Influências sobre nosso comportamento alimentar

Os hábitos alimentares de uma pessoa caracterizam a forma como ela se alimenta e como prepara o cardápio que será consumido. São vários os fatores que influenciam estes hábitos alimentares.

Dentre os fatores estudados estão os individuais (genética, renda, estilo de vida, conhecimentos sobre nutrição), sociais (apoio, influências, normas sociais), ambiente (moradia, vizinhança, escola e trabalho, acesso a restaurantes, supermercados etc), ambiente macro (valores culturais, sistema alimentar, sistema de saúde, políticas públicas).

Fatores individuais que influenciam o comportamento alimentar

Conscientização - cada pessoa percebe de forma diferente o que é ou não saudável. Em geral, por conta de ações educacionais, frutas e legumes são percebidas como mais saudáveis, enquanto batatas fritas, doces e fast food / junk food são mais frequentemente percebidos como alimentos não saudáveis. Grande parte das pessoas está ciente dos benefícios gerais de uma alimentação mais caseira para a saúde. Mesmo assim, conscientização nem sempre implica boas escolhas. Quem fuma sabe que fumar não faz bem.

Atitudes - quem associa a alimentação saudável a uma imagem corporal mais positiva, boa aparência e benefícios para a saúde, tendem a fazer melhores escolhas, mesmo que apreciem “comida não saudável”, que entra por vezes no cardápio.

Sabor - a depender dos aprendizados durante à vida e até a questões genéticas, algumas pessoas vão se mostrar extremamente entusiasmadas com sabores doces e gordurosos e nada entusiasmadas com sabores amargos ou neutros de vegetais. O gosto pessoal acaba exercendo um impacto importante nas preferências e decisões sobre o consumo alimentar.

Autoeficácia - muitas pessoas sentem que não conseguem se alimentar de forma saudável, que as pressões são muito grandes ou que não conseguem ter autocontrole na presença de alimentos menos saudáveis.

Autonomia financeira - nem sempre alimentos saudáveis são baratos. A possibilidade de escolher e comprar alimentos é diferente entre os grupos socioeconômicos. O custo dos alimentos é frequentemente relatado como uma barreira para uma alimentação saudável.

Norma subjetiva - medo do que os outros podem pensar quando comemos ou não comemos determinados alimentos. Medo de rejeição, de sermos considerados estranhos por um grupo também podem influenciar as escolhas, especialmente na adolescência.

Genética e papeis de hormônios foram tratados neste outro texto.

Influências ambientais no comportamento alimentar

Ambiente familiar: as regras dos pais, modelagem de papéis e disponibilidade de alimentos na casa influenciam as escolhas alimentares. Tempo para compra, preparo e a negociação entre o que os diversos membros da família deseja e prefere muitas vezes levam a inconsistências na disponibilidade de alimentos saudáveis.

Ambiente escolar/laboral: a disponibilidade de alimentos nos locais mais frequentados são fatores determinantes nas escolhas e consumo. Quando há abundância de alimentos ultraprocessados, como doces, refrigerantes, bolos e chocolates, o consumo destes alimentos aumenta.

Ambiente fora de casa: atualmente alimentos ultraprocessados estão disponíveis em todo lado e impactam os hábitos alimentares das pessoas. Propagandas de alimentos também influenciam os comportamentos alimentares.

Todos estes fatores influenciam o comportamento alimentar. O consumo de alimentos considerados não saudáveis faz parte do comer normal. O comer saudável faz parte do comer normal. Leia mais aqui. O problema está quando todas as pressões levam a um comer mal adaptado, que pode gerar problemas de saúde físicos ou mentais.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Não é só açúcar que causa compulsão alimentar, gordura em excesso também

Muita gente tem medo de açúcar, mas a gordura em excesso também tende a ampliar a atividade dopaminergica em regiões que sinalizam estímulos salientes palatáveis associados esse nutriente (estriado ventral), bem como em regiões que estão relacionados ao desejo (estriado dorsal medial) e regiões relacionadas a formação preferência de sabor (estriado dorsal lateral). É comum prazer com lipídios, lembre de uma torta bem chocolatuda ou uma picanha com gordura na medida.

