Modulação intestinal na apneia obstrutiva do sono

A apneia obstrutiva do sono (AOS) é caracterizada por interrupções respiratórias durante o sono devido ao colapso do trato respiratório superior. Essas interrupções resultam em distúrbios do sono e podem causar hipóxia transitória (redução nos níveis de oxigênio no sangue) e hipercapnia (aumento do dióxido de carbono no sangue). A AOS é particularmente prevalente entre pessoas obesas e idosas e está associada a várias doenças cardiometabólicas, como diabetes tipo 2 e hipertensão. No entanto, os mecanismos que ligam a AOS às suas comorbidades ainda não estão completamente esclarecidos.

A variedade de doenças e processos de doenças nos quais a microbiota está envolvida, incluindo transtornos psiquiátricos e neurodegenerativos, dor, ansiedade, estresse, síndrome do intestino irritável (SII), derrame, compulsão e obesidade (Cryan et al., 2019)

A Microbiota Intestinal e a AOS

Pesquisas recentes têm explorado a possibilidade de que mudanças na microbiota intestinal possam estar conectadas à AOS e aos distúrbios metabólicos relacionados. A relação entre a AOS e a microbiota intestinal tem sido investigada por meio de dois métodos principais: fragmentação do sono e indução de hipóxia e hipercapnia – ambos características típicas da AOS.

Evidências em Modelos de Roedores

Estudos com roedores mostraram que a fragmentação do sono pode causar alterações na composição da microbiota intestinal. Por exemplo, camundongos submetidos a 4 semanas de fragmentação do sono apresentaram um aumento na proporção de Firmicutes: Bacteroidetes, um padrão também observado em condições como envelhecimento e obesidade. Além disso, foi observado um aumento da abundância de Lachnospiraceae e diminuição de Lactobacillaceae, além de ruptura da barreira intestinal, levando a um aumento na inflamação periférica.

Estudos Clínicos e Efeitos em Humanos

Em humanos, um estudo com adultos jovens saudáveis observou que duas noites de privação parcial de sono aumentaram a proporção de Firmicutes: Bacteroidetes, semelhante ao que foi visto nos modelos de roedores. Além disso, pacientes geriátricos e pediátricos com AOS apresentam níveis elevados de marcadores de ruptura da barreira intestinal, como a proteína de ligação a LPS.

Pesquisas também revelaram que hipóxia e hipercapnia, características da AOS, podem resultar em alterações na microbiota intestinal, afetando moléculas intestinais importantes, como ácidos biliares, fitoestrogênios e gorduras ácidos, cuja síntese depende diretamente da microbiota.

Embora a conexão entre a AOS e a microbiota intestinal seja forte no modelo de fragmentação do sono, parece que o estado hipóxico desempenha um papel crucial nos efeitos da AOS na microbiota. Mais pesquisas são necessárias para explorar como essas alterações podem contribuir para a disfunção metabólica associada à AOS e como a manipulação da microbiota intestinal poderia ser uma estratégia terapêutica para mitigar esses efeitos.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Eixo neuro-endócrino-imune no autismo

O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é um transtorno complexo do neurodesenvolvimento, caracterizado por dificuldades nas interações sociais e na comunicação, além de comportamentos, interesses ou atividades restritos e estereotipados. Embora a causa exata do TEA ainda não seja totalmente compreendida, pesquisas sugerem que uma combinação de fatores genéticos e ambientais contribui para o desenvolvimento do transtorno.

Sintomas Associados ao TEA

Além dos sintomas principais, como dificuldades na comunicação e no comportamento social, indivíduos com TEA frequentemente apresentam sintomas gastrointestinais. Entre os sintomas mais comuns estão a constipação, dor abdominal, vômitos, diarreia e gases. Estima-se que esses sintomas variem entre 9% a 70% dos casos de TEA, o que chama a atenção para uma possível conexão entre os distúrbios gastrointestinais e o transtorno.

