A Influência do Nascimento e da Alimentação na Microbiota e Desenvolvimento Infantil
O modo de nascimento e a alimentação nos primeiros anos de vida desempenham papel crucial na formação da microbiota intestinal. Bebês nascidos de parto normal e alimentados com leite materno tendem a apresentar mais Bifidobactérias do que aqueles nascidos por cesariana e alimentados com fórmula. Durante a introdução alimentar complementar, a diversidade da dieta é fundamental para moldar diferentes grupos microbianos que permanecerão na vida adulta. Por outro lado, uma dieta pobre em fibras pode causar disbiose — um desequilíbrio na microbiota intestinal.
Eixo Microbiota-Intestino-Cérebro e Neurodesenvolvimento
A microbiota intestinal influencia a produção de neurotransmissores essenciais para o neurodesenvolvimento, evidenciando sua comunicação pelo eixo intestino-cérebro. Essa interação é particularmente importante nos primeiros três anos de vida, período de rápido desenvolvimento do sistema nervoso central (SNC) e de mudanças significativas na microbiota devido à transição alimentar.
Estudos mostram que o eixo intestino-microbioma-cérebro é relevante para a saúde mental e cognitiva, inclusive em crianças com transtorno do espectro autista (TEA). Segundo Yap e colaboradores (2021), a disbiose intestinal é consequência, e não causa, dos sintomas centrais do TEA.
Microbiota Intestinal e TEA
A relação entre microbiota intestinal e TEA tem sido amplamente estudada devido à alta prevalência de sintomas gastrointestinais (9% a 91%) nesses pacientes. Alguns fatores, como gravidade do TEA, forma de nascimento e idade materna, impactam a diversidade microbiana. Crianças com TEA apresentam menor abundância de Bacteroides e Faecalibacterium e maior presença de Clostridial e outras bactérias, como Erysipelotrichaceae, associadas a casos mais graves.
A disbiose pode levar ao aumento da permeabilidade intestinal, permitindo que lipopolissacarídeos (LPS) bacterianos entrem na circulação. Esses compostos provocam respostas inflamatórias, aumentando citocinas pró-inflamatórias — um padrão observado em crianças com TEA, especialmente aquelas com regressão mental.
Impacto da Microbiota na Saúde do Hospedeiro
Em condições normais, a microbiota intestinal promove funções essenciais como:
Proteção contra patógenos;
Absorção de nutrientes;
Produção de ácidos graxos de cadeia curta;
Síntese de vitaminas e aminoácidos.
Por outro lado, na disbiose, há baixa absorção no intestino delgado, permitindo o acúmulo de açúcares simples no intestino grosso, o que favorece o crescimento de bactérias fermentadoras. Esse desequilíbrio pode causar desconfortos como gases e inchaço, além de prejudicar a barreira intestinal, alterando a diversidade microbiana e reduzindo bactérias benéficas como Lactobacillus.
Microbiota, GABA e Neuroinflamação no TEA
O aumento do LPS e a redução de neurotransmissores como o GABA podem agravar os processos neuroinflamatórios no TEA. GABA e glutamato são essenciais para o equilíbrio neuronal, e sua disfunção pode afetar o neurodesenvolvimento. Estudos sugerem que o GABA pode aliviar inflamações causadas por LPS, indicando sua relevância para entender os processos neuroinflamatórios associados ao TEA.
Microbiota Intestinal e o Sistema Imunológico: Papel Essencial no Desenvolvimento e Saúde
A microbiota intestinal desempenha um papel fundamental no desenvolvimento e modulação do sistema imunológico, influenciando desde a maturação imunológica até a proteção contra inflamações crônicas. A relação é complexa:
1. Desenvolvimento Imunológico nos Primeiros Anos de Vida
Microbiota como Educadora Imunológica:
A microbiota intestinal é uma fonte de antígenos que "educam" os sistemas imunológicos inato e adaptativo por meio de compostos como peptidoglicanos e lipopolissacarídeos (LPS). Uma microbiota equilibrada, formada nos primeiros anos de vida, é crucial para essa educação.
