Fibra dietética, propriedades e interação com o cérebro

A fibra dietética, derivada de frutas, legumes, cereais integrais, castanhas, sementes e leguminosas é um termo genérico que abrange vários tipos de polímeros de carboidratos que não podem ser digeridos nem absorvidos pelo intestino delgado humano. Consequentemente, a fibra alimentar acaba no cólon, onde é fermentada pela microbiota intestinal.

O consumo de fibra alimentar tem sido associado a vários efeitos fisiológicos benéficos, para corpo e mente. Notavelmente, o consumo de fibra alimentar pode ajudar na prevenção ou tratamento de sintomas de depressão, ansiedade e estresse. Além disso, dados pré-clínicos sugerem que facetas prejudicadas da cognição, como dificuldade de atenção, redução da flexibilidade mental e problemas no funcionamento executivo, podem ser amenizadas pelo consumo adequado de fibra alimentar.

Como as fibras alimentares variam em origem, composição química e propriedades físico-químicas (incluindo solubilidade, fermentabilidade e viscosidade), elas podem exercer diferentes efeitos no organismo. Essas diferenças nas propriedades físico-químicas podem afetar diferentemente as vias comunicativas para o cérebro e, consequentemente, influenciar de forma variável os processos afetivos e cognitivos.

Os mecanismos comumente aceitos pelos quais se acredita que as fibras alimentares afetam os processos cognitivos e afetivos são o microbioma intestinal e os ácidos graxos de cadeia curta (SCFAs). Mecanismos adicionais que podem contribuir para os efeitos positivos das fibras alimentares sobre esses processos são a modulação do sistema imunológico, a redução do colesterol, a melhoria da barreira intestinal, o estímiulo do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), o controle da pressão arterial e dos níveis de açúcar no sangue.

Fibras alimentares: uma definição

A definição mais comumente usada de fibra alimentar está de acordo com o Codex Alimentarius, que afirma que as fibras alimentares incluem (1) polímeros de carboidratos comestíveis que ocorrem nos alimentos consumidos, (2) carboidratos comestíveis obtidos de matérias-primas alimentares por meios físicos, enzimáticos ou químicos. e (3) polímeros de carboidratos sintéticos, que têm efeitos fisiológicos benéficos demonstrados por evidências científicas geralmente aceitas.

Em 2016, a Food and Drug Administration (FDA) definiu fibra alimentar como (1) carboidratos solúveis e insolúveis não digeríveis (com três ou mais unidades monoméricas) e lignina que são intrínsecos e intactos nas plantas, ou (2) isolados ou carboidratos sintéticos não digeríveis (com três ou mais unidades monoméricas) e induzem efeitos fisiológicos benéficos à saúde humana.

A lista de carboidratos não digeríveis incluem fibra solúvel de β-glucano, casca de psyllium, celulose, goma guar, pectina, goma de alfarroba e hidroxipropilmetilcelulose, fibras mistas da parede celular vegetal, arabinoxilano (AX), alginato, inulina e frutanos do tipo inulina (ITFs), amido rico em amilose (amido resistente 2), galactooligossacarídeos (GOS), polidextrose, maltodextrina/dextrina resistente, RS4 fosforilado reticulado e glucomanano.

Certos tipos de fibras, como ITFs e GOS, atendem aos critérios de prebióticos. Os prebióticos são definidos como “um substrato que é utilizado seletivamente pelos microrganismos hospedeiros, conferindo um benefício à saúde”.

A composição intrínseca do tecido vegetal é criada pelas fibras da parede celular vegetal celulose, hemicelulose e pectina. A celulose (em verde, na figura abaixo) forma fibrilas, que são estabilizadas pela hemicelulose (laranja) e ainda mais fortalecidas pela pectina (azul), formando uma estrutura tridimensional complexamente entrelaçada.

