Paciente APOE4 precisa de DHA na forma fosfolipídica

A doença de Alzheimer (DA) é um distúrbio neurodegenerativo caracterizado por perda progressiva de memória, desorientação espacial, disfunção cognitiva e mudanças comportamentais. O principal fator de risco para a forma esporádica da DA é o envelhecimento, com a prevalência dobrando aproximadamente a cada 5 anos após os 65 anos. Estima-se que cerca de um terço das pessoas com 85 anos ou mais apresentam Alzheimer. Outro fator genético relevante para a forma tardia da doença é o gene APOE, especialmente a variante APOE4.

O Papel do Gene APOE no Alzheimer

O gene APOE possui três variantes principais (APOE2, APOE3 e APOE4), que diferem entre si por pequenas alterações no DNA (polimorfismos de nucleotídeo único). A variante APOE4 está presente em 25% da população global e em 65–80% das pessoas diagnosticadas com Alzheimer. A presença de um único alelo APOE4 aumenta o risco de DA de 2 a 3 vezes, enquanto dois alelos aumentam o risco até 15 vezes. No entanto, é importante ressaltar que APOE4 não determina inevitavelmente o desenvolvimento da doença: algumas pessoas com APOE4 nunca desenvolvem DA, enquanto outras que desenvolvem não possuem a variante.

Interessantemente, o alelo APOE4 está associado a benefícios cognitivos e maior inteligência durante a juventude, um fenômeno conhecido como "pleiotropia antagônica" – quando um mesmo gene tem efeitos positivos e negativos em diferentes fases da vida.

Funções do APOE no Corpo e no Cérebro

O APOE desempenha um papel crucial no transporte de lipídios e colesterol, tanto no corpo quanto no cérebro, utilizando um mecanismo mediado pelo receptor de LDL. No corpo, APOE é produzido principalmente no fígado e regula o transporte de colesterol e lipídios entre os tecidos.

  • APOE2: Associado a maior expressão da proteína APOE, aumento de triglicerídeos no plasma e redução do colesterol.

  • APOE3: Considerado o padrão para uma homeostase lipídica saudável.

  • APOE4: Relacionado à menor expressão da proteína APOE e níveis elevados de colesterol.

No cérebro, APOE é produzido principalmente por astrócitos e transporta lipídios e colesterol para os neurônios. As isoformas APOE2 e APOE3 são mais eficazes, acumulando-se nos neurônios em níveis de 2 a 4 vezes maiores do que APOE4. Isso faz com que APOE4 seja menos eficiente no desempenho de suas funções no sistema nervoso central.

Principais Características Patológicas da Doença de Alzheimer

As marcas patológicas da DA incluem:

  1. Placas de beta-amiloide: Depósitos extracelulares que afetam a comunicação neuronal.

  2. Emaranhados neurofibrilares (tau): Acúmulos intracelulares de proteínas tau que comprometem a estrutura e função dos neurônios.

  3. Redução na captação de glicose pelo cérebro: Afeta o metabolismo energético necessário para a função cerebral.

Esses processos estão no centro do desenvolvimento e da progressão da doença.

O Papel do Peixe na Dieta de Portadores de APOE4

O consumo de peixe, rico em DHA (ácido docosa-hexaenoico), pode retardar a progressão do Alzheimer em portadores e não portadores do APOE4. Estudos mostram que indivíduos com APOE4 que consomem peixes regularmente apresentam melhora na neuropatologia cerebral, incluindo menor densidade de placas neuríticas e melhores escores diagnósticos da doença. Além disso, protocolos que combinam dieta saudável com peixes selvagens têm revertido o declínio cognitivo em pacientes.

Por outro lado, a suplementação com DHA isolado (2 g por dia) não mostrou benefícios significativos para portadores de APOE4. Acredita-se que isso se deve a diferenças na forma do DHA presente no peixe (fosfolipídica) em comparação com os suplementos, que geralmente contêm DHA na forma não esterificada.

Transporte de DHA no Cérebro e Risco de Alzheimer

O DHA é essencial para o cérebro, mas não pode ser sintetizado pelos neurônios. Ele precisa ser obtido por meio da dieta e transportado do plasma para o cérebro através da barreira hematoencefálica (BHE). O DHA está presente no plasma em duas formas principais:

  1. DHA Livre: Não esterificado, ligado à albumina.

  2. DHA-lysoPC: Forma fosfolipídica, também ligada à albumina.

Ambas as formas são transportadas para o cérebro, mas utilizam mecanismos diferentes:

  • DHA Livre: Transportado por difusão passiva.

