Mecanismos da dieta cetogênica na epilepsia

A epilepsia refratária, resistente aos tratamentos convencionais, continua sendo um desafio significativo na neurologia. Recentemente, o papel da dieta cetogênica (DC) no controle de crises tem despertado grande interesse, especialmente por sua influência no metabolismo cerebral e no sistema imunológico.

A dieta cetogênica (DC), rica em gorduras e pobre em carboidratos, tem sido utilizada desde a década de 1960 nesta área. Contudo, após o surgimento dos medicamentos antiepilépticos, acabou sendo deixada de lado. Contudo, grande parte dos pacientes não conseguem controlar a doença apenas com as drogas. Portanto, especialmente em casos refratários a medicamentos, a dieta deve ser considerada.

Embora o mecanismo exato pelo qual a dieta atua ainda não seja completamente compreendido, diversos estudos apontam para algumas possíveis explicações.

Possíveis Mecanismos de Ação:

  • Produção de Corpos Cetônicos:

    • Fonte de Energia Alternativa: Ao reduzir drasticamente a ingestão de carboidratos, o organismo entra em um estado de cetose, produzindo corpos cetônicos como fonte de energia alternativa para o cérebro. O estado de cetose altera diretamente a neuroimunometabolismo, ou seja, as interações entre sistema imunológico, inflamação e metabolismo cerebral. Evidências destacam que a DC reduz a produção de mediadores inflamatórios e estabiliza a função neuronal, ajudando no controle de crises.

    • Efeito Neuroprotetor: Acredita-se que os corpos cetônicos, especialmente o beta-hidroxibutirato, possam ter um efeito neuroprotetor, estabilizando as membranas celulares e reduzindo a excitabilidade neuronal.

  • Modulação da Neurotransmissão:

    • Aumento do GABA: A dieta cetogênica pode aumentar os níveis do neurotransmissor inibitório GABA (ácido gama-aminobutírico), que ajuda a controlar a atividade elétrica no cérebro.

    • Redução do Glutamato: A dieta pode reduzir os níveis de glutamato, um neurotransmissor excitatório, o que pode contribuir para a redução das crises epilépticas.

  • Efeitos Anti-inflamatórios:

    • Redução da Inflamação Cerebral: A neuroinflamação é um fator crítico no desenvolvimento e persistência de crises epilépticas. Ela envolve uma interação complexa entre células imunológicas (como microglia e astrócitos), moléculas pró-inflamatórias e o metabolismo energético do cérebro. A ativação crônica dessas respostas inflamatórias pode agravar os sintomas da epilepsia. A dieta cetogênica, pode ter efeitos anti-inflamatórios, é muito útil nos casos de epilepsia refratária à medicação. A modulação da micróglia é um dos importantes mecanismos terapêuticos da DC.

  • Melhora da Função Mitocondrial:

    • Aumento da Produção de ATP: As cetonas podem melhorar a função mitocondrial, aumentando a produção de ATP (adenosina trifosfato), a principal molécula de energia das células. Faz isso sem aumentar a produção de espécies reativas de oxigênio, protegendo assim as células cerebrais.

  • Outros Mecanismos:

    • Alterações na Expressão Gênica: A dieta cetogênica pode induzir alterações na expressão de diversos genes relacionados à neuroproteção e ao metabolismo energético.

    • Modulação das Canais Iônicos: A dieta pode influenciar a função de canais iônicos, que são essenciais para a transmissão de sinais elétricos no cérebro.

Benefícios da Dieta Cetogênica na Epilepsia:

  • Redução da Frequência e Intensidade das Crises: É o principal benefício da dieta, com muitos pacientes relatando uma redução significativa no número e na gravidade das crises epilépticas.

  • Melhora da Qualidade de Vida: A redução das crises leva a uma melhora significativa na qualidade de vida dos pacientes e de suas famílias.

  • Possibilidade de Redução da Medicação Antiepiléptica: Em alguns casos, a dieta cetogênica pode permitir a redução da dose ou até mesmo a suspensão de alguns medicamentos antiepilépticos.

É importante ressaltar que a dieta cetogênica para o tratamento da epilepsia deve ser realizada sob acompanhamento médico e nutricional. A dieta é bastante restritiva e pode apresentar alguns efeitos colaterais, como constipação, fadiga e deficiências nutricionais.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Ativação da micróglia nos transtornos mentais e TAB

As microglia são células imunológicas do sistema nervoso central (SNC) que desempenham papéis cruciais na manutenção da homeostase, defesa contra patógenos e reparo de tecidos. Elas possuem a capacidade de adotar diferentes estados funcionais, que podem ser divididos em duas conformações principais: M1 (pró-inflamatória) e M2 (anti-inflamatória).

Conformação M1 (Microglia ativada pró-inflamatória)

  • Função principal: Defesa imunológica e resposta inflamatória.