Enquanto a celulose é uma molécula estruturalmente simples feita de moléculas de glicose que são ligadas por β(1→4), a hemicelulose e a pectina são dois grupos de fibras de parede celular estruturalmente muito diversas. Uma hemicelulose abundante em plantas dicotiledôneas (como leguminosas) é o xiloglucano, enquanto as plantas monocotiledôneas (grãos) têm maiores quantidades de β-glucanos de ligação mista (por exemplo, aveia) e arabinoxilanos (por exemplo, trigo). A pectina pode consistir em cadeias lineares de monômeros (homogalacturonano), que podem ser esterificadas e posteriormente decoradas com outros açúcares (xilogalacturonano) ou de várias moléculas com cadeias laterais feitas de outros compostos (ramnogalacturonanos).

Propriedades das fibras alimentares

As fibras dietéticas podem ser solúveis ou insolúveis em água, e a maioria dos alimentos vegetais contém uma mistura de ambos. Aproximadamente 20% da fibra alimentar consumida é solúvel, enquanto 80% é insolúvel. As fibras insolúveis consistem principalmente em celulose, hemicelulose e lignina e estão presentes principalmente no farelo de trigo, na maioria dos produtos de grãos e vegetais. Consistem em polissacarídeos, como pectina, mucilagem e goma, e são encontradas predominantemente em algumas frutas (por exemplo, ameixas secas, laranjas e toranjas), aveia, cevada, feijão seco e legumes (por exemplo, lentilhas e feijão).

A estrutura complexa da fibra da parede celular encapsula vários outros nutrientes no vacúolo da planta, como carboidratos de armazenamento, que podem ser frutano - uma fibra alimentar com uma estrutura de frutose - ou amido. O amido é armazenado em grânulos de amido, que são encontrados em vegetais e frutas como batatas e bananas (verdes na figura abaixo).

As células vegetais de outras frutas e vegetais contêm vacúolos principalmente cheios de água e outros nutrientes (por exemplo, pequenos açúcares). As nozes contêm corpos lipídicos que são incorporados dentro do vacúolo em uma matriz de proteína, enquanto nas leguminosas os grânulos de amido são incorporados na matriz de proteína. Finalmente, em contraste com as plantas dicotiledôneas mencionadas anteriormente, os grãos, que são monocotiledôneas, têm paredes celulares vegetais diferentes, mas também têm grânulos de amido incorporados em uma matriz de proteína. Esta matriz de amido-proteína é cercada pela chamada camada de aleurona, o tegumento da semente e o pericarpo que juntos formam o chamado farelo.

Embora as fibras solúveis sejam menos prevalentes nos alimentos do que as fibras insolúveis, elas têm uma influência importante nos processos digestivos e de absorção, como retardar o esvaziamento gástrico, diminuir a absorção de glicose, melhorar a função imunológica e reduzir os níveis de colesterol total e de lipoproteína de baixa densidade (LDL).

As fibras insolúveis são importantes para reduzir o tempo de trânsito intestinal, aumentar o volume fecal e amolecer as fezes. O farelo de trigo, por exemplo, é predominantemente composto de fibras insolúveis, que não se dissolvem em água e ajudam a manter o volume das fezes, promovendo o trânsito intestinal.

Outra propriedade das fibras é a viscosidade, ou seja, a capacidade de gelificar com água. Esta, depende da solubilidade da fibra com fibras solúveis tendo maior viscosidade. As fibras viscosas reduzem a resposta pós-prandial da glicose após refeições ricas em carboidratos, reduzem os níveis de colesterol total e LDL, atrasam o esvaziamento gástrico e a absorção de macronutrientes do intestino.

Por fim, uma característica muito importante é a fermentabilidade. Algumas fibras (como lignina) não fermentam. Outras possuem fermentação quase completa (como a pectina). As fibras solúveis são fermentadas no cólon, enquanto as fibras insolúveis são menos fermentadas e mais lentamente. A fermentação de fibras solúveis resulta na produção de ácidos graxos de cadeia curta (AGCCs) que, por sua vez, exibem efeitos antiinflamatórios no intestino, mantêm a integridade da barreira intestinal, induzem a secreção de mucina no trato gastrointestinal e promovem a motilidade gastrointestinal.

Além da solubilidade, o comprimento da cadeia e o tamanho das partículas determinam a fermentabilidade, com polímeros mais curtos e partículas pequenas sendo fermentadas mais facilmente (La Torre, Verbeke, & Daillie, 2021).