  • DHA-lysoPC: Transportado via a proteína MFSD2A, presente nas células endoteliais da BHE.

Portadores de APOE4 apresentam um transporte cerebral prejudicado de DHA Livre, o que pode aumentar o risco de Alzheimer devido à acumulação de placas de beta-amiloide, emaranhados de tau e menor captação de glicose no cérebro.

Implicações para a Dieta

O ômega-3 em forma fosfolipídica, como encontrado no peixe, parece ser mais eficaz para portadores de APOE4 do que os suplementos de DHA livre. Fontes dietéticas alternativas com alto teor de DHA-lysoPC, além do peixe, podem ser exploradas para superar o problema de transporte no cérebro e reduzir o risco de Alzheimer. Gosto muito do suplemento da Nordic: Omega-3 phosfolipids.

Outros bons suplementos de ômega-3:

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Genética do lipedema

O lipedema é uma doença de herança autossômica dominante, progressiva, multifatorial e incapacitante, caracterizada por acúmulo de tecido adiposo subcutâneo patológico na área superfascial, microangiopatia, inflamação tecidual crônica e dor.

Um estudo de associação genômica ampla (GWAS) analisou um fenótipo de lipedema em mulheres do UK Biobank e identificou diversos fatores genéticos de risco. Os pesquisadores analisaram dados genéticos e clínicos de milhares de participantes, identificando variantes associadas ao lipedema em genes relacionados ao metabolismo lipídico, inflamação e regulação hormonal. Esses achados sugerem que o lipedema possui uma base genética complexa, envolvendo múltiplas vias biológicas (Klimentidis et al., 2022).

O estudo destaca várias vias biológicas associadas ao lipedema e os genes envolvidos em cada uma delas. Aqui está um resumo:

1. Metabolismo Lipídico

  • Vias envolvidas: Armazenamento e transporte de gordura.

  • Genes associados: FTO, MC4R

    • Esses genes são conhecidos por regular o metabolismo de gorduras e influenciar a obesidade, sugerindo uma predisposição genética para o acúmulo de gordura em padrões específicos no lipedema.

2. Inflamação e Resposta Imune

  • Vias envolvidas: Ativação de respostas inflamatórias crônicas e imunológicas.

  • Genes associados: IL6, TNF, HLA

    • Esses genes regulam processos inflamatórios e imunes, alinhando-se aos sintomas de dor e inflamação frequentemente relatados no lipedema.

3. Regulação Hormonal

  • Vias envolvidas: Sinalização de estrogênio e outros hormônios.

  • Genes associados: ESR1 (receptor de estrogênio), CYP19A1 (aromatase)

    • Esses genes sugerem uma influência hormonal no lipedema, o que é consistente com sua predominância em mulheres e relação com eventos hormonais.

4. Estrutura e Função do Tecido Conjuntivo

  • Vias envolvidas: Produção de colágeno e manutenção da matriz extracelular.

  • Genes associados: COL5A1, COL6A3

    • Esses genes estão ligados à elasticidade e integridade do tecido conjuntivo, explicando a fragilidade capilar e os hematomas frequentes observados em pacientes com lipedema.

5. Desenvolvimento Vascular e Linfático

  • Vias envolvidas: Formação e funcionamento de vasos sanguíneos e linfáticos.

  • Genes associados: VEGFA, FLT4

    • Essas associações sugerem que o lipedema pode estar relacionado à disfunção do sistema linfático, contribuindo para o edema característico.

Em outro estudo, um painel genético multigênico para identificar variantes genéticas predisponentes ao lipedema usando estratégias de sequenciamento de nova geração (NGS) foi desenvolvido (Michelini et al., 2022).

Os pesquisadores analisaram genes associados a vias relevantes, incluindo metabolismo lipídico, regulação hormonal, inflamação e estrutura do tecido conjuntivo. O painel identificou variantes em genes como:

  • Metabolismo Lipídico: FTO, MC4R

  • Inflamação: IL6, TNF, HLA

  • Regulação Hormonal: ESR1 (receptor de estrogênio), CYP19A1

  • Tecido Conjuntivo: COL5A1, COL6A3

  • Sistema Vascular/Linfático: VEGFA, FLT4

Em 2024 foi publicada uma investigação de famílias, que avaliou os riscos genéticos herdados associados ao lipedema, uma condição que afeta principalmente mulheres e é caracterizada pelo acúmulo desproporcional de gordura nas extremidades inferiores. Os pesquisadores analisaram dados de famílias com múltiplos casos de lipedema, buscando identificar padrões de herança genética e variantes específicas ligadas à doença (Morgan et al., 2024).