A gordura não somente altera atividade dopaminergica, mas também de seus receptores e transportadores, refletindo em maior comportamentos impulsivos e reativos diante de alimentos gordurosos no ambiente, estabelecendo mudanças persistentes na circuitaria neural.

Curiosamente, o efeito da gordura pode ser até maior que a sacarose (açúcar) quando ambos são oferecidos aos animais, onde a bebida associada a infusão de gordura levou a maior consumo de calorias e maior ganho de peso comparado com a bebida rica em açúcar, tanto a nível comportamental, quanto a nível neurobiologico através da maior atividade de determinadas áreas cerebrais.

A própria presença do estímulo gorduroso orossensorial (oral e olfativa) induziu respostas dopaminérgicas tão proeminentes que a própria sacarose. Açúcar tem facilidade de absorção, enquanto gordura tem um impacto no sistema mesolímbico.

Ou seja, é normal comermos mais quando há mais alimento hiperpalatável e mais gorduroso à mesa. Se isso irá virá um comportamento mal adaptado, em que só desejamos estes tipos de alimentos, já é uma história mais complexa. Leia também este outro artigo (como decidimos o que comer?).

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Artigos na área

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Timmerman GM, Gregg EK. Dieting, perceived deprivation, and preoccupation with food. West J Nurs Res. 2003 Jun;25(4):405-18. doi: 10.1177/0193945903025004006. PMID: 12790056.

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Berland C, Cansell C, Hnasko TS, Magnan C, Luquet S. Dietary triglycerides as signaling molecules that influence reward and motivation. Curr Opin Behav Sci. 2016 Jun;9:126-135. doi: 10.1016/j.cobeha.2016.03.005. Epub 2016 Mar 18. PMID: 28191490; PMCID: PMC5295493.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Pequeno glossário da nutrição de precisão

A expectativa de vida humana aumentou três décadas no último século. No entanto, essa extensão da expectativa de vida não foi acompanhada por uma melhora na qualidade de vida, ou seja, anos vividos sem doença. A nutrição é um pilar fundamental da saúde, sendo a dieta o fator modificável que exerce maior impacto na saúde e bem-estar humano. Dietas inadequadas são responsáveis por 1 em cada 5 mortes de adultos em todo o mundo. Contudo, as recomendações dietéticas têm sido tradicionalmente baseadas em estudos epidemiológicos que assumem que as necessidades e respostas nutricionais individuais imitam a resposta média observada nas populações de estudo. E isso não é verdade. Algumas pessoas comem pouca fruta e vivem até os 100 anos e outras só conseguem tal longevidade com uma dieta baseada em plantas.

O avanço das estratégias de nutrição personalizada ou nutrição de precisão (NP) melhorou nossa compreensão de como fatores como genética, microbioma e assinaturas metabólicas podem prever se o que comemos suporta ou prejudica nossa saúde e em que grau. E isto vai ser individual.

Assim, a Nutrição de Precisão (NP) é uma abordagem que visa desenvolver recomendações nutricionais com base em variáveis individuais, incluindo genética, microbioma, perfil metabólico, estado de saúde, atividade física, padrão alimentar, ambiente alimentar, bem como características socioeconômicas e psicossociais. A NP reconhece que o que é saudável e adequado para um indivíduo pode não ser para outro, e entende que a saúde e as respostas à dieta mudam com o tempo.

Estudos no campo da genômica nutricional revelaram associações entre fatores genéticos e respostas metabólicas aos alimentos, necessidades de nutrientes, preferências dietéticas e resultados de doenças. Espera-se que essas recomendações personalizadas provoquem mudanças comportamentais que levariam a melhorias na trajetória de saúde da pessoa.

A NP pode ser definida como uma abordagem que usa dados individuais para prever como uma pessoa responderá a alimentos ou padrões alimentares específicos e adapta as recomendações dietéticas às suas necessidades individuais.