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Excesso de interleucina-11

IL-11 é uma proteína envolvida em vários processos biológicos, incluindo inflamação, respostas imunes e reparo de tecidos. A interleucina 11 (IL-11) é uma proteína citocina que pertence à família das interleucinas. Ela funciona como um fator de crescimento e tem diversas funções no sistema imunológico e em outros processos fisiológicos. Algumas de suas funções incluem:

  1. Estimulação da produção de plaquetas: A IL-11 desempenha um papel importante na hematopoiese, especificamente na produção de plaquetas na medula óssea.

  2. Regulação da resposta imunológica: Atua como mediadora da inflamação e pode influenciar a resposta imune, embora seu papel exato nesse contexto ainda esteja sendo estudado.

  3. Ação em tecidos ósseos e cartilaginosos: Participa da regulação do desenvolvimento e da homeostase desses tecidos, afetando a diferenciação celular e a reparação tecidual.

  4. Outras funções: Sugere-se que a IL-11 também possa estar envolvida em processos como a diferenciação de células adiposas e a reparação de tecidos danificados.

O excesso de interleucina 11 (IL-11) pode estar associado a diversas condições patológicas, especialmente devido ao seu papel na modulação de processos inflamatórios, de crescimento celular e de reparação tecidual. Alguns dos efeitos adversos potenciais de níveis elevados de IL-11 incluem:

1. Fibrose

O aumento de IL-11 tem sido associado à fibrose em diferentes órgãos, como coração, pulmões, fígado e rins. A IL-11 pode promover a ativação dos fibroblastos, que produzem colágeno e outras proteínas da matriz extracelular, levando à formação de tecido cicatricial e ao enrijecimento dos tecidos, prejudicando a função normal do órgão afetado.

- Fibrose cardíaca: Contribui para o desenvolvimento de insuficiência cardíaca e remodelação cardíaca.

- Fibrose pulmonar: IL-11 pode estar envolvida no agravamento de doenças como a fibrose pulmonar idiopática, uma condição em que o tecido pulmonar se torna espesso e cicatrizado, dificultando a respiração.

2. Doenças inflamatórias

Embora a IL-11 geralmente tenha um papel anti-inflamatório, níveis cronicamente elevados podem desregular o equilíbrio entre citocinas pró e anti-inflamatórias, contribuindo para a progressão de doenças inflamatórias crônicas e autoimunes.

3. Câncer

Níveis elevados de IL-11 podem estar associados ao crescimento e à progressão de alguns tipos de câncer. A IL-11 pode promover a sobrevivência e a proliferação de células tumorais e está envolvida na metástase (disseminação do câncer) em certos tumores sólidos, como os de mama, estômago e intestino.

4. Disfunções hematológicas

Como a IL-11 estimula a produção de plaquetas, o excesso dessa citocina pode levar a um aumento na contagem de plaquetas (trombocitose), o que pode elevar o risco de trombose (formação de coágulos sanguíneos), com consequências como infarto do miocárdio ou acidente vascular cerebral (AVC).

Como reduzir a IL-11?

Embora haja um interesse crescente em direcionar IL-11 para fins terapêuticos, especialmente no contexto de envelhecimento e doença, bloqueá-lo diretamente é um esforço complexo.

Inibição Farmacológica:

  • Anticorpos: Desenvolver anticorpos que se liguem especificamente à IL-11 pode neutralizar sua atividade. Essa abordagem está sendo explorada em ensaios clínicos para certas doenças.

  • Pequenas Moléculas: Pesquisadores estão investigando pequenas moléculas que podem interferir nas vias de sinalização da IL-11. No entanto, essa abordagem requer um design cuidadoso para evitar efeitos fora do alvo.

Intervenções dietéticas e de estilo de vida:

Compostos naturais: alguns compostos de origem vegetal demonstraram modular os níveis ou a sinalização de IL-11. Plantas que podem modular a IL-11:

  • Ácido boswélico (do olíbano)

  • Gengibre

  • Chá verde

  • Ashwagandha

  • Açafrão

É importante observar que, embora essas plantas e seus compostos sejam promissores, mais pesquisas são necessárias para entender completamente seus efeitos na IL-11 e sua segurança para uso humano. Se você estiver pensando em usar qualquer uma dessas ervas ou suplementos, é aconselhável consultar um profissional de saúde primeiro.

