Regulação epigenética do glioma de alto grau

Os gliomas de alto grau (particularmente o glioblastoma, o tipo mais agressivo e comum de glioma) apresentam um prognóstico desfavorável, com altas taxas de recorrência e resistência ao tratamento. Embora a abordagem terapêutica convencional, incluindo cirurgia, radioterapia e quimioterapia, tenha melhorado, a taxa de sobrevida a longo prazo continua sendo limitada.

Sua interação complexa com o sistema imunológico, conhecida como simbiose tumor-imune, desempenha um papel crítico na progressão tumoral e resistência à terapia. A regulação epigenética, incluindo metilação do DNA, modificações de histonas e atividade de RNA não codificantes, influencia profundamente essa interação tumor-imune, moldando o microambiente tumoral (TME), modulando a evasão imune e regulando vias inflamatórias pró-tumorais.

Nos últimos anos, o estudo da epigenética, ou seja, as modificações herdáveis na expressão gênica sem alteração da sequência de DNA, tem se mostrado uma área promissora para entender a biologia do glioma e identificar biomarcadores prognósticos. Uma assinatura epigenética neural prognóstica envolve a identificação de modificações epigenéticas específicas associadas a características malignas do tumor e a previsão do comportamento da doença, como a resposta ao tratamento e a sobrevida do paciente.

Simbiose Tumor-Imune no Glioma

As células de glioma e as células imunes interagem em uma relação dinâmica, na qual os gliomas exploram o sistema imunológico para apoiar seu crescimento e sobrevivência. As principais características dessa simbiose incluem:

  • Supressão Imune: Os gliomas suprimem a imunidade anti-tumoral induzindo células T reguladoras (Tregs), expressando moléculas de pontos de controle imunológico (como PD-L1) e recrutando células supressoras derivadas de mieloide (MDSCs).

  • Microambiente Inflamatório: A inflamação crônica mediada por macrófagos associados ao tumor (TAMs) e microglia promove invasão, angiogênese e resistência ao tratamento nos gliomas.

  • Interação Metabólica: Os gliomas moldam o ambiente metabólico para inibir respostas imunes citotóxicas (por exemplo, via produção de lactato e depleção de arginina).

As modificações epigenéticas regulam muitos desses processos, alterando a expressão de genes envolvidos nas respostas imunes e inflamação.

Mecanismos Epigenéticos na Regulação Tumor-Sistema imune

a. Metilação do DNA

  • Gene MGMT: A metilação do gene MGMT (O-6-methylguanine-DNA methyltransferase) é um dos biomarcadores epigenéticos mais bem estudados em glioma. Pacientes com metilação do promotor de MGMT têm maior resposta à temozolomida, uma quimioterapia comum para glioblastomas.

  • Os gliomas frequentemente exibem hipermetilação nas regiões promotoras de genes críticos para a apresentação de antígenos e ativação imune, como os genes HLA classe I.

  • Silenciamento de Antígenos Tumorais: A metilação aberrante pode suprimir antígenos tumorais associados (TAAs), reduzindo o reconhecimento pelas células T citotóxicas (CTLs).

  • Metilação de Genes de Pontos de Controle Imunológicos: A regulação epigenética pode modular a expressão de PD-L1, promovendo a evasão imune ao inibir a ativação das células T.

b. Modificações de Histonas

  • A acetilação e metilação das histonas regulam a acessibilidade da cromatina para genes envolvidos nas respostas imunes.

  • Os gliomas superexpressam desacetilases de histonas (HDACs), o que suprime genes associados à inflamação e ativação imunológica. Inibidores de HDAC (HDACis) demonstraram aumentar a expressão de citocinas pró-inflamatórias, revertendo a supressão imune.

c. RNAs Não Codificantes (ncRNAs)

  • MicroRNAs (miRNAs): Os miRNAs desregulados no glioma, como miR-155 e miR-21, modulam vias de sinalização imunológica. Por exemplo:

    • miR-21 promove a polarização M2 dos TAMs, levando a um microambiente imunossupressor.

    • miR-155 está envolvido na ativação de células T, mas também pode contribuir para inflamação crônica.

  • Longos RNAs Não Codificantes (lncRNAs): LncRNAs como MALAT1 e HOTAIR têm sido implicados na evasão imune ao modular a produção de citocinas e a infiltração de células T.

