via, incluindo níveis reduzidos de KYNA e aumento de QA, são observados no BD.

  • Influência Microbiana na Kynurenina: A disbiose em pacientes com BD está associada a um desequilíbrio na via kynurenina, levando a uma neuroinflamação aumentada, que é exacerbada durante as fases maníacas e depressivas.

A microbiota intestinal desempenha um papel crucial na modulação da neurotransmissão e na influência da função cerebral no BD por meio da produção de metabólitos-chave, como neurotransmissores, SCFAs e derivados do triptofano. Distúrbios na microbiota intestinal podem contribuir para a neuroinflamação, mudanças nos níveis de neurotransmissores e alteração na neuroplasticidade, influenciando assim a manifestação clínica do BD. Esta pesquisa destaca a importância terapêutica potencial de direcionar a microbiota intestinal no tratamento e manejo do BD.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/