A Nutrição de Precisão representa um avanço no aconselhamento dietético tradicional (Berciano et al., 2022)

Foi demonstrado que as recomendações personalizadas aumentam a adesão às recomendações dietéticas em prol de uma vida mais saudável. Auxiliado por uma riqueza de dados coletados por meio de dispositivos individuais (wearables), smartphones e testes de diagnóstico, a NP promete uma abordagem mais econômica para a promoção da saúde. Esses dados podem ser analisados e integrados usando métodos computacionais para gerar recomendações nutricionais qualitativas e quantitativas para pacientes, com base em sua individualidade e de forma rápida.

Atributos da Nutrição de Precisão

  • Personalizada: dados individuais são coletados.

  • Confiável: derivada de recomendações que melhoram resultados de saúde.

  • Baseada em evidências: apoiada por evidências científicas robustas.

  • Complexa: desenvolvimento depende de ferramentas e conhecimentos especializados.

  • Integrativa: variabilidade intra e interindividual é dependente de predições múltiplas.

  • Sistemática: dados são coletados, analisados e apresentados sistematicamente.

  • Evolutiva: as recomendações evoluem conforme o indivíduo envelhece ou conforme mais dados tornam-se disponíveis.

A variação individual nos comportamentos e respostas dietéticas mostrou ser multifacetada e inclui genética, perfil metabólico e assinaturas meta-ômicas (como metagenômica e metatranscriptômica), bem como fatores psicológicos, antropométricos, sociodemográficos e ambientais. Para condensar algumas dessas camadas de informações em entradas mais gerenciáveis, muitos desses preditores são apresentados como “tipos” ou assinaturas. Embora “genótipo” geralmente se refira a um único locus em nosso genoma, metabótipos, nutritipos, idades e fenótipos referem-se a medidas compostas que combinam um grande número de variáveis relacionadas ao nosso metabolismo, dieta, envelhecimento e outras características.

É claro que a base da NP foi construída em grande parte com evidências de estudos ômicos que são mais focados na biologia molecular e na bioquímica nutricional do que nos fatores ambientais e sociais do comportamento alimentar. No entanto, considerar características adicionais, incluindo respostas sensoriais, circunstâncias pessoais, valores, atitudes, comportamentos e determinantes sociais da saúde, facilitará o desenvolvimento de soluções de NP que sejam adequadamente adaptadas, aceitas e adotadas pelo indivíduo, resultando em estilos de vida melhorados e saúde duradoura.

Big data e analytics em nutrição de precisão

Avanços tecnológicos em ciências ômicas, inteligência artificial (IA) e sensores (especialmente dispositivos vestíveis) também têm o potencial de revolucionar a forma como a pesquisa nutricional é conduzida e como os insights dietéticos são apresentados e usados pelo público.

Os métodos tradicionais de avaliação dietética, incluindo questionários de frequência alimentar, registros de dieta e recordatórios, têm resolução limitada para fornecer um perfil de ingestão preciso e podem ser trabalhosos para serem concluídos. O desenvolvimento de aplicativos móveis que oferecem reconhecimento de imagem para quantificar refeições e sensores vestíveis para detectar e capturar a ingestão de nutrientes, juntamente com leitores de código de barras para facilitar o reconhecimento de alimentos embalados, pode resultar em avaliações dietéticas mais precisas, em tempo real e fáceis de usar.

A crescente presença de sensores e dispositivos eletrônicos pessoais nas residências complementará e aumentará a precisão dos métodos baseados em imagens e questionários para rastrear a ingestão alimentar. Os wearables de próxima geração poderão monitorar continuamente e de forma não invasiva a glicose no sangue e outros biomarcadores antes que os implantes sejam criados.

A saúde metabólica é uma métrica atual de interesse e definida com base em uma combinação de fatores de risco: glicose em jejum (<100 mg/dL), hemoglobina A1c (<5,7%), pressão arterial (sistólica <120 e diastólica <80 mmHg), triglicérides (<150 mg/dL), colesterol de lipoproteína de alta densidade (≥40/50 mg/dL para homens/mulheres), antropométricos (circunferência da cintura <102/88 cm para homens/mulheres) e não tomar qualquer medicamento relacionado. Apenas 12% dos adultos nos EUA são metabolicamente saudáveis, incluindo menos de um terço dos adultos com peso normal.