O Microbioma Intestinal e Sua Influência no Neurodesenvolvimento

O microbioma intestinal é um conjunto de microrganismos que habitam nosso sistema digestivo e desempenham um papel fundamental na fisiologia humana. Estudos recentes têm se aprofundado na possível relação entre o microbioma intestinal e os sintomas do TEA, especialmente devido à alta prevalência de problemas gastrointestinais observados em muitos indivíduos com o transtorno.

A hipótese de que a composição do microbioma intestinal pode afetar o neurodesenvolvimento está ganhando cada vez mais atenção científica. Pesquisas indicam que alterações no microbioma intestinal podem influenciar a função cerebral e o comportamento, o que poderia ser uma explicação para os sintomas observados no TEA. Além disso, a interação entre o microbioma e o sistema imunológico também pode desempenhar um papel importante na modulação de aspectos comportamentais e fisiológicos do transtorno.

O eixo neuro-endócrino-imune e a comunicação microbiota-intestino-cérebro (Agirman, & Hsiao, 2021).

A Influência do Nascimento e da Alimentação na Microbiota e Desenvolvimento Infantil

O modo de nascimento e a alimentação nos primeiros anos de vida desempenham papel crucial na formação da microbiota intestinal. Bebês nascidos de parto normal e alimentados com leite materno tendem a apresentar mais Bifidobactérias do que aqueles nascidos por cesariana e alimentados com fórmula. Durante a introdução alimentar complementar, a diversidade da dieta é fundamental para moldar diferentes grupos microbianos que permanecerão na vida adulta. Por outro lado, uma dieta pobre em fibras pode causar disbiose — um desequilíbrio na microbiota intestinal.

Eixo Microbiota-Intestino-Cérebro e Neurodesenvolvimento

A microbiota intestinal influencia a produção de neurotransmissores essenciais para o neurodesenvolvimento, evidenciando sua comunicação pelo eixo intestino-cérebro. Essa interação é particularmente importante nos primeiros três anos de vida, período de rápido desenvolvimento do sistema nervoso central (SNC) e de mudanças significativas na microbiota devido à transição alimentar.

Estudos mostram que o eixo intestino-microbioma-cérebro é relevante para a saúde mental e cognitiva, inclusive em crianças com transtorno do espectro autista (TEA). Segundo Yap e colaboradores (2021), a disbiose intestinal é consequência, e não causa, dos sintomas centrais do TEA.

Microbiota Intestinal e TEA

A relação entre microbiota intestinal e TEA tem sido amplamente estudada devido à alta prevalência de sintomas gastrointestinais (9% a 91%) nesses pacientes. Alguns fatores, como gravidade do TEA, forma de nascimento e idade materna, impactam a diversidade microbiana. Crianças com TEA apresentam menor abundância de Bacteroides e Faecalibacterium e maior presença de Clostridial e outras bactérias, como Erysipelotrichaceae, associadas a casos mais graves.

A disbiose pode levar ao aumento da permeabilidade intestinal, permitindo que lipopolissacarídeos (LPS) bacterianos entrem na circulação. Esses compostos provocam respostas inflamatórias, aumentando citocinas pró-inflamatórias — um padrão observado em crianças com TEA, especialmente aquelas com regressão mental.

Impacto da Microbiota na Saúde do Hospedeiro

Em condições normais, a microbiota intestinal promove funções essenciais como:

  • Proteção contra patógenos;

  • Absorção de nutrientes;

  • Produção de ácidos graxos de cadeia curta;

  • Síntese de vitaminas e aminoácidos.

Por outro lado, na disbiose, há baixa absorção no intestino delgado, permitindo o acúmulo de açúcares simples no intestino grosso, o que favorece o crescimento de bactérias fermentadoras. Esse desequilíbrio pode causar desconfortos como gases e inchaço, além de prejudicar a barreira intestinal, alterando a diversidade microbiana e reduzindo bactérias benéficas como Lactobacillus.

Microbiota, GABA e Neuroinflamação no TEA

O aumento do LPS e a redução de neurotransmissores como o GABA podem agravar os processos neuroinflamatórios no TEA. GABA e glutamato são essenciais para o equilíbrio neuronal, e sua disfunção pode afetar o neurodesenvolvimento. Estudos sugerem que o GABA pode aliviar inflamações causadas por LPS, indicando sua relevância para entender os processos neuroinflamatórios associados ao TEA.