Os resultados sugerem que o lipedema possui uma forte componente hereditária, com variantes genéticas compartilhadas em genes relacionados à estrutura do tecido conjuntivo (COL5A1, FBN1), metabolismo lipídico e regulação hormonal. O estudo também destacou a transmissão predominante por linhagem feminina, possivelmente associada a fatores hormonais.

Esses achados reforçam a hipótese de que o lipedema é uma condição geneticamente influenciada, ajudando a diferenciar a doença de outras condições, como obesidade. A pesquisa oferece novas perspectivas para a identificação de marcadores genéticos e desenvolvimento de estratégias personalizadas de diagnóstico e tratamento.

O que fazer a respeito?

A modulação dos genes associados ao lipedema, conforme os três estudos citados, envolve intervenções que impactam diretamente as vias biológicas nas quais esses genes estão envolvidos. Embora os métodos específicos possam variar, aqui estão abordagens gerais baseadas em evidências:

1. Genes do Metabolismo Lipídico (FTO, MC4R):

  • Intervenções Nutricionais:

    • Dietas com controle glicêmico (baixa carga glicêmica) podem modular FTO e melhorar o metabolismo de gorduras.

    • A restrição calórica e a dieta mediterrânea têm impactos positivos no metabolismo energético.

  • Exercícios Físicos:

    • Atividades físicas regulares podem influenciar a expressão de FTO e reduzir a predisposição ao acúmulo de gordura.

  • Suplementação:

    • Ácidos graxos ômega-3 podem melhorar a regulação lipídica.

    • Camellia sinensis (Chá verde): Rico em catequinas, melhora a oxidação de gorduras e reduz a adipogênese.

    • Garcinia cambogia: Contém ácido hidroxicítrico, que regula a lipogênese e a produção de gordura.

2. Genes da Inflamação (IL6, TNF, HLA):

  • Dietas Anti-inflamatórias:

    • Alimentos ricos em antioxidantes (frutas vermelhas, cúrcuma, chá verde) reduzem os níveis de IL6 e TNF.

  • Suplementos:

    • Vitamina D e probióticos demonstraram modular a inflamação sistêmica.

    • Curcuma longa (Cúrcuma): Curcuminoides reduzem citocinas inflamatórias, como IL6 e TNF.

    • Boswellia serrata: Ácidos boswellicos têm propriedades anti-inflamatórias potentes.

  • Terapias Farmacológicas:

    • Inibidores de citocinas específicas, como antagonistas de IL6 e TNF, podem ser explorados sob supervisão médica.

  • Estilo de Vida:

    • Reduzir o estresse crônico, que aumenta as citocinas inflamatórias.

3. Genes de Regulação Hormonal (ESR1, CYP19A1):

  • Modulação de Estrogênio:

    • Terapias hormonais sob supervisão médica podem equilibrar níveis de estrogênio.

    • Vitex agnus-castus (Árvore-da-castidade): Modula receptores de estrogênio e regula o equilíbrio hormonal.

    • Glycyrrhiza glabra (Alcaçuz): Efeito adaptogênico e regulador de hormônios sexuais.

  • Dietas Ricas em Fitoestrogênios:

    • Soja, linhaça e sementes podem afetar a regulação hormonal.

  • Exercícios Físicos:

    • Podem equilibrar a sensibilidade aos hormônios sexuais.

4. Genes do Tecido Conjuntivo (COL5A1, COL6A3, FBN1):

  • Suplementação:

    • Colágeno hidrolisado e vitamina C melhoram a síntese e manutenção do tecido conjuntivo.

    • Silício e magnésio ajudam na elasticidade do tecido.

    • Centella asiatica: Estimula a síntese de colágeno e fortalece o tecido conjuntivo.

    • Equisetum arvense (Cavalinha): Rico em silício, essencial para a manutenção da elasticidade do tecido conjuntivo.

  • Fisioterapia:

    • Terapias manuais como drenagem linfática podem melhorar a integridade do tecido conjuntivo.

  • Farmacologia:

    • Substâncias que melhoram a matriz extracelular, como ácido hialurônico, podem ser exploradas.