  • Ativação: Ocorre em resposta a estímulos como infecções, lesões e doenças neurodegenerativas. Exemplos de fatores ativadores incluem lipopolissacarídeos (LPS) e interferon-gama (IFN-γ).

  • Características:

    • Alto potencial fagocítico em situações patológicas.

    • Produção de citocinas pró-inflamatórias: IL-1β, IL-6, TNF-α, que alteram o metabolismo de neurotransmissores como a serotonina e dopamina.

    • Essas citocinas podem atravessar a barreira hematoencefálica e modular o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA), promovendo a liberação de cortisol, que agrava os sintomas depressivos. Evidências sugerem que pacientes com depressão maior apresentam níveis aumentados de marcadores inflamatórios no líquido cefalorraquidiano e no cérebro.

    • Liberação de espécies reativas de oxigênio (ROS) e óxido nítrico (NO).

    • Capacidade de promover danos teciduais, exacerbando inflamações crônicas, como na doença de Alzheimer, esquizofrenia ou esclerose múltipla e doenças mentais como transtorno afetivo bipolar (TAB)

      • Estudos de neuroimagem e biomarcadores indicam uma ativação microglial excessiva em regiões como o córtex pré-frontal e o hipocampo em pacientes esquizofrênicos.

      • Durante episódios maníacos ou depressivos, há um aumento da ativação M1 e da liberação de citocinas inflamatórias.

      • A inflamação também pode interferir na formação de memórias adaptativas, exacerbando os sintomas de TEPT (Transtorno de Estresse Pós-Traumático)

      • Em estudos neuropatológicos, observa-se ativação crônica de microglia no estado M1 em cérebros de pessoas com TEA.

      • Drogas (cocaína, metanfetamina, opioides) estimulam receptores microgliais (como TLR4 e P2X7), induzindo o estado M1.

Conformação M2 (Microglia ativada anti-inflamatória e reparadora)

  • Função principal: Resolução de inflamação, reparo tecidual e manutenção da homeostase.

  • Ativação: Ocorre em resposta a estímulos de reparo, como IL-4, IL-10 e IL-13.

  • Características:

    • Produção de citocinas anti-inflamatórias: IL-10, TGF-β.

    • Papel na fagocitose de debris celulares e no suporte à regeneração de tecidos.

    • Estímulo ao crescimento neuronal e à neurogênese.

    • Essencial para a proteção do tecido nervoso após danos.

Plasticidade Microglial

As microglias têm alta plasticidade, o que lhes permite transitar entre os estados M1 e M2 de acordo com os sinais microambientais. Essa plasticidade é crucial para manter o equilíbrio entre a defesa imunológica e a reparação tecidual, mas, em condições patológicas, pode ser desregulada, contribuindo para doenças neurodegenerativas ou inflamações crônicas.

Reduzir a ativação de microglia no estado M1 (pró-inflamatório) e promover o estado M2 (anti-inflamatório e reparador) é uma abordagem promissora para tratar várias doenças neurodegenerativas e inflamatórias do sistema nervoso central (SNC). Aqui estão estratégias que podem ser utilizadas:

1. Modulação Farmacológica

Diversos compostos têm sido estudados para alterar o equilíbrio M1/M2:

  • Inibidores de inflamação:

    • Minociclina: Um antibiótico que reduz a ativação M1, diminuindo a produção de citocinas inflamatórias e espécies reativas de oxigênio (ROS).

    • N-acetilcisteína (NAC): Um antioxidante que reduz o estresse oxidativo associado ao estado M1.

  • Promotores da polarização M2:

    • Agonistas de PPAR-γ (receptores ativados por proliferadores de peroxissomas gama):

      • Ex.: Pioglitazona e rosiglitazona, que promovem a polarização para o estado M2.

    • Canabinóides:

      • Estímulo do receptor CB2 (canabinóide tipo 2) favorece a conversão para M2.

2. Terapias Baseadas em Nutrição e Compostos Naturais

Certos nutrientes e compostos naturais têm propriedades neuroprotetoras que ajudam a regular a ativação microglial:

  • Ácidos graxos ômega-3 (DHA e EPA):

    • Reduzem a ativação pró-inflamatória e promovem um fenótipo mais resolutivo (M2).

  • Curcumina (encontrada no açafrão-da-terra):

    • Tem propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes, promovendo o equilíbrio para M2.

  • Resveratrol (encontrado em uvas e vinho tinto):

    • Reduz a produção de citocinas inflamatórias e aumenta fatores neuroprotetores.

  • Polifenóis (chá verde, cacau, etc.):

    • Ajudam a mitigar a ativação de M1 e a promover M2.

3. Estímulos Elétricos e Físicos

  • Estimulação Magnética Transcraniana (TMS):

    • Tem mostrado potencial em modular a atividade inflamatória microglial e favorecer M2 em modelos experimentais.