Microbiota Intestinal e o Sistema Imunológico: Papel Essencial no Desenvolvimento e Saúde

A microbiota intestinal desempenha um papel fundamental no desenvolvimento e modulação do sistema imunológico, influenciando desde a maturação imunológica até a proteção contra inflamações crônicas. A relação é complexa:

1. Desenvolvimento Imunológico nos Primeiros Anos de Vida

  • Microbiota como Educadora Imunológica:
    A microbiota intestinal é uma fonte de antígenos que "educam" os sistemas imunológicos inato e adaptativo por meio de compostos como peptidoglicanos e lipopolissacarídeos (LPS). Uma microbiota equilibrada, formada nos primeiros anos de vida, é crucial para essa educação.

  • Importância das Bifidobactérias:
    Transmitidas de mãe para filho durante o parto e amamentação, as Bifidobactérias são as primeiras colonizadoras do intestino neonatal. Elas modulam o sistema imunológico, produzem metabólitos benéficos e auxiliam na maturação intestinal.

  • Impacto do Leite Materno:
    O leite humano contém oligossacarídeos que nutrem as bifidobactérias, reforçando a coevolução entre o hospedeiro humano e sua microbiota.

  • Fatores de Risco para Disbiose:
    Parto cesariano, uso precoce de antibióticos e ausência de amamentação podem comprometer o equilíbrio microbiano, impactando a formação do sistema imunológico.

2. Microbiota e Inflamação

  • Barreira Epitelial Intestinal:
    A barreira epitelial intestinal é a primeira linha de defesa contra micróbios. Fatores como o fator de crescimento epidérmico, presente no leite materno, promovem sua integridade. Quando essa barreira é comprometida, ocorre translocação microbiana, levando à ativação exagerada do sistema imunológico e ao aumento de inflamações.

  • Interleucina-17 (IL-17):
    Disbiose está associada à hiperprodução de IL-17, uma citocina que, quando desregulada, pode causar inflamações crônicas e autoimunes no intestino, especialmente em hospedeiros geneticamente suscetíveis.

  • Fatores Genéticos:
    Variantes genéticas, como no gene APOA5, afetam a composição microbiana e estão relacionadas a doenças metabólicas e inflamações.

3. Microbiota, Sistema Nervoso Central e Neurodesenvolvimento

  • Papel da Microglia:
    A microbiota influencia a maturação da microglia, as células imunológicas do cérebro. A disfunção da microglia pode impactar a neurogênese, sinapses e regulação inflamatória, afetando o neurodesenvolvimento.

  • Distúrbios Relacionados:
    Fatores como infecções maternas durante a gestação podem alterar a microbiota e o sistema imunológico da prole, resultando em maior risco de transtornos como autismo e condições neuroinflamatórias.

4. O Eixo Microbiota-Intestino-Cérebro

  • Conexão Bidirecional:
    O eixo microbiota-intestino-cérebro conecta o cérebro, sistema nervoso entérico (intestinal) e microbiota. Alterações nesse eixo afetam desde a motilidade intestinal até a imunidade cerebral.

  • Metabólitos Bacterianos:
    Compostos como os ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) e o p-cresol têm impacto direto na saúde intestinal e cerebral. No autismo, alterações nos níveis de p-cresol estão relacionadas a inflamações e comportamentos específicos.

  • Impacto na Inflamação:
    O excesso de LPS, um metabólito bacteriano, aumenta a permeabilidade intestinal e desencadeia respostas inflamatórias sistêmicas que atravessam a barreira hematoencefálica, impactando o sistema nervoso central (SNC).

5. Terapias Promissoras

  • Probióticos e Metabólitos:
    Terapias baseadas em probióticos, especialmente Bifidobacterium, ajudam a restaurar a microbiota saudável, promovendo o equilíbrio imunológico e metabólico.