5. Genes do Sistema Vascular e Linfático (VEGFA, FLT4):

  • Atividades Físicas:

    • Exercícios que estimulam o fluxo sanguíneo e linfático (caminhadas, yoga).

  • Dieta e Suplementos:

    • Compostos antioxidantes, como resveratrol, e óxido nítrico (de alimentos como beterraba) podem melhorar a função vascular.

    • Vaccinium myrtillus (Mirtilo): Rico em antocianinas, melhora a microcirculação e a integridade vascular.

    • Castanea sativa (Castanha-da-índia): Contém escina, que reduz edema e melhora o fluxo venoso.

  • Tratamentos Localizados:

    • Terapias que promovem drenagem linfática e melhoram a circulação.

Essas estratégias podem ser integradas para manejo clínico e preventivo do lipedema. Precisa de ajuda? Marque aqui sua consulta de nutrição online.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Disbiose intestinal e TDAH

O corpo humano abriga bilhões de microrganismos, como bactérias, fungos, vírus e protozoários, que formam a microbiota. Esses microrganismos, junto com seus genes, conhecidos como microbioma, desempenham funções essenciais para a nossa sobrevivência. Particularmente, a microbiota intestinal é composta por mais de 10⁴ microrganismos de 300 a 3000 espécies, codificando 200 vezes o número de genes humanos.

A microbiota intestinal é vital para várias funções biológicas, incluindo a absorção de nutrientes, como carboidratos, proteínas, ácidos biliares e vitaminas. Além disso, ela impacta funções não gastrointestinais, como o desenvolvimento do cérebro e a maturação dos sistemas imunológico e neuroendócrino, com efeitos que começam ainda no período embrionário e se estabelecem de forma irreversível em fases críticas do desenvolvimento.

A Relação Bidirecional entre o Microbioma e o Hospedeiro

A relação entre o microbioma intestinal e seu hospedeiro é bidirecional. Fatores como dieta, saúde e estilo de vida influenciam a composição do microbioma intestinal, assim como mudanças modernas na alimentação e o aumento das cesáreas impactam essa composição. Além disso, os avanços médicos e tratamentos farmacológicos também desempenham um papel relevante nessa dinâmica.

A mudança no padrão de doenças humanas, com um aumento de doenças autoimunes, cardiovasculares, metabólicas e mentais, tem sido associada a desequilíbrios no microbioma intestinal. Doenças como asma, diabetes, depressão, ansiedade e distúrbios neurológicos como TDAH e autismo, estão ligadas a essas alterações.

Microbioma Intestinal e o Eixo Intestino-Cérebro

O termo "eixo intestino-cérebro" descreve a comunicação bidirecional entre o microbioma intestinal e o sistema nervoso central (SNC). Essa interação ocorre por meio de três vias principais: nervosa, neuroendócrina e imunológica. O nervo vago, principal responsável pela via nervosa, desempenha um papel essencial na regulação do humor, sendo ativado por metabólitos microbianos.

Essa comunicação entre intestino e cérebro tem implicações importantes no comportamento e nas respostas emocionais, com estudos mostrando que infecções intestinais podem alterar o comportamento e a resposta ao estresse.

Estudos recentes têm mostrado que o microbioma intestinal desempenha um papel crucial no comportamento e na saúde mental. Por exemplo, o Lactobacillus rhamnosus e o Bifidobacterium longum demonstraram aliviar sintomas de ansiedade e depressão em modelos experimentais. Além disso, pesquisas sobre o Lactobacillus reuteri indicam que os efeitos comportamentais relacionados ao autismo podem ser alterados em camundongos vagotomizados, sugerindo a importância da comunicação entre o intestino e o cérebro.

Eixo Microbiota-Intestino-Cérebro e Transtorno de Déficit de Atenção e/ou Hiperatividade (TDAH)

O microbioma intestinal tem grande influência na fisiopatologia de transtornos como o TDAH, afetando o comportamento e o desenvolvimento neuropsicológico. A modulação do microbioma pode, assim, oferecer novos caminhos terapêuticos para condições como o TDAH, especialmente em pacientes pediátricos.