  • Estimulação vagal:

    • Reduz a inflamação sistêmica, podendo impactar positivamente o equilíbrio M1/M2.

4. Terapias Gênicas e Moleculares

  • Inibição de NF-κB:

    • A via de sinalização NF-κB é fundamental para a ativação de M1. Bloqueá-la com técnicas moleculares pode reduzir a inflamação microglial.

  • CRISPR/Cas9:

    • Pode ser usado para regular genes associados ao estado M1 ou M2 em condições específicas.

5. Terapias Baseadas em Células

  • Transplante de células-tronco mesenquimais (CTMs):

    • As CTMs secretam citocinas e fatores de crescimento que podem induzir a polarização M2 em microglia.

6. Controle Ambiental e Estilo de Vida

  • Atividade física:

    • O exercício moderado reduz a neuroinflamação, favorecendo a ativação M2.

  • Redução do estresse crônico:

    • Níveis elevados de cortisol e inflamação sistêmica favorecem M1. Técnicas de mindfulness, ioga e controle do estresse podem ajudar.

  • Sono de qualidade:

    • A privação de sono exacerba a ativação pró-inflamatória; melhorar a qualidade do sono pode contribuir para um fenótipo mais equilibrado.

7. Controle de Doenças Sistêmicas

  • Diabetes e obesidade:

    • Condições metabólicas aumentam a inflamação sistêmica e exacerbam M1. O controle glicêmico e a redução da obesidade podem ajudar a favorecer M2 no SNC.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Neuroimunidade e Transtorno Bipolar: Mecanismos e Aplicações Clínicas

O transtorno afetivo bipolar (TAB) é uma condição psiquiátrica complexa, caracterizada por oscilações de humor entre episódios de mania e depressão. Além dos fatores genéticos e psicológicos, pesquisas recentes têm destacado o papel da neuroimunidade como peça-chave na compreensão dos mecanismos subjacentes ao TAB.

1. Neuroimunidade: O Que é e Por Que Importa no TAB?

O conceito de neuroimunidade refere-se à interação entre o sistema nervoso e o sistema imunológico. No transtorno bipolar, estudos mostram que essas conexões podem estar desequilibradas, levando a:

  • Inflamação crônica: Pacientes com TAB frequentemente apresentam níveis elevados de citocinas pró-inflamatórias (como IL-6 e TNF-α), marcadores associados a distúrbios imunológicos.

  • Alterações microgliais: As células microgliais, que regulam a imunidade no cérebro, mostram hiperatividade em pacientes com TB, contribuindo para danos neuronais e disfunção sináptica.

2. Mecanismos Chave da Neuroimunidade no TAB

Diversos fatores neuroimunológicos desempenham um papel crítico no transtorno bipolar, incluindo:

  • Barreira hematoencefálica: Alterações na permeabilidade dessa barreira podem permitir a entrada de moléculas inflamatórias no cérebro, agravando os sintomas do TAB.

  • Estresse oxidativo: O desequilíbrio entre radicais livres e antioxidantes no cérebro leva a inflamação e danos celulares.

  • Eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA): A hiperatividade do HHA, comum no TAB, amplifica a liberação de hormônios do estresse e citocinas inflamatórias.

3. Aplicações Clínicas e Translacionais

A relação entre neuroimunidade e TAB abre portas para novas abordagens terapêuticas:

  1. Biomarcadores inflamatórios: Citocinas como IL-1β e IL-6 podem ser usadas para prever episódios de mania ou depressão e personalizar tratamentos.

  2. Terapias imunomoduladoras: Fármacos anti-inflamatórios (como aspirina em baixas doses ou antagonistas de TNF-α) mostram potencial no alívio de sintomas.

  3. Estilo de vida e suplementos: Intervenções como exercícios físicos, dieta anti-inflamatória e suplementos de ômega-3 podem regular a neuroimunidade.

  4. Psicofármacos direcionados: Medicamentos como o lítio, além de estabilizadores de humor, têm propriedades anti-inflamatórias que podem contribuir para a eficácia no tratamento do TAB.

4. Perspectivas Futuras

Apesar dos avanços, mais estudos são necessários para entender completamente os mecanismos neuroimunológicos no TAB. Áreas promissoras incluem:

  • Pesquisa sobre biomarcadores mais precisos para diagnóstico precoce e monitoramento de tratamentos.

  • Desenvolvimento de terapias imunológicas personalizadas com menos efeitos colaterais.

  • Exploração do papel do microbioma intestinal na regulação da neuroimunidade.

Conclusão

A neuroimunidade oferece uma perspectiva inovadora sobre o transtorno bipolar, ampliando nossa compreensão da doença e fornecendo novas opções terapêuticas. Essa conexão entre imunologia e psiquiatria não só esclarece os mecanismos do TB, mas também aproxima a medicina de tratamentos mais eficazes e personalizados.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/