A literacia alimentar refere-se ao conhecimento, às competências e às atitudes que permitem às pessoas fazerem escolhas alimentares saudáveis e sustentáveis. Também conhecida como letramento alimentar ou alfabetização alimentar. Envolve a capacidade de entender informações nutricionais, planear refeições equilibradas, interpretar rótulos de alimentos e compreender o impacto da alimentação na saúde e no meio ambiente.
Componentes da literacia alimentar:
Conhecimento nutricional – Saber quais alimentos são saudáveis e como combiná-los para garantir uma dieta equilibrada.
Leitura e interpretação de rótulos – Identificar ingredientes, valores nutricionais e evitar produtos ultraprocessados ou com excesso de açúcares, gorduras e aditivos.
Planejamento e confecção de refeições – Habilidade de preparar refeições caseiras saudáveis, reduzindo o consumo de fast food e alimentos industrializados.
Consumo consciente e sustentável – Escolher alimentos de produção local, reduzir o desperdício alimentar e compreender o impacto ambiental das dietas.
Tomada de decisões informadas – Capacidade de resistir a estratégias de marketing enganoso e fazer escolhas com base na ciência da nutrição.
Importância da literacia alimentar
Melhora a saúde e previne doenças como obesidade, diabetes e problemas cardiovasculares.
Reduz o impacto ambiental através de escolhas alimentares mais sustentáveis.
Contribui para a economia familiar, evitando gastos desnecessários com alimentos pouco nutritivos.
Aumenta a autonomia e a capacidade de adaptação a diferentes contextos alimentares.
Autores e estudos relevantes em literácia alimentar
Vidgen & Gallegos (2014) – Definem a literacia alimentar como um conjunto de habilidades necessárias para planejar, gerenciar, selecionar, preparar e comer alimentos de maneira saudável e sustentável.
Nutbeam (2000, 2008) – Trabalha na área de literacia em saúde, destacando a importância da educação na capacitação dos indivíduos para escolhas saudáveis. Também pode ser chamada de alfabetização em saúde ou letramento em saúde.
Cullen et al. (2015) – Exploram o impacto da literacia alimentar no comportamento alimentar e na saúde pública.
Truman et al. (2017) – Propõem um modelo de literacia alimentar baseado em competências práticas, cognitivas e sociais.
Slater (2017) – Destaca a relação entre a literacia alimentar e a culinária, ressaltando a importância da educação alimentar desde a infância.
Avaliação da literácia alimentar
A avaliação da literacia alimentar pode ser feita por meio de diversos métodos e indicadores, dependendo do objetivo do estudo ou da política pública. As abordagens mais comuns incluem questionários, testes de conhecimento, observação de práticas alimentares e indicadores de saúde.
1. Métodos de avaliação
a) Questionários padronizados
Usados para medir conhecimentos, atitudes e comportamentos relacionados à alimentação. Alguns exemplos:
"Food Literacy Questionnaire" (FLQ) – Mede competências em escolha e preparação de alimentos.
"Nutrition Literacy Scale" (NLS) – Avalia a capacidade de compreender informações nutricionais.
"Health Literacy Questionnaire" (HLQ) – Inclui aspectos da literacia alimentar dentro da literacia em saúde.
b) Testes de conhecimento e habilidades
Interpretação de rótulos alimentares.
Planejamento de refeições equilibradas.
Compreensão de informações nutricionais em cardápios e embalagens.
c) Observação de práticas alimentares
Registros alimentares ou recordatórios de 24h.
Frequência de consumo de alimentos ultraprocessados vs. in natura.
Habilidades culinárias e hábitos de preparo de refeições.
d) Indicadores biométricos e clínicos
Índice de Massa Corporal (IMC) e perfil lipídico.
Ocorrência de doenças relacionadas à má alimentação (diabetes, hipertensão).