Estilo de vida saudável: fatores como dieta, exercícios e controle do estresse podem influenciar a inflamação e as respostas imunológicas, o que pode afetar indiretamente os níveis de IL-11.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Metabolismo dos ácidos biliares e uso em pacientes com ELA

A síntese de ácidos biliares constitui a rota do catabolismo do colesterol. Ácidos biliares também são importantes na solubilização do colesterol alimentar, lipídios e nutrientes essenciais, promovendo assim sua absorção e entrega no fígado.

O fígado pode produzir ácidos biliares com função de auxiliar o processo de digestão e absorção de nutrientes e como maneira de regular o metabolismo, já que ácidos biliares atuam como sinalizadores moleculares. Ácidos biliares também influenciam a composição e diversidade da microbiota intestinal, podem ter um efeito neuroprotetor e auxiliam na eliminação de substâncias tóxicas e bilirrubina.

Os produtos finais da utilização do colesterol são os ácidos biliares. De fato, a síntese de ácidos biliares é um dos mecanismos predominantes para a excreção do excesso de colesterol. No entanto, a excreção de colesterol na forma de ácidos biliares pode ser insuficiente para compensar uma ingestão alimentar excessiva de colesterol.

Embora várias das enzimas envolvidas na síntese de ácidos biliares sejam ativas em muitos tipos de células (inclusive no cérebro), o fígado é o único órgão onde sua biossíntese completa pode ocorrer.

A síntese completa de ácidos biliares requer 17 enzimas individuais e ocorre em múltiplos compartimentos intracelulares que incluem o citosol, retículo endoplasmático (RE), mitocôndrias e peroxissomos. Os genes que codificam várias das enzimas da síntese de ácidos biliares estão sob rígido controle regulatório para garantir que o nível necessário de produção de ácidos biliares seja coordenado para mudar as condições metabólicas. Dado o fato de que muitos metabólitos de ácidos biliares serem citotóxicos, é compreensível por que sua síntese precise ser rigorosamente controlada.

A principal via para a síntese dos ácidos biliares é iniciada via hidroxilação do colesterol na posição 7 por meio da ação da colesterol 7α-hidroxilase (CYP7A1), que é uma enzima localizada no retículo endoplasmático. A CYP7A1 é um membro da família de enzimas metabólicas do citocromo P450. Esta via é descrita de forma altamente abreviada na figura acima. A via iniciada pelo CYP7A1 é referida como a via "clássica" ou "neutra" da síntese de ácidos biliares.

Há uma via alternativa que envolve a hidroxilação do colesterol na posição 27 pela enzima mitocondrial esterol 27-hidroxilase (CYP27A1). Esta via alternativa é referida como a via "ácida" da síntese do ácido biliar. Em humanos, esta via alternativa de síntese do ácido biliar é responsável por não mais do que 6% da produção total de ácido biliar. Os intermediários do ácido biliar gerados pela ação do CYP27A1 são subsequentemente hidroxilados na posição 7 pela oxisterol 7α-hidroxilase (CYP7B1).

Distúrbios metabólicos primários e secundários

Vários erros inatos no metabolismo são devidos a defeitos nos genes da síntese do ácido biliar e estão associados à insuficiência hepática na primeira infância a neuropatias progressivas em adultos. Distúrbios metabólicos associados à síntese e ao metabolismo do ácido biliar são amplamente classificados como distúrbios primários ou secundários. Os distúrbios primários envolvem deficiências herdadas em enzimas responsáveis ​​por catalisar reações-chave na síntese dos ácidos cólico e quenodesoxicólico.

Os distúrbios do ácido biliar classificados como secundários referem-se a defeitos metabólicos que afetam a síntese primária do ácido biliar, mas que não são devidos a defeitos nas enzimas responsáveis ​​pela síntese. Distúrbios secundários do metabolismo do ácido biliar incluem distúrbios peroxissômicos, como a síndrome de Zellweger e distúrbios de biogênese peroxissômica relacionados e a síndrome de Smith-Lemli-Opitz, que resulta de uma deficiência da 7-desidrocolesterol redutase (DHCR7).