O TDAH é o transtorno neuropsiquiátrico mais comum na infância, afetando 5% das crianças e adolescentes. Caracteriza-se por desatenção, hiperatividade e impulsividade, com sintomas que frequentemente persistem na vida adulta em 40-60% dos casos. Este transtorno impacta várias áreas, incluindo saúde física, desempenho acadêmico e social. O tratamento primário envolve psicoestimulantes, como o metilfenidato, que aumentam os níveis de neurotransmissores como dopamina (DA) e norepinefrina (NE), mas o uso prolongado pode ser limitado por efeitos adversos e resistência social à medicação.

Diversos fatores contribuem para o TDAH, incluindo fatores genéticos (70-80%) e ambientais, como prematuridade e negligência infantil. A fisiopatologia do TDAH está associada a déficits nas funções executivas e alterações neuroanatômicas, particularmente no córtex pré-frontal. Além disso, a disfunção do sistema mesolímbico dopaminérgico e a alteração na neurotransmissão catecolaminérgica têm sido indicadas como possíveis causas do transtorno.

Há também evidências de que o estresse oxidativo e a inflamação desempenham papéis importantes no TDAH, exacerbando as alterações neuroquímicas. Estudos indicam níveis elevados de marcadores de estresse oxidativo e danos mitocondriais, especialmente nos neurônios dopaminérgicos. A ativação da microglia e a liberação de citocinas inflamatórias também podem contribuir para a progressão do TDAH, criando um ciclo vicioso de inflamação e danos neuronais.

Perfis Microbianos Intestinais e TDAH: Associação com Sintomas e Implicações Fisiopatológicas

A composição microbiana intestinal tem atraído crescente interesse como possível fator contribuinte para o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Diversos estudos sugerem que o microbioma intestinal de indivíduos com TDAH pode diferir significativamente daqueles sem o transtorno, refletindo potenciais implicações nas vias metabólicas e nos sintomas do TDAH.

  • Aarts et al. (2017) - Microbioma e Recompensa Neural Aarts e colaboradores foram pioneiros ao relatar diferenças na composição microbiana intestinal de pacientes com TDAH. Utilizando sequenciamento de última geração, eles observaram um aumento no gênero Bifidobacterium em pacientes com TDAH, correlacionado com a síntese de dopamina. Além disso, uma análise funcional de ressonância magnética mostrou uma associação entre a abundância de Bifidobacterium e respostas alteradas de antecipação de recompensa no cérebro, uma característica frequentemente associada ao TDAH. Embora esse estudo tenha sido inovador, limitações como a diferença de idades entre os grupos e o tamanho da amostra sugerem cautela na interpretação dos resultados.

  • Jiang et al. (2018) - Efeito de Faecalibacterium Jiang e colegas investigaram a composição microbiana em crianças com TDAH não tratadas com medicação, encontrando uma redução no gênero Faecalibacterium associado a sintomas do TDAH. O estudo também apontou que níveis baixos de Faecalibacterium são comumente encontrados em doenças atópicas, como asma, frequentemente associadas ao TDAH. Apesar de não poderem estabelecer causalidade, os autores destacaram a robustez do estudo ao controlar fatores como uso de probióticos e antibióticos, além de sintomas gastrointestinais e psicológicos.

  • Szopinska-Tokov et al. (2020) - Gênero Ruminococcaceae_UGC_004 Em um estudo com adolescentes com TDAH, Szopinska-Tokov e sua equipe descobriram um aumento no gênero Ruminococcaceae_UGC_004, associado a sintomas de desatenção. Eles sugeriram que esse gênero pode estar relacionado à modulação do neurotransmissor GABA. Embora o estudo tenha revelado conexões entre microbioma e neurotransmissores, as limitações incluem falta de dados sobre o processo de recrutamento das amostras e a ingestão de medicamentos.

  • Prehn-Kristensen et al. (2021) - Diversidade Microbiana e Hiperatividade Um estudo de Prehn-Kristensen et al. identificou diferenças significativas na diversidade microbiana entre adolescentes com TDAH e controles. A redução da diversidade alfa em pacientes com TDAH foi associada à hiperatividade. Além disso, um aumento da família Bacteroidaceae foi encontrado no grupo com TDAH. A descoberta de uma possível transmissão vertical de características microbianas, como a alteração observada no microbioma das mães, destacou um possível fator hereditário, embora o pequeno tamanho da amostra tenha sido uma limitação importante.

