Doenças lisossômicas de depósito

As Doenças Lisossômicas de Depósito (DLDs) são um grupo de mais de 70 doenças genéticas raras, caracterizadas pelo acúmulo de substâncias no interior das células, em organelas chamadas lisossomos. O problema ocorre devido à falta ou à má função de enzimas específicas, que normalmente decompõem essas substâncias.

Como funcionam os lisossomos?

Os lisossomos são como as "lixeiras" das células, responsáveis por digerir e reciclar materiais indesejados. Quando uma enzima lisossomal não funciona corretamente, as substâncias que ela deveria quebrar se acumulam, causando danos às células e tecidos.

Quais são as principais causas das DLDs?

  • Hereditariedade: A maioria das DLDs é causada por mutações genéticas, transmitidas de pais para filhos.

  • Deficiência enzimática: A falta ou a má função de uma enzima lisossomal específica é a principal causa do acúmulo de substâncias.

Quais são os principais sintomas das DLDs?

Os sintomas das DLDs variam muito, dependendo da enzima afetada e da quantidade de substância acumulada. Alguns dos sintomas mais comuns incluem:

  • Problemas neurológicos: declínio intelectual, convulsões, dificuldades de aprendizado, perda de visão e audição.

  • Problemas esqueléticos: ossos frágeis, deformidades ósseas, dores articulares.

  • Problemas cardíacos: cardiomiopatia, arritmias.

  • Problemas hepáticos e renais: hepatomegalia, esplenomegalia, insuficiência renal.

  • Problemas respiratórios: dificuldade para respirar, infecções respiratórias frequentes.

  • Características faciais: dependendo da doença lisossômica pode ocorrer aumento das feições faciais, incluindo testa mais proeminente, sobrancelhas espessas, nariz largo e achatado, lábios e língua espessados, boca grande.

Quais são os tipos mais comuns de DLDs?

  • Doença de Gaucher: A mais comum das DLDs, caracterizada pela deficiência da enzima glicocerebrosidase, gerando acúmulo de glicocerebrosídeo, molécula composta de lipídio ligada à ceramida. O acúmulo de glicocerebrosídeos nos lisossomos gera aumento do volume das células e manifestações como aumento do baço (esplenomegalia), aumento do fígado (hepatomegalia), anemia, trombocitopenia (baixa contagem de plaquetas) e problemas ósseos.

  • Doença de Pompe: Causada pela deficiência da enzima alfa-glicosidase ácida (maltase ácida), que é responsável pela degradação de glicogênio em glicose dentro dos lissossomos. Afeta principalmente os músculos, causando fraqueza muscular progressiva. Recomenda-se neste caso a dieta low carb, possivelmente incluindo a variação cetogênica (Tarnopolsky, & Nisson, 2019).

  • Doença de Fabry: A deficiência de alfagalactosidase A leva ao acúmulo de globotriaosilceramida (Gb3 ou GL-3) nas células de vários tecidos e órgãos, incluindo vasos sanguíneos, coração, rins, pele e sistema nervoso. Esse acúmulo resulta em dor e uma ampla gama de sintomas e complicações, devido ao dano progressivo causado às células. Causa dor, problemas renais e cardíacos.

  • Mucopolissacaridoses: Grupo de doenças que ocorrem pela deficiência de enzimas que degradam mucopolissacarídeos.

  • Doença de Tay-Sachs: mutações no gene HEXA levam a uma deficiência ou ausência de Hexosaminidase A. Sem essa enzima, o gangliosídeo GM2 se acumula nas células nervosas, especialmente no cérebro, causando a morte celular progressiva e os sintomas neurológicos associados. Atualmente, a terapia de reposição enzimática não está disponível. A hexosaminidase atua especificamente no sistema nervoso central e a barreira hematoencefálica dificulta a passagem da enzima para o cérebro, onde o acúmulo de gangliosídeo GM2 ocorre.

  • Doença de Sandhoff: causada pela deficiência das enzimas Hexosaminidase A e B, levando ao acúmulo de gangliosídeo GM2 e outros substratos nos lisossomos das células, especialmente nos neurônios. As formas mais graves aparecem na infância enquanto a forma adulta é menos severa, mas inclui sintomas de fraqueza muscular, ataxia (perda de coordenação), problemas de fala e deterioração cognitiva. Os desafios na terapia são semelhantes à doença de Tay-Sachs.

Como as DLDs são diagnosticadas?

O diagnóstico das DLDs é feito através de:

  • História clínica detalhada: Incluindo informações sobre os sintomas, histórico familiar e desenvolvimento.

  • Exame físico: Avaliação das características físicas e dos órgãos afetados.

  • Exames genéticos: Confirmação do diagnóstico através da identificação da mutação genética responsável pela doença.

  • Exames laboratoriais: Análise do sangue, urina e líquido cefalorraquidiano para identificar a falta ou a má função de enzimas e o acúmulo de substâncias.

Exame de paciente realizado na rede Sarah (Brasil, 2024). O exame revelou baixo percentual de Hexosaminidase A, achado frequente em doenças lisossômicas de depósito, como Doença de Tay-Sachs e a Doença de Sandhoff.

