Como a disfunção mitocondrial se autoperpetua?

As mitocôndrias são essenciais para uma ampla gama de funções em quase todas as células do nosso corpo. Mais conhecidas por seu papel na produção de trifosfato de adenosina (ATP) por fosforilação oxidativa, as mitocôndrias estão intimamente envolvidas em outras funções celulares, como metabolismo redox, tamponamento de cálcio, homeostase lipídica, síntese de esteroides e neurotransmissores.

As mitocôndrias também desempenham um papel em importantes vias metabólicas não produtoras de energia, como o ciclo da ureia, produção de aminoácidos e porfirina, e como uma via para a ativação da apoptose. As mitocôndrias também têm papéis importantes na sinalização celular, principalmente sendo uma parte essencial do inflamassoma, um complexo que inicia a ativação imune, liberando moléculas de padrão molecular associado ao dano (DAMP), como cardiolipina, peptídeos n-formil, espécies reativas de oxigênio ( ROS) e DNA mitocondrial (mtDNA).

Por fim, a função mitocondrial normal resulta na produção de radicais de oxigênio (ROS), que podem causar lesão celular se não for controlada. Uma vez que o ATP produzido pelas mitocôndrias é essencial para muitos sistemas celulares, a função mitocondrial anormal pode afetar adversamente desproporcionalmente a fisiologia celular. No entanto, existem várias vias nas quais a função mitocondrial anormal pode resultar em um ciclo destrutivo que se autoperpetua.

As interações entre mitocôndrias, metabolismo redox e o sistema imunológico podem ser mutuamente prejudiciais e estão envolvidas na gênese de várias doenças.

As mitocôndrias são um grande produtor e alvo de radicais livres. Mitocôndrias disfuncionais produzem grandes quantidades de ROS que podem resultar em disfunção das enzimas da cadeia de transporte de elétrons (ETC), particularmente do complexo I e III, bem como da aconitase, a primeira enzima do ciclo do ácido cítrico.

Para agravar esse problema, a glutationa reduzida (GSH), o principal antioxidante intracelular e mitocondrial, requer ATP para sua produção de novo. Como tal, uma diminuição na produção de ATP resultante da redução da função mitocondrial resultará em menor produção de GSH, resultando em pior controle de EROs.

O dano oxidativo aos lipídios celulares, proteínas e ácidos nucléicos (incluindo DNAmt) tem sido associado a transtornos do neurodesenvolvimento e doenças neurodegenerativas.

Existem várias vias nas quais as mitocôndrias disfuncionais podem causar uma grande variedade de anormalidades na função do sistema imunológico. Primeiro, o dano celular devido ao estresse oxidativo pode ativar vias inflamatórias. Em segundo lugar, como parte essencial do inflamassoma, as mitocôndrias liberam moléculas DAMP, como cardiolipina, peptídeos n-formil, ROS e DNAmt.

Em terceiro lugar, as células imunes regulatórias são altamente dependentes do ATP derivado da fosforilação oxidativa mitocondrial, enquanto as células inflamatórias são altamente glicolíticas. Assim, uma vez iniciada uma resposta imune, a resposta inflamatória pode ser difícil de regular se houver disfunção mitocondrial.

Em quarto lugar, a inflamação e a ativação imune regulam positivamente o metabolismo e recrutam processos fisiológicos, mas sem o suporte mitocondrial, tais recursos não estarão disponíveis. Por fim, o sistema imunológico produz ROS como mecanismo de defesa contra potenciais invasores.

Tais aumentos em ROS podem resultar em um efeito prejudicial adicional nas mitocôndrias já disfuncionais. De fato, as mitocôndrias parecem ter um papel particularmente importante na imunidade inata. A disfunção imune, o excesso de citocinas pró-inflamatórias e radicais livres associado à disfunção mitocondrial, por exemplo, no autismo.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Papel das mitocôndrias na produção de neurotransmissores

A síntese e o empacotamento de alguns neurotransmissores-chave dependem significativamente das mitocôndrias. Por exemplo, a acetilcolina (ACh) é sintetizada a partir da colina e da acetil coenzima A (acetil CoA). A reação é catalisada pela enzima colina acetiltransferase (ChAT).

Obtemos a colina diretamente da dieta, como da gema do ovo. Já o Acetil CoA é sintetizado na mitocôndria a partir do piruvato proveniente da quebra de glicose ao final da glicólise (Guo, Tian, & Du, 2017).

A ACh sintetizada é subsequentemente transportada para vesículas sinápticas através do transportador de ACh, processo que consume energia (ATP produzido na mitocôndria).

Outro exemplo é o glutamato, que é crítico para as sinapses glutamatérgicas. Devido à deficiência de piruvato carboxilase nos neurônios, o glutamato é sintetizado nos astrócitos e depois entregue aos neurônios pelos transportadores de glutamato. A síntese de glutamato ocorre nas mitocôndrias dos astrócitos através de várias etapas para converter oxaloacetato em α-cetoglutarato e, eventualmente, no produto final, glutamato.

Além de sua função na síntese de glutamato, o transporte de glutamato de astrócitos para os neurônios e o empacotamento de glutamato em vesículas sinápticas são processos que consomem energia e dependem significativamente da produção de ATP das mitocôndrias.

De fato, as mitocôndrias neuronais também são conhecidas por desempenhar um papel crítico na síntese de vários outros neurotransmissores importantes, como norepinefrina, dopamina, GABA e serotonina. Novamente, as mitocôndrias são indispensáveis ​​para o empacotamento desses neurotransmissores em vesículas sinápticas.

Além disso, as mitocôndrias também têm influência indireta na produção de neurotransmissores não clássicos, incluindo adenosina, ATP e óxido nítrico. Portanto, as mitocôndrias são extremamente essenciais para a síntese, empacotamento e armazenamento de vários neurotransmissores, cuja disfunção está ligada a várias doenças neurodegenerativas e a transtornos do neurodesenvolvimento.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Musculação e dieta cetogênica para prevenção do declínio cognitivo

O exercício é um fator importante para melhorar a longevidade, a saúde física e mental e a função cognitiva. Além disso, há uma forte associação para a prevalência de demência em idosos com sarcopenia (perda muscular relacionada à idade).

O fato assustador é que a sarcopenia nos atinge aos 30 anos, quando a massa muscular esquelética começa a cair em média 5% por década. Após os 60 anos, a taxa de sarcopenia acelera ainda mais, sendo 3x maior se você tiver demência! Portanto, é importante entender a ligação entre a saúde muscular e cognitiva, os mecanismos fisiopatológicos subjacentes e as possíveis contramedidas baseadas no estilo de vida que podem ser feitas para retardar ou reverter a sarcopenia.

Os quatro mecanismos propostos que são melhor apoiados pela ciência incluem o metabolismo da insulina, o metabolismo da proteína, a função mitocondrial e a inflamação sistêmica (veja a figura abaixo).

Mecanismos que ligam a perda de massa magra ao declínio cognitivo (Oudbier et al., 2022)

Perda de massa magra reduz a secreção de miocinas

As miocinas são liberadas pela contração muscular. Atuam como moléculas de sinalização para outras partes do corpo. Duas miocinas importantes são a catepsina B e o fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), que também é gerado pelo músculo.

A catepsina B pode atravessar a barreira hematoencefálica e impactar diretamente algumas vias que envolvem o desenvolvimento de neurônios. O BDNF promove a expressão de genes envolvidos na biogênese mitocondrial neuronal. O BDNF também desempenha um papel importante na manutenção de um pool saudável de mitocôndrias, na regulação do estresse oxidativo e melhoria metabólica.

Indivíduos sedentários ou que praticam exercícios com pouca frequência podem inibir indiretamente a liberação de miocinas e seus efeitos benéficos na massa muscular, biogênese mitocondrial, inflamação e metabolismo energético. Mesmo o desuso de curto prazo (7 a 10 dias) causa perda muscular.

As estratégias de prevenção para preservar os músculos e a cognição exigirão treinamento de resistência (atingir as fibras tipo 2), treinamento aeróbico, alimentação cetogênica, suplementação adequada (por exemplo, creatina, cetonas). Para aqueles que procuram apenas dar o primeiro passo na prevenção, a intervenção mais importante no estilo de vida seria simplesmente evitar a inatividade e melhorar os biomarcadores metabólicos (por exemplo, tratar resistência insulínica).

Sedentarismo leva a alterações mitocondriais, as quais por sua vez contribuem para o estresse oxidativo, inflamação, resistência insulínica e ativação da via ubiquitina-sistema proteasoma, relacionado à degradação muscular. Insulina alta perifericamente correlaciona-se com insulina alta no cérebro. Como o número de receptores de insulina no corpo e no sistema nervoso vão se reduzindo com o envelhecimento, a situação agrava-se se o consumo de carboidratos permanece alto. Se a pessoa não malha e come muito carboidrato, o problema agrava-se.

Uma opção para melhorar o metabolismo mitocondrial e a produção de mitocinas é aumentar os níveis de corpos cetônicos, com jejum, uso de Triglicerídeos de Cadeia Média (TCM), sais ou cetonas exógenas. Sais de cetonas e ésteres de cetonas ainda não estão disponíveis em todos os lugares do mundo, mas o TCM sim. Além disso, o TCM é alternativa mais barata neste contexto.

Lembrando que, a dieta cetogênica tem riscos, como aumento da incidência de litíase renal (pedras nos rins). Por isso, quem deseja fazer essa dieta deve caprichar no consumo de líquidos. Pode ser necessária também a suplementação de citratos. Outro possível efeito colateral da dieta cetogênica é a pressão baixa. Com a queda no consumo de carboidratos, perdemos mais sódio pela urina, o que gera mais tontura. Além de aumentar o sódio da dieta, outros eletrólitos podem ser suplementados. Aprenda mais em https://t21.video.

Muitas pessoas preocupam-se com a elevação do colesterol e dos níveis de LDL com o aumento do consumo de gorduras. No contexto da dieta cetogênica, sem açúcar, parece não haver problema pois o LDL que aumenta não é aterogênico (pequeno e denso) e sim o LDL grande. Já quando a dieta além de gordura, contém muito carboidrato o LDL que aumenta é pequeno, denso e mais aterogênico. Além disso, na diea cetogênica triglicerídeos diminuem, balanceando esse efeito do aumento do LDL. Aprender a analisar outros biomarcadores é importante. Veja o artigo sobre o tema.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/