Importância das Bifidobactérias:
Transmitidas de mãe para filho durante o parto e amamentação, as Bifidobactérias são as primeiras colonizadoras do intestino neonatal. Elas modulam o sistema imunológico, produzem metabólitos benéficos e auxiliam na maturação intestinal.
Impacto do Leite Materno:
O leite humano contém oligossacarídeos que nutrem as bifidobactérias, reforçando a coevolução entre o hospedeiro humano e sua microbiota.
Fatores de Risco para Disbiose:
Parto cesariano, uso precoce de antibióticos e ausência de amamentação podem comprometer o equilíbrio microbiano, impactando a formação do sistema imunológico.
2. Microbiota e Inflamação
Barreira Epitelial Intestinal:
A barreira epitelial intestinal é a primeira linha de defesa contra micróbios. Fatores como o fator de crescimento epidérmico, presente no leite materno, promovem sua integridade. Quando essa barreira é comprometida, ocorre translocação microbiana, levando à ativação exagerada do sistema imunológico e ao aumento de inflamações.
Interleucina-17 (IL-17):
Disbiose está associada à hiperprodução de IL-17, uma citocina que, quando desregulada, pode causar inflamações crônicas e autoimunes no intestino, especialmente em hospedeiros geneticamente suscetíveis.
Fatores Genéticos:
Variantes genéticas, como no gene APOA5, afetam a composição microbiana e estão relacionadas a doenças metabólicas e inflamações.
3. Microbiota, Sistema Nervoso Central e Neurodesenvolvimento
Papel da Microglia:
A microbiota influencia a maturação da microglia, as células imunológicas do cérebro. A disfunção da microglia pode impactar a neurogênese, sinapses e regulação inflamatória, afetando o neurodesenvolvimento.
Distúrbios Relacionados:
Fatores como infecções maternas durante a gestação podem alterar a microbiota e o sistema imunológico da prole, resultando em maior risco de transtornos como autismo e condições neuroinflamatórias.
4. O Eixo Microbiota-Intestino-Cérebro
Conexão Bidirecional:
O eixo microbiota-intestino-cérebro conecta o cérebro, sistema nervoso entérico (intestinal) e microbiota. Alterações nesse eixo afetam desde a motilidade intestinal até a imunidade cerebral.
Metabólitos Bacterianos:
Compostos como os ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) e o p-cresol têm impacto direto na saúde intestinal e cerebral. No autismo, alterações nos níveis de p-cresol estão relacionadas a inflamações e comportamentos específicos.
Impacto na Inflamação:
O excesso de LPS, um metabólito bacteriano, aumenta a permeabilidade intestinal e desencadeia respostas inflamatórias sistêmicas que atravessam a barreira hematoencefálica, impactando o sistema nervoso central (SNC).
5. Terapias Promissoras
Probióticos e Metabólitos:
Terapias baseadas em probióticos, especialmente Bifidobacterium, ajudam a restaurar a microbiota saudável, promovendo o equilíbrio imunológico e metabólico.
Estudos Recentes:
Combinações terapêuticas, como vancomicina e probióticos, mostraram melhorar sintomas de TEA e normalizar metabólitos relacionados à neuroinflamação.
Prebióticos: Estudos mostram que a suplementação com fibras prebióticas pode melhorar sintomas gastrointestinais e comportamentais em pacientes com TEA.
Transplante Fecal: Essa técnica reduziu sintomas gastrointestinais e comportamentais em crianças com TEA, demonstrando uma ligação direta entre a microbiota e os sintomas.
Dietas Personalizadas: Ajustes alimentares podem melhorar a composição microbiana e amenizar manifestações gastrointestinais, embora o impacto direto nos sintomas centrais do TEA ainda seja limitado.
Embora a microbiota intestinal desempenhe um papel importante no eixo intestino-cérebro, sua influência no TEA é limitada por fatores genéticos e ambientais predominantes. Intervenções baseadas na restauração da microbiota mostram benefícios complementares, mas ainda são necessárias mais pesquisas para entender totalmente suas implicações no tratamento do TEA.