2. Indicadores da literacia alimentar
Os principais indicadores podem ser agrupados em três dimensões:
a) Conhecimento e compreensão
Capacidade de interpretar rótulos e tabelas nutricionais.
Conhecimento sobre grupos alimentares e nutrientes essenciais.
Compreensão do impacto da alimentação na saúde e no meio ambiente.
b) Habilidades e práticas
Planejamento de refeições saudáveis e equilibradas.
Habilidade de cozinhar utilizando alimentos in natura e minimamente processados.
Capacidade de escolher alimentos mais saudáveis em diferentes contextos (supermercado, restaurantes).
c) Comportamento e impacto na saúde
Adesão a padrões alimentares saudáveis (ex.: Dieta Mediterrânea, Guia Alimentar da População Brasileira).
Redução do consumo de açúcar, sal e gorduras saturadas.
Frequência de consumo de frutas, verduras e legumes.
A escolha do método e dos indicadores depende do público-alvo e dos objetivos da pesquisa ou política pública.
Programas para aumento da literacia alimentar em portugal e brasil
Tanto em Portugal quanto no Brasil, existem programas e iniciativas dedicados a aumentar a literacia alimentar da população.
Portugal
Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS): Lançado em 2012 pela Direção-Geral da Saúde (DGS), o PNPAS tem como objetivo melhorar o estado nutricional da população portuguesa. Entre suas estratégias, destaca-se o aumento da literacia alimentar e nutricional, capacitando os cidadãos para escolhas e práticas alimentares saudáveis. O programa atua em diversas frentes, incluindo a regulação da publicidade alimentar dirigida a menores de 16 anos e a promoção de ambientes alimentares saudáveis.
PLATE – Programa de Literacia Alimentar de base Tecnológica nas Escolas: Desenvolvido pelo Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), o PLATE é um conjunto de ferramentas de comunicação sobre alimentação e vida saudável. Destinado a adolescentes entre 12 e 15 anos, o programa visa aumentar a literacia alimentar e combater o excesso de peso, sendo implementado e testado em contexto escolar.
Projetos Locais de Literacia Alimentar: Diversas iniciativas locais têm sido implementadas para promover a literacia alimentar.
Brasil
Plano Brasil Sem Fome: Lançado em agosto de 2023, o Plano Brasil Sem Fome é uma estratégia do governo federal para retirar o país do Mapa da Fome. Coordenado por 24 ministérios, o plano reúne ações e programas que atuam em dimensões importantes do enfrentamento à fome, incluindo a promoção da segurança alimentar e nutricional.
Guia Alimentar para a População Brasileira: Publicado pelo Ministério da Saúde, o guia é uma ferramenta de educação alimentar que visa promover a saúde e prevenir doenças relacionadas à alimentação. Ele oferece recomendações sobre escolhas alimentares, modos de preparo e a importância de práticas alimentares saudáveis, contribuindo para a literacia alimentar da população.
Programas de Segurança Alimentar e Nutricional: O Brasil possui diversas políticas públicas voltadas para a promoção da segurança alimentar, assegurando o direito humano à alimentação adequada. Esses programas articulam ações de diferentes setores para promover a literacia alimentar e melhorar a qualidade da alimentação no país.
Essas iniciativas refletem o compromisso de Portugal e Brasil em promover a literacia alimentar, reconhecendo sua importância para a saúde pública e o bem-estar das populações.
Estatísticas em literácia alimentar
Em Portugal e no Brasil, alguns estudos têm explorado o nível de literacia alimentar e seus impactos na população. Os níveis exatos de literacia alimentar não são conhecidos nos dois países, mas podemos fazer algumas inferências a partir de outras pesquisas.
Portugal
De acordo com o estudo Global Burden of Disease de 2019, os hábitos alimentares inadequados foram o quinto fator de risco que mais contribuiu para a perda de anos de vida saudável em Portugal, principalmente devido a doenças cardiovasculares, diabetes e neoplasias. Estima-se que cerca de 160.000 anos de vida saudável poderiam ser poupados se a população adotasse uma alimentação mais equilibrada.