Os principais ácidos biliares

Os ácidos biliares mais abundantes na bile humana são o ácido quenodesoxicólico (45%) e o ácido cólico (31%). Eles são chamados de ácidos biliares primários. Antes que os ácidos biliares primários sejam secretados no lúmen canalicular, eles são conjugados por meio de uma ligação amida no grupo carboxila terminal com qualquer um dos aminoácidos glicina ou taurina. Essas reações de conjugação aumentam a natureza anfipática dos ácidos biliares, tornando-os mais facilmente secretáveis, bem como menos citotóxicos. Os ácidos biliares conjugados são os principais solutos na bile humana.

Ácidos biliares conjugados derivados do ácido cólico (A) e quenodesoxicólico (B) - Jaillier-Ramírez, Waitzberg, & Romero, 2021

Na vesícula biliar, os ácidos biliares são concentrados até 1000 vezes. O acúmulo excessivo de bile nos canalículos biliares e na vesícula biliar é uma causa primária de cálculos biliares. Após a estimulação pela ingestão de alimentos, a vesícula biliar libera a bile no duodeno, por meio da ação do hormônio intestinal colecistocinina, CCK, onde auxiliam na emulsificação de lipídios alimentares.

Nos intestinos, os ácidos biliares primários são acionados por bactérias e passam por um processo de desconjugação que remove os resíduos de glicina e taurina. Os ácidos biliares desconjugados são excretados (apenas uma pequena porcentagem) ou reabsorvidos pelo intestino e retornados ao fígado. Bactérias anaeróbicas presentes no cólon modificam os ácidos biliares primários, convertendo-os em ácidos biliares secundários, identificados como desoxicolato (de colato) e litocolato (de quenodesoxicolato). Os ácidos biliares primários e secundários são reabsorvidos pelos intestinos e devolvidos ao fígado pela circulação portal. De fato, até 95% do ácido biliar total sintetizado pelo fígado é absorvido pelo íleo distal e retornado ao fígado. Esse processo de secreção do fígado para a vesícula biliar e depois para os intestinos e finalmente reabsorção é denominado circulação entero-hepática.

Regulação da síntese de ácidos biliares

Os ácidos biliares, em particular o ácido quenodesoxicólico (CDCA) e o ácido cólico (CA), podem regular a expressão de genes envolvidos em sua síntese, criando assim um ciclo de feedback. Essa via regulatória envolve uma classe de receptores nucleares chamados receptores farnesoides X, FXR. Os genes FXR são expressos em níveis mais altos no intestino e no fígado. Os ácidos biliares e os metabólitos do ácido biliar se ligam e ativam a atividade transcricional do FXR.

Suplementação de ácidos biliares

A suplementação de ácidos biliares pode ser considerada em casos onde a produção natural desses compostos está comprometida, como em:

  • Doenças hepáticas: Cirrose, hepatite crônica e outras condições que afetam a função hepática podem diminuir a produção de ácidos biliares.

  • Distúrbios da vesícula biliar: A remoção da vesícula biliar ou problemas na sua função podem levar a uma má digestão de gorduras.

  • Doenças intestinais: Algumas doenças intestinais, como a doença de Crohn, podem afetar a absorção de ácidos biliares.

  • Deficiências nutricionais: Pessoas com má absorção de gordura podem apresentar deficiências de vitaminas lipossolúveis.

Benefícios da suplementação:

  • Melhora da digestão: Facilita a digestão e absorção de gorduras, aliviando sintomas como diarreia, flatulência e má absorção de nutrientes.

  • Aumento da energia: A melhor absorção de nutrientes pode levar a um aumento nos níveis de energia.

  • Redução de sintomas de má absorção: Pode aliviar sintomas como perda de peso, fezes gordurosas e deficiências vitamínicas.

Um ácido biliar derivado do ácido ursodesoxicólico, o ácido tauroursodesoxicólico (TUDCA), tem sido empregado para tratamento de muitas doenças hepato biliares e também na esclerose lateral amiotrófica, uma doença neurodegenerativa complexa que afeta os neurônios motores, levando à perda progressiva da função muscular.