Qual é o tratamento das DLDs?

O tratamento das DLDs varia de acordo com o tipo de doença e a gravidade dos sintomas. As opções de tratamento incluem:

  • Terapia enzimática de reposição: Substituição da enzima deficiente.

  • Transplante de medula óssea: Para alguns tipos de DLDs.

  • Tratamento sintomático e de suporte: Para aliviar os sintomas, como fisioterapia, terapia ocupacional e medicamentos.

  • Dieta específica: varia para cada doença, incluindo a reposição de nutrientes essenciais. O suporte nutricional pode ser necessário, quando existem problemas de deglutição ou baixo consumo alimentar. Sondas podem ser necessárias em estágios mais avançados de algumas doenças lisossômicas de depósito.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Não confunda neolamarckismo com epigenética

Ouvi um professor falando em aula que a epigenética é um tipo de neolamarckismo ou comprova esta teoria. Discordo. O neolamarckismo e a epigenética são dois conceitos que, à primeira vista, podem parecer conectados, mas que possuem nuances e implicações distintas na compreensão da evolução.

Neolamarckismo: Uma Teoria Histórica

A teoria de Jean-Baptiste Lamarck, um naturalista francês, postulava que os organismos poderiam transmitir para seus descendentes características que adquiriram durante a vida, em resposta a necessidades ambientais. Por exemplo, uma girafa esticando o pescoço para alcançar folhas altas transmitiria essa característica para seus filhotes, que nasceriam com pescoços mais longos.

A teoria de Lamarck foi amplamente rejeitada após o surgimento da teoria da evolução por seleção natural de Darwin, que enfatiza a importância das mutações aleatórias e da seleção natural na evolução.

O neolamarckismo tentou reviver e modificar algumas das ideias de Jean-Baptiste Lamarck, um naturalista francês conhecido por sua teoria da evolução baseada na "herança dos caracteres adquiridos".

Os neolamarckistas acreditam que os organismos podem adquirir novas características como resposta direta às condições ambientais, e que essas características podem ser herdadas pelas gerações seguintes. No entanto, o neolamarckismo busca reconciliar essa ideia com novas descobertas científicas, embora geralmente sem sucesso no campo da biologia moderna.

A teoria foi rapidamente eclipsada pela genética mendeliana e pela síntese moderna da evolução, que explicam a herança através dos genes e da seleção natural. No entanto, em algumas áreas, como na epigenética, há estudos que mostram que certas mudanças na expressão gênica, influenciadas pelo ambiente, podem afetar a descendência, o que levou alguns a reconsiderar aspectos da herança lamarckiana, embora em um contexto completamente diferente do original.

Epigenética: Uma Nova Perspectiva

A epigenética estuda as mudanças hereditárias na atividade dos genes que não envolvem alterações na sequência do DNA. Essas modificações podem ser influenciadas por fatores ambientais e podem ser transmitidas para as próximas gerações.

  • Mecanismos epigenéticos: Mecanismos como a metilação do DNA e as modificações nas histonas podem afetar a expressão gênica sem alterar a sequência de bases nitrogenadas do DNA.

  • Implicações para a evolução: A epigenética abre novas perspectivas para entender como o ambiente pode influenciar a evolução, mas não representa um retorno ao lamarckismo clássico.

Relação entre Neolamarckismo e Epigenética

  • Semelhanças aparentes: Tanto o neolamarckismo quanto a epigenética envolvem a ideia de que características adquiridas durante a vida podem ser transmitidas para as próximas gerações.

  • Diferenças cruciais: A epigenética não desafia o dogma central da biologia molecular (DNA → RNA → proteína), pois as mudanças epigenéticas não alteram a sequência do DNA. Além disso, a epigenética não implica que os organismos possam direcionar a ocorrência de mutações específicas em resposta a necessidades ambientais.

Ao meu ver, a epigenética não é um retorno ao lamarckismo. Embora ofereça um mecanismo pelo qual o ambiente pode influenciar a hereditariedade, ela não desafia a teoria da evolução por seleção natural. Fornece um mecanismo adicional para entender como a variabilidade genética pode surgir e como o ambiente pode influenciar a expressão gênica.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Suplementar algumas bactérias gera crescimento de outras, por cross feeding (alimentação cruzada)

Bactérias competem por nutrientes e os produtos excretados de uma linhagem podem ser a fonte de energia preferida ou uma fonte de nutrientes essenciais para outra linhagem.

A grande variabilidade nas preferências alimentares entre linhagens bacterianas frequentemente fornece relações complexas de alimentação cruzada entre bactérias, particularmente em ambientes complexos como o intestino humano, o que impacta na digestão e absorção de nutrientes.

Quando uma pessoa tem disbiose não precisa suplementar um monte de bactérias, de todas as cepas possíveis. Em geral, melhorar a dieta é suficiente. Quando não, a suplementação de algumas cepas selecionadas leva ao desenvolvimento de outras, por alimentação cruzada.

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