A Roda da Urina: dos Diagnósticos Médicos na Idade Média ao século XXI

Na Europa medieval, a urina era vista como um verdadeiro espelho da saúde. Examinar sua cor, cheiro, sabor, consistência e até bolhas era uma das principais ferramentas de diagnóstico dos médicos. Tratados como On Urines (século XIII, Gilles de Corbeil) serviam como guias visuais para interpretação dos sinais — uma prática conhecida como uroscopia.

Ulrich Pinder, Epiphanie medicorum: Speculum vivendi vrinas horninum (Nuremberg: Friedrich Peypus, 1506).

O que os médicos observavam?

Além das características físicas da urina, eram considerados fatores como idade, sexo, dieta, emoções e esforço físico do paciente.

Algumas associações típicas descritas em manuais médicos:

  • Sedimentos negros e turvos + surdez e insônia → prognóstico grave, risco de hemorragia nasal.

  • Cor arroxeada (livid) → febres graves, doenças do pulmão, útero, rins, gangrena ou decadência vital.

  • Urina branca e fina → ligada a diabetes, epilepsia, reumatismo, hidropisia e até morte.

  • Cor de vinho → preocupante com febre (inflamação nos rins/fígado ou ruptura de vasos), mas em corpos saudáveis podia ser efeito de sexo, corrida ou dança excessiva.

  • Bolhas persistentes → humores “crus”, indicando cefaleia, vômitos, diarreia, problemas renais.

  • Urina escura, viscosa e escassa → presságio de morte.

  • Urina esverdeada → sinal de icterícia ou febre fatal.

A prática da uroscopia não ficou restrita a médicos eruditos. Textos leigos circulavam entre viajantes e comerciantes, e a imagem do médico segurando o frasco de urina — a matula — tornou-se símbolo popular, às vezes alvo de sátira.

Da urina medieval à metabolômica moderna

Embora soe curiosa, a ideia de que a urina poderia revelar segredos do corpo antecipou conceitos atuais. Em 1946, Roger Williams, na revista The Human Frontier, falou sobre perfis metabólicos individuais. Em 1978, Gates e Sweeley publicaram na Clinical Chemistry a primeira análise em larga escala de perfis metabólicos urinários.

Hoje, a metabolômica humana investiga centenas de pequenas moléculas presentes na urina e em outros fluidos corporais, construindo uma ponte entre a prática medieval e a ciência de ponta. Aprenda mais no curso de metabolômica na prática clínica.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/