  • Wan et al. (2021) - Alterações no Microbioma e TDAH em Crianças Um estudo com uma amostra pediátrica chinesa revelou que Faecalibacterium, um gênero anti-inflamatório, estava significativamente reduzido em crianças com TDAH, enquanto outros gêneros como Enterococcus e Odoribacter estavam mais presentes. Essas alterações sugerem que os padrões microbianos podem influenciar a patogênese do TDAH, principalmente por meio de vias dopaminérgicas e inflamatórias. No entanto, o pequeno tamanho da amostra e a falta de informações sobre a medicação foram limitações do estudo.

  • Casas et al. (2020) - Diversidade Microbiana na Infância e TDAH Casas e colaboradores investigaram a influência da diversidade microbiana no início da vida no desenvolvimento de sintomas de hiperatividade/desatenção. O estudo indicou que a diversidade bacteriana aos 10 anos estava inversamente relacionada ao desenvolvimento de TDAH, enquanto a diversidade fúngica se associava positivamente à prevalência do transtorno. Contudo, como o estudo foi observacional e não considerou outros fatores de confusão, a causalidade não pode ser estabelecida.

  • Estudo de Stevens et al. (2019) - Realizado com 17 crianças do sexo masculino com TDAH, o estudo duplo-cego controlado por placebo investigou o impacto da suplementação de micronutrientes no microbioma fecal. Após 10 semanas, os participantes que tomaram os micronutrientes apresentaram uma taxa de resposta de 50%, em comparação com 29% no grupo placebo. Embora não houvesse diferenças significativas nas escalas de avaliação de sintomas de TDAH, foi observada uma diminuição significativa no filo Actinobacterium, especialmente no gênero Bifidobacterium, e um aumento no gênero Collinsella. Essas mudanças foram associadas a melhorias no comportamento, como atenção e regulação emocional. No entanto, o estudo apresentou limitações, como uma amostra pequena e a ausência de informações sobre uso de medicamentos.

  • Estudo de Wang et al. (2019) - Um estudo taiwanês comparou a microbiota fecal e os padrões alimentares entre 30 crianças com TDAH e 30 controles saudáveis. As crianças com TDAH apresentaram uma maior diversidade alfa, mas não diferenças significativas na diversidade beta. Alguns gêneros bacterianos, como Bacteroides e Sutterella, estavam mais abundantes no grupo com TDAH, enquanto Lactobacillus foi mais presente no grupo controle. Além disso, os padrões alimentares diferiram entre os grupos, com as crianças com TDAH consumindo mais grãos refinados e menos laticínios.

  • Estudo de Cheng et al. (2019) - Este estudo utilizou uma análise de enriquecimento genético (GSEA) para examinar a relação entre o microbioma intestinal e cinco transtornos neuropsiquiátricos, incluindo TDAH. O estudo revelou que o gênero Desulfovibrio e a ordem Clostridiales estavam associados ao TDAH. No entanto, Desulfovibrio também foi associado ao Transtorno do Espectro Autista (TEA), o que sugere que essa associação não é exclusiva do TDAH. A principal inovação deste estudo foi o uso de dados genômicos, tornando os resultados menos influenciados por fatores ambientais.

Embora os estudos mostrem uma relação entre o microbioma intestinal e os sintomas de TDAH, as evidências ainda são inconclusivas. Fatores como características demográficas, geográficas, alimentares e metodológicas, além do uso de medicamentos, podem influenciar os resultados. Mesmo assim, muitos pesquisadores acreditam na hipótese de que a alteração da composição bacteriana pode influenciar vias neurobiológicas, como a neurotransmissão e a neuroinflamação, e contribuir para exacerbação dos sintomas do TDAH.

Classificação taxonômica bacteriana, de acordo com o National Center for Biotechnology Information (NCBI) Taxonomy Database Checa-Ros et al., 2021

Microbioma Intestinal e Ácidos Graxos Poli-insaturados Ômega-3 no TDAH

Os ácidos graxos poli-insaturados (PUFAs) ômega-3, especialmente o ácido docosahexaenoico (DHA) e o ácido eicosapentaenoico (EPA), desempenham papéis cruciais na fluidez das membranas celulares, na neurotransmissão e na função dos receptores cerebrais. Eles também influenciam a produção de fatores neurotróficos, como o BDNF (fator neurotrófico derivado do cérebro) e o GDNF (fator neurotrófico derivado de células gliais), que são essenciais para a função dos neurônios dopaminérgicos. A deficiência de DHA no cérebro durante o desenvolvimento pode estar associada à hipofunção dopaminérgica, o que pode impactar condições como o TDAH.