Além disso, um estudo revelou que 70% das crianças em Portugal não consomem sopa nas duas refeições principais, indicando desafios na adoção de hábitos alimentares saudáveis desde a infância.
Brasil
Dados de 2023 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que 72,4% dos domicílios brasileiros estavam em situação de segurança alimentar, indicando acesso permanente a alimentos adequados. Contudo, 27,6% ainda enfrentavam dificuldades na aquisição de alimentos, refletindo desigualdades no acesso e, possivelmente, na literacia alimentar.
Adicionalmente, um estudo apontou que apenas 30% dos brasileiros relataram alto consumo diário de alimentos in natura, com esse percentual caindo para 20,4% entre os menos escolarizados. Isso sugere uma correlação entre nível educacional e escolhas alimentares mais saudáveis.
Consumo de alimentos ultraprocessados
Embora haja esforços significativos em ambos os países para promover a literacia alimentar, os estudos indicam que ainda existem desafios a serem superados. A implementação de políticas públicas eficazes e programas educacionais contínuos é crucial para melhorar a compreensão e as práticas alimentares da população, contribuindo para a promoção da saúde e a prevenção de doenças relacionadas à alimentação.
Em âmbito individual, uma preocupação é o aumento do consumo de alimentos ultraprocessados.
Um estudo abrangente publicado em 2024 no The BMJ analisou a associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados (AUP) e diversos desfechos de saúde. Examinando dados de múltiplas meta-análises epidemiológicas, a pesquisa encontrou uma ligação entre a alta ingestão de AUP e um risco aumentado de várias condições adversas de saúde.
Principais Descobertas:
Saúde Cardiometabólica: O consumo elevado de AUP foi associado a um maior risco de doenças cardiovasculares, incluindo um aumento de 5% na mortalidade por doenças cardiovasculares por porção adicional consumida. Além disso, o risco de desenvolver diabetes tipo 2 foi 12% maior.
Saúde Mental: O estudo identificou um aumento de 48-53% no risco de ansiedade e transtornos mentais comuns entre indivíduos com alta ingestão de AUP.
Obesidade e Ganho de Peso: Foi observada uma associação significativa entre o consumo de AUP e a obesidade, incluindo uma prevalência 55% maior de obesidade.
Mortalidade: A ingestão elevada de AUP esteve relacionada a um aumento de 50% no risco de mortalidade por todas as causas.
Alimentos ultraprocessados também impactam o sistema respiratório, gastrointestinal e aumentam o risco de câncer.
Excesso de peso
A prevalência de sobrepeso e obesidade varia conforme a faixa etária tanto em Portugal quanto no Brasil.
Portugal
Adultos (≥18 anos):
Em 2014, mais de metade (52,8%) da população com 18 ou mais anos tinha excesso de peso.
Crianças e Adolescentes:
Em um estudo com 6.175 crianças e adolescentes (idade média de 8,3 anos), a prevalência de sobrepeso foi de 18,7% e de obesidade 13,4%, segundo os critérios do CDC.
Brasil
Adultos (≥18 anos):
De acordo com dados de 2023, 56,8% dos brasileiros apresentavam excesso de peso. A prevalência variou conforme a faixa etária:
18 a 24 anos: 40,3%
45 a 54 anos: 68,5%
Projeções indicam que, até 2044, 48% dos adultos brasileiros poderão ter obesidade, com outros 27% apresentando sobrepeso.
Crianças e Adolescentes:
Entre crianças de 5 a 10 anos, a prevalência de obesidade aumentou de 11,1% para 13,8% nos meninos e de 9,1% para 11,2% nas meninas.
Esses dados evidenciam a necessidade de políticas públicas eficazes para aumentar a literácia alimentar e ampliação dos programas de educação alimentar para combater o avanço do sobrepeso e da obesidade em todas as faixas etárias nos dois países.