A hipótese de que a suplementação de TUDCA (em doses maiores que 1.000 mg/dia) poderia ser benéfica para pacientes com esclerose lateral amiotrófica (ELA), aumentando a sobrevida, baseia-se em algumas de suas propriedades (Albanese et al., 2022; Zucchi et al., 2023):

Probabilidade de sobrevivência com a suplementação de TUDCA (Zucchi et al., 2023)

  • Proteção das células nervosas: Ao reduzir o estresse oxidativo e a inflamação, a TUDCA poderia proteger os neurônios motores da degeneração.

  • Melhora da função mitocondrial: As mitocôndrias são as "usinas de energia" das células. A TUDCA pode ajudar a melhorar a função mitocondrial, fornecendo mais energia para as células.

  • Efeito neuroprotetor: Alguns estudos sugerem que a TUDCA pode ter um efeito neuroprotetor, ajudando a prevenir a morte das células nervosas.

Resultados dos primeiros estudos desapontaram

Infelizmente, dados de primeira linha anunciados recentemente de um estudo de fase 3 em larga escala (NCT03800524) mostraram que o ácido tauroursodesoxicólico, ou TUDCA, não conseguiu se distinguir do placebo na desaceleração da progressão da doença entre pacientes com esclerose lateral amiotrófica (ELA). Aspectos dos dados estão sendo investigados mais a fundo para explorar diferenças adicionais entre os braços de placebo e tratamento, incluindo vários pontos de tempo e análises em grupos de progressão lenta vs rápida.1

Após 18 meses de tratamento, a terapia não atingiu seu ponto final primário, conforme medido pelas pontuações da Escala de Classificação Funcional da ELA - Revisada. Além disso, os pesquisadores não observaram diferenças entre os grupos em outros pontos finais secundários, incluindo tempo de sobrevivência e alterações em biomarcadores, como a proteína de luz do neurofilamento. O consórcio TUDCA-ALS, organizado pelo Humanitas Research Hospital na Itália, terá análises adicionais apresentadas na reunião da Rede Europeia para a Cura da ELA em Estocolmo, junho de 2024.

Declararam estar muito decepcionados em ver que não houve benefício geral demonstrado. Dada a heterogeneidade da ELA, é importante explorar se a falta de efeito foi uniforme em toda a população do estudo. Portanto, uma análise completa de subgrupos com base em pontos de tempo intermediários ainda será realizada.

O estudo randomizado, controlado por placebo e de grupos paralelos foi bastante impactado pela pandemia de COVID-19, que forçou alguns participantes a desistirem, reduzindo a inscrição de 440 para 336. Além disso, significativamente mais participantes no placebo abandonaram o estudo nos primeiros 9 meses do que aqueles no braço TUDCA, com cerca de metade da coorte de pacientes atingindo a marca de 18 meses em cada braço de tratamento. O estudo, que abrangeu 25 centros em 7 países da Europa, também mostrou que o TUDCA foi bem tolerado e geralmente seguro, com eventos adversos gastrointestinais predominantemente leves ocorrendo em ambos os braços.

A combinação de TUDCA e UDCA havia sido relatada como eficaz em modelos animais de lesão da medula espinhal, traumatismo craniano, glaucoma, insuficiência renal aguda, pancreatite, síndrome metabólica, psoríase, infarto do miocárdio, dor neuropática, síndromes de isquemia-reperfusão, distúrbios gastrointestinais e retinopatia diabética, além de distúrbios relacionados ao fígado. Pacientes obesos também demonstraram se beneficiar de TUDCA/UDCA por meio da inibição do estresse do retículo endoplasmático e disfunção da UPR.3

Cuidados no uso de sais biliares

A degradação de colesterol e ácidos biliares depende de um conjunto de enzimas (como CYPs, HSDs, SLCs). Suplementar demais pode sobrecarregar várias destas enzimas, que também são necessárias para outras funções como destoxificação (especialmente CYPs). Por isso, sempre converse com um médico, antes da suplementação.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/