Estudos em modelos animais demonstraram que uma dieta enriquecida com PUFAs ômega-3 pode melhorar sintomas de TDAH, como aumento da atenção e redução da impulsividade. Além disso, os PUFAs ômega-3 possuem propriedades anti-inflamatórias, sendo capazes de reduzir os níveis de interleucinas pró-inflamatórias e inibir a ativação do inflamossoma NLRP3, fatores relacionados a processos inflamatórios no cérebro.

Em pacientes pediátricos com TDAH, observa-se uma proporção maior de ácidos graxos ômega-6 em relação ao ômega-3, sugerindo um desbalanço que pode ser relevante para os sintomas do transtorno. Embora os estudos sobre a suplementação com ômega-3 apresentem resultados mistos, há indícios de que o DHA e o EPA podem contribuir para a melhoria dos sintomas de desatenção e hiperatividade.

Além disso, há um crescente interesse na interação entre os PUFAs ômega-3 e o microbioma intestinal. Experimentos em camundongos demonstraram que a suplementação com diferentes cepas de Bifidobacterium breve alterou os perfis de ácidos graxos nos tecidos, como o aumento das concentrações de DHA no cérebro. Essas mudanças foram acompanhadas por modificações na composição microbiana intestinal, com maior abundância de Clostridiaceae e menor presença de Eubacterium nos grupos suplementados com B. breve.

Estudos com camundongos alimentados com dietas deficientes ou enriquecidas com ômega-3 revelaram mudanças significativas na composição microbiana. Por exemplo, os animais que consumiram uma dieta enriquecida com ômega-3 apresentaram um aumento nos gêneros Lactobacillus e Bifidobacterium, que são conhecidos por sua ação benéfica sobre a saúde intestinal.

Estudos humanos também corroboram essa interação. Em um ensaio com 22 voluntários saudáveis, a suplementação com PUFAs ômega-3 levou ao aumento de Bifidobacterium, Roseburia e Lactobacillus em amostras fecais. No entanto, não houve correlação significativa entre as mudanças microbianas e os níveis de EPA/DHA no sangue, sugerindo que os efeitos microbianos podem ser mais complexos.

Representação da interação entre o microbioma intestinal e os PUFAs ômega-3 e como essa relação pode interferir nos mecanismos fisiopatológicos do TDAH. Checa-Ros et al., 2021

Proporção Ômega-6:Ômega-3 e o Efeito nos Sintomas do TDAH

Estudos indicam que um desequilíbrio na proporção entre os ácidos graxos ômega-3 e ômega-6 pode levar a um estado de neuroinflamação, resultando em disfunção do sistema dopaminérgico. Esse desequilíbrio (representado por setas pretas na figura acima) é considerado um dos principais fatores que contribuem para os sintomas do TDAH, como impulsividade, desatenção e hiperatividade. Além disso, alterações na composição microbiana intestinal também têm sido associadas aos sintomas do TDAH. O microbioma intestinal influencia a neurotransmissão através do eixo microbioma-intestino-cérebro (MGBA), impactando diretamente a função cerebral e, consequentemente, os sintomas do transtorno.

Uma possível intervenção seria a redução no consumo de óleos vegetais ricos em ômega-6, como soja, milho, girassol, canola, com administração de ômega-3 e suplementação de probióticos, para ajudar a aumentar as concentrações de PUFAs ômega-3 no organismo. Isso ajudaria a corrigir o desequilíbrio entre ômega-3 e ômega-6, promovendo a estabilização das membranas neuronais, a melhora na neurotransmissão dopaminérgica e a redução da neuroinflamação, o que pode levar a uma melhora dos sintomas do TDAH.

Por outro lado, a suplementação direta com ácidos eicosapentaenoico (EPA) e docosahexaenoico (DHA) (seta amarela na figura acima) também pode induzir mudanças benéficas na composição microbiana intestinal. Esses efeitos seriam mediadores da regulação da neurotransmissão dopaminérgica, proporcionando um alívio adicional para os sintomas do TDAH por meio da modulação do MGBA.

Futuras pesquisas devem focar na padronização das dosagens e combinações de probióticos, além de explorar o impacto dos probióticos em comorbidades associadas ao TDAH, como distúrbios do sono. Com a evolução desses estudos, é possível que o microbioma intestinal venha a ser uma nova ferramenta terapêutica no manejo do TDAH, promovendo alternativas eficazes para o tratamento dessa condição em populações pediátricas.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/