  • Estudos Recentes:
    Combinações terapêuticas, como vancomicina e probióticos, mostraram melhorar sintomas de TEA e normalizar metabólitos relacionados à neuroinflamação.

  • Prebióticos: Estudos mostram que a suplementação com fibras prebióticas pode melhorar sintomas gastrointestinais e comportamentais em pacientes com TEA.

  • Transplante Fecal: Essa técnica reduziu sintomas gastrointestinais e comportamentais em crianças com TEA, demonstrando uma ligação direta entre a microbiota e os sintomas.

  • Dietas Personalizadas: Ajustes alimentares podem melhorar a composição microbiana e amenizar manifestações gastrointestinais, embora o impacto direto nos sintomas centrais do TEA ainda seja limitado.

Embora a microbiota intestinal desempenhe um papel importante no eixo intestino-cérebro, sua influência no TEA é limitada por fatores genéticos e ambientais predominantes. Intervenções baseadas na restauração da microbiota mostram benefícios complementares, mas ainda são necessárias mais pesquisas para entender totalmente suas implicações no tratamento do TEA.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

MICROBIOTA ALTERADA NA DOENÇA RENAL CRÔNICA

A microbiota de pacientes com doença renal crônica é bastante alterada.

Cetonas e Proteção Renal: Perspectivas Terapêuticas para a Doença Renal Crônica (DRC)

A Doença Renal Crônica (DRC) tem se tornado uma preocupação crescente em todo o mundo, com um número alarmante de pacientes, especialmente em países desenvolvidos. Embora o tratamento convencional, como o controle da hipertensão e diabetes, seja eficaz, não há terapias que restauram a função renal danificada. Nesse contexto, novas abordagens terapêuticas estão sendo exploradas, e uma delas é o impacto do jejum e da restrição calórica sobre a saúde renal, com destaque para o papel dos corpos cetônicos.

Jejum e Seus Efeitos no Metabolismo Renal

O jejum tem sido um estado fisiológico pelo qual os seres humanos passaram ao longo de sua história. Hoje, com a prevalência da saciedade, observamos uma relação entre a superalimentação e o aumento da incidência de DRC. Em resposta ao jejum, várias vias moleculares são ativadas, incluindo a proteína quinase ativada por AMP (AMPK), o alvo mecanicista do complexo 1 da rapamicina (mTORC1) e a autofagia. A ativação do mTORC1 em situações de sobrecarga de nutrientes promove a proliferação celular, enquanto o jejum induz a resposta de adaptação celular e a degradação de componentes intracelulares para garantir energia.

O Papel dos Corpos Cetônicos

Os corpos cetônicos, inicialmente vistos como prejudiciais, têm ganhado atenção por seu papel potencial como reguladores do mTORC1 durante o jejum. Durante esse estado, a produção de cetonas pelo fígado e pelos rins se intensifica, fornecendo uma fonte alternativa de energia. Esses corpos cetônicos podem exercer efeitos renoprotetores, inibindo a ativação excessiva de mTORC1 e promovendo a manutenção celular.

mTORC1 e Autofagia: Regulação da Função Renal

O mTORC1 é um regulador crucial das vias de sinalização nutricional e está associado à divisão celular e à proliferação. Sua ativação anormal pode contribuir para doenças renais, gerando estresse celular e apoptose. Além disso, a autofagia, um mecanismo intracelular de degradação de componentes danificados, também está relacionada à função renal. A ativação adequada da autofagia pode ser benéfica, ajudando na remoção de resíduos celulares, mas sua disfunção também pode ter efeitos adversos, especialmente em células renais, como os podócitos.

Perspectivas Terapêuticas

Embora o uso de medicamentos que regulam o mTORC1, como a rapamicina, tenha mostrado resultados promissores, efeitos colaterais significativos limitam sua utilização clínica. Alternativas como a manipulação dos corpos cetônicos, por meio de jejum controlado ou estratégias dietéticas, estão sendo investigadas para controlar o mTORC1 e proteger a função renal (Yamahara, Yasuda-Yamahara, & Kume, 2024).

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