Fatores Epigenéticos na Evasão Imune no Glioma

a. Regulação de Pontos de Controle Imunológicos

  • Upregulação de PD-L1: Mecanismos epigenéticos, como modificações de histonas e metilação do DNA, regulam a expressão de PD-L1, permitindo que os gliomas escapem da vigilância imunológica.

  • Via CTLA-4: MiRNAs desregulados, como miR-34a, influenciam a supressão mediada por CTLA-4.

b. Polarização de TAMs

  • Fatores epigenéticos induzem a polarização dos TAMs para um fenótipo tipo M2, que é pró-tumorigênico e imunossupressor.

  • HDACs e ncRNAs demonstraram regular os perfis de citocinas que promovem essa polarização.

c. Sinalização de Citocinas e Quimiocinas

  • A regulação epigenética de citocinas (como IL-10 e TGF-β) e quimiocinas (como CCL2) influencia o recrutamento e a função das células imunes, fomentando um microambiente supressor.

Estratégias Terapêuticas Baseadas em Epigenética

As terapias epigenéticas visam reprogramar a simbiose tumor-imune no glioma para restaurar a imunidade anti-tumoral e melhorar a eficácia dos tratamentos existentes.

a. Inibidores de Metiltransferase do DNA (DNMTis)

  • Inibidores de DNMT, como decitabina, podem desmetilar promotores de genes imunes, restaurando a expressão de antígenos tumorais e melhorando o reconhecimento imune.

b. Inibidores de Desacetilase de Histonas (HDACis)

  • Inibidores de HDAC, como vorinostat, demonstraram:

    • Aumentar a expressão de citocinas pró-inflamatórias.

    • Reprogramar os TAMs para um fenótipo M1 (anti-tumorigênico).

    • Melhorar a infiltração e atividade das células T.

c. Terapias Baseadas em miRNA

  • A modulação dos miRNAs desregulados usando miméticos ou inibidores pode restaurar o equilíbrio imunológico. Por exemplo:

    • Miméticos de miR-155 aumentam as respostas imunes anti-tumorais.

    • Inibidores de miR-21 reduzem a polarização imunossupressora dos TAMs.

d. Terapias Combinadas

  • Combinar terapias epigenéticas com inibidores de pontos de controle imunológico (como anti-PD-1/PD-L1) pode potencializar as respostas imunes.

  • A modulação epigenética também pode sensibilizar os gliomas para terapias com células T CAR e outras imunoterapias.

A Importância da Assinatura Epigenética Prognóstica

Uma assinatura epigenética prognóstica em glioma de alto grau pode fornecer informações valiosas sobre:

  • Classificação do Tumor: Permite uma classificação mais refinada dos gliomas, além das características histológicas tradicionais, ajudando a distinguir subtipos moleculares com diferentes comportamentos clínicos.

  • Previsão da Sobrevida: Padrões epigenéticos podem ser usados para prever a sobrevida global e a sobrevida livre de progressão, auxiliando na decisão terapêutica.

  • Resposta ao Tratamento: Identificar padrões epigenéticos associados à resistência a terapias convencionais, como a quimioterapia (por exemplo, temozolomida), pode ajudar a personalizar o tratamento e melhorar os resultados do paciente.

A assinatura epigenética pode fornecer uma classificação molecular mais precisa dos gliomas de alto grau, superando a limitação das classificações histológicas. Isso pode ajudar a identificar subgrupos de pacientes com características biológicas distintas e prognósticos diferentes.

b. Previsão de Resposta ao Tratamento

  • Com base nas assinaturas epigenéticas, os pacientes podem ser classificados quanto à sua probabilidade de responder a tratamentos específicos, como quimioterapia, terapia direcionada e imunoterapia.

c. Terapias Personalizadas

  • A modulação epigenética, como o uso de inibidores de DNMT (inibidores de metiltransferase de DNA) e HDACs, pode ser uma abordagem para reverter modificações epigenéticas desfavoráveis e melhorar a resposta ao tratamento.

Desafios e Perspectivas Futuras

a. Validação em Ensaios Clínicos

  • Embora várias assinaturas epigenéticas tenham sido propostas, sua validação em ensaios clínicos é essencial para garantir sua utilidade na prática clínica.

b. Abordagens Terapêuticas Epigenéticas

  • O desenvolvimento de terapias baseadas em epigenética, como inibidores de DNMT ou HDAC, oferece uma oportunidade de tratar gliomas de alto grau de maneira mais eficaz, reprogramando o microambiente tumoral e restaurando a expressão gênica normal.

c. Integração com Outras Tecnologias

  • A combinação de assinaturas epigenéticas com outras tecnologias, como sequenciamento genético e análise de células únicas, permitirá uma compreensão mais profunda da biologia dos gliomas e ajudará no desenvolvimento de estratégias terapêuticas mais eficazes (Drexler et al., 2024).

Dieta cetogênica e assinatura epigenética do glioma

A relação entre a dieta cetogênica e a assinatura epigenética do glioma é um tema emergente na pesquisa científica, que envolve tanto os efeitos metabólicos da dieta quanto os mecanismos moleculares de regulação da expressão gênica, particularmente no contexto do câncer cerebral.

A dieta cetogênica é uma dieta de baixo carboidrato e alta gordura, que induz o corpo a entrar em um estado metabólico chamado cetose. Nesse estado, o corpo queima gordura como principal fonte de energia, em vez de carboidratos, produzindo corpos cetônicos como fontes de energia alternativas. Além de ser usada para o controle de epilepsia, especialmente em crianças, a dieta cetogênica tem mostrado potencial em outras condições, incluindo alguns tipos de câncer. No caso do glioma a dieta cetogênica tem atraído interesse por várias razões:

  • Metabolismo do Glioma: Gliomas, como muitos tipos de câncer, apresentam alterações no metabolismo celular. Eles frequentemente têm uma alta demanda de glicose, pois a glicose é crucial para seu rápido crescimento e proliferação. A dieta cetogênica, ao reduzir a disponibilidade de glicose e aumentar a produção de corpos cetônicos, poderia potencialmente reduzir a capacidade de crescimento do tumor.

  • Efeitos Anti-inflamatórios e Antioxidantes: A dieta cetogênica pode reduzir a inflamação e o estresse oxidativo, que são frequentemente associados ao crescimento tumoral e à progressão do glioma.

Embora a pesquisa sobre o efeito direto da dieta cetogênica na assinatura epigenética dos gliomas ainda esteja em estágios iniciais, há várias vias pelas quais a dieta cetogênica pode influenciar processos epigenéticos no câncer:

  • Alteração na Disponibilidade de Metabólitos: A mudança na disponibilidade de glicose e corpos cetônicos pode impactar os níveis de metabolitos celulares que, por sua vez, afetam enzimas responsáveis por modificações epigenéticas. Por exemplo, os corpos cetônicos podem atuar como reguladores da atividade de enzimas responsáveis pela acetilação de histonas.

  • Redução da Inflamação: A dieta cetogênica pode reduzir a inflamação sistêmica e a inflamação no microambiente tumoral, o que pode influenciar a expressão de genes que controlam a proliferação celular e a diferenciação.

  • Alterações na Metilação do DNA: Algumas pesquisas indicam que a dieta cetogênica pode afetar os padrões de metilação do DNA, modulando a expressão de genes relacionados à resposta ao estresse e à sobrevivência celular.

A relação entre dieta cetogênica e assinatura epigenética no glioma é um campo promissor de pesquisa, mas ainda há muito a ser descoberto. A dieta pode influenciar os mecanismos epigenéticos que regulam o comportamento das células tumorais, podendo potencialmente ser usada como uma estratégia complementar no tratamento de gliomas. No entanto, mais estudos clínicos e experimentais são necessários para confirmar esses efeitos e entender melhor como a dieta cetogênica pode ser integrada ao tratamento do glioma, considerando os mecanismos moleculares envolvidos.

Eficácia da Curcumina Nanoencapsulada no Tratamento de Glioblastoma

Diversos estudos indicam o uso da curcumina como adjuvante no tratamento de Glioblastoma Multiforme (GBM). Modelos experimentais com diferentes tipos de células de GBM (HSR-GBM11, JHH-GBM14, hU251MG, U87MG, GL261, F98, C6, N2a) tratadas com curcumina nanoencapsulada apresentaram resultados positivos, como maior eficácia na entrada das células por endocitose, aumento da apoptose, indução de autophagy, bloqueio do ciclo celular na fase G2/M, e redução da proliferação celular e formação de neurossferas tumorais. Esses efeitos foram significativamente mais eficazes do que a curcumina livre.

Uma abordagem interessante envolveu nanopartículas biodegradáveis conjugadas com anticorpos para melhorar a eficiência fotodinâmica da curcumina em células de glioblastoma. Essa técnica demonstrou resultados eficazes, promovendo a liberação da curcumina, a internalização celular, e a indução de citotoxