As proteínas de choque térmico (Heat Shock Proteins - Hsps) são moléculas altamente conservadas evolutivamente, essenciais para a manutenção da homeostase celular, especialmente durante condições adversas. Dentre elas, a família Hsp70 é uma das mais estudadas devido à sua importância funcional, versatilidade e ampla distribuição nos organismos vivos.
O que são proteínas de choque térmico (Hsps)?
As Hsps são assim chamadas porque sua expressão foi inicialmente observada em células expostas a temperaturas elevadas. No entanto, hoje sabemos que sua produção também é induzida por outros estressores, como hipóxia, radiação UV, metais pesados, infecções virais, e agentes oxidantes. Elas funcionam como chaperonas moleculares, facilitando o enovelamento correto de proteínas, prevenindo agregados proteicos tóxicos e auxiliando na degradação de proteínas danificadas.
A Família Hsp70: Visão Geral
A Hsp70 (70 kDa) é a principal representante de sua família e está presente em todos os compartimentos celulares, como citoplasma, núcleo, mitocôndrias e retículo endoplasmático. Ela pode ser dividida em duas categorias:
Constitutiva (Hsc70): Expressa constantemente, mesmo em condições fisiológicas.
Induzível (Hsp70 ou Hsp72): Expressa em resposta ao estresse.
Estrutura da Hsp70
A Hsp70 possui uma estrutura modular altamente conservada composta por três domínios funcionais principais:
Domínio de ligação ao ATP (N-terminal ~44 kDa)
Atua como um motor molecular. A ligação e hidrólise de ATP regulam a afinidade da Hsp70 por seus substratos proteicos.
A presença de ATP promove uma conformação aberta e de baixa afinidade por substratos; a hidrólise para ADP fecha a estrutura, aumentando a afinidade.
Domínio de ligação ao substrato (SBD - Substrate Binding Domain, ~25 kDa)
Reconhece e se liga a regiões hidrofóbicas expostas de proteínas parcialmente dobradas ou desnaturadas.
Possui uma "tampa" que se fecha sobre o substrato, promovendo o isolamento da cadeia polipeptídica danificada do ambiente celular hostil.
Domínio C-terminal (lid ou “tampa”)
Estabiliza o complexo Hsp70-substrato e interage com co-chaperonas, como as proteínas da família Hsp40 (ou DNAJ) e nucleotídeos de troca (NEFs - Nucleotide Exchange Factors).
Mecanismo de Atuação da Hsp70 no Estresse Celular
O mecanismo de ação da Hsp70 é dependente de ciclos de ligação e hidrólise de ATP e pode ser descrito em quatro etapas principais:
Reconhecimento do substrato
Proteínas desnaturadas ou mal enoveladas expõem regiões hidrofóbicas que são rapidamente reconhecidas por Hsp70 em associação com co-chaperonas Hsp40.
Ligação ao substrato
A ligação do polipeptídeo à Hsp70 estimula a hidrólise do ATP, o que causa uma mudança conformacional que "tranca" o substrato no domínio de ligação.
Refoldamento ou manutenção
A proteína pode ser mantida nessa forma para evitar agregação ou ser direcionada para refoldamento adequado com auxílio de outras chaperonas como Hsp90, ou mesmo para degradação via proteassoma.
Liberação do substrato
Os NEFs promovem a troca de ADP por ATP, o que reduz a afinidade da Hsp70 pelo substrato e promove sua liberação.
Papel da Hsp70 na Resposta ao Estresse Celular
Durante condições de estresse, como aumento de temperatura, há desnaturação proteica generalizada. A Hsp70 atua como a linha de frente da defesa celular, evitando a formação de agregados citotóxicos e facilitando a recuperação da célula.
Funções-chave incluem:
Prevenção de agregação proteica.
Refoldamento de proteínas mal enoveladas.
Direcionamento de proteínas irreparáveis à degradação.
Regulação da apoptose: Hsp70 pode inibir vias pró-apoptóticas, como a ativação da caspase-9 e a translocação do Bax para mitocôndrias.
Participação na resposta imune: em alguns contextos, Hsp70 pode atuar como sinal de "perigo" ao ser liberada no espaço extracelular, ativando células imunológicas.
Implicações Médicas e Biotecnológicas
A Hsp70 é estudada como alvo terapêutico em diversas doenças, incluindo:
Câncer: células tumorais frequentemente superexpressam Hsp70 para sobreviver ao microambiente hostil.
Doenças neurodegenerativas: como Alzheimer e Parkinson, nas quais Hsp70 pode reduzir agregação de proteínas patológicas como tau e α-sinucleína.
Vacinas e imunoterapia: uso de Hsp70 como adjuvante para aumentar a apresentação de antígenos.
A Hsp70 é uma proteína multifuncional essencial para a sobrevivência celular sob estresse. Sua estrutura modular altamente conservada permite o reconhecimento preciso e a estabilização de proteínas desnaturadas, enquanto sua regulação energética garante a reversibilidade e especificidade de sua função.