A NP pode facilitar a avaliação da saúde metabólica usando marcadores mais sensíveis, permitindo a detecção precoce da desregulação metabólica e fornecendo estratégias dietéticas mais eficazes para recuperar a saúde metabólica. Aparelhos de cozinha e até banheiros inteligentes coletarão dados sobre a ingestão de alimentos, estado nutricional, respostas dietéticas e biomarcadores de saúde de cada membro consentido da família.

Amostras e testes domiciliares usando kits de coleta fecal, cartões de sangue seco e monitores contínuos de glicose já estão disponíveis comercialmente. Dispositivos mais abrangentes em desenvolvimento podem substituir algumas das opções atuais e permitir o rastreamento de nutrientes, comportamento e saúde de alta resolução e em tempo real.

A Inteligência Artificial (IA) é fundamental na análise de dados maciços do mundo real coletados usando dispositivos vestíveis ou ferramentas de diagnóstico para detectar melhor padrões e prever trajetórias de saúde. Aplicações comuns de algoritmos de aprendizado de máquina em nutrição incluem a descoberta e validação de novos ingredientes bioativos, integração de dados dietéticos e de saúde, desenvolvimento de modelos preditivos e recomendações para otimizar os resultados de saúde.

Desbloquear todo o potencial dessas abordagens de big data excede a capacidade dos computadores existentes. No entanto, pode ser viável em 5 a 10 anos, quando máquinas híbridas que combinam processamento quântico e convencional se tornarem ferramentas essenciais na análise de conjuntos de dados altamente complexos envolvendo múltiplas variáveis interativas.

Ensaios individualizados ou n de 1 são ensaios de uma pessoa em que o número de variáveis medidas e a frequência de amostragem podem capturar a variabilidade intraindividual em uma trajetória de saúde, permitindo comparações entre diferentes intervenções e determinação empírica da dieta ideal para uma pessoa específica. Embora não se espere que tais achados sejam generalizáveis, eles são compatíveis com o objetivo da prática clínica - o cuidado de pacientes individuais.

O avanço da PN requer o desenvolvimento de medidas precisas de exposições, comportamentos e suscetibilidades em diversas populações. Mudar o foco do tratamento para a prevenção e entregar a intervenção certa para a população certa no momento certo pode ser alcançado com abordagens de Saúde Pública de Precisão que complementam as estratégias de Nutrição de Precisão focadas no indivíduo.

Este caminho para a saúde integrada não é curto: passar de tratamento reativo para abordagens de prevenção proativa exigirá tempo, investimento, treinamento e diretrizes claras, mas espera-se que gere um valor significativo.

Termos importantes na nutrição de precisão

Genômica é o estudo de variações genéticas (por exemplo, sequenciamento de próxima geração) ou mudanças na estrutura e arquitetura cromossômica como resultado de alterações dentro de um cromossomo

A epigenômica investiga os mecanismos que alteram a expressão gênica, sem alterar a sequência do DNA, concentrando-se principalmente na metilação do DNA, hidroximetilação do DNA e modificações de histonas por análise genética específica, conteúdo global de metilação/modificação ou varreduras de todo o genoma.

Metabolômica o estudo da resposta metabólica multiparamétrica dinâmica (perfis de metabólitos de pequenas moléculas) de sistemas vivos a estímulos fisiopatológicos ou modificação genética, ou a tentativa de identificar metabólitos desconhecidos, biomarcadores ou alvos para tratamento.

Metagenômica é o estudo do genoma coletivo de microrganismos a partir de amostras ambientais para fornecer informações sobre a diversidade microbiana e a ecologia de um ambiente específico. A diversidade microbiana pode interagir e alterar a expressão gênica, síntese de proteínas e modificações pós-traducionais e o metaboloma.

Proteômica é um estudo em larga escala de proteínas, particularmente suas estruturas e funções, e a interação entre proteínas específicas com outras estruturas.

A transcriptômica é o estudo do conjunto de todas as moléculas de RNA, incluindo RNA mensageiro, RNA ribossômico, RNA de transferência e outros RNAs não codificantes produzidos em uma célula ou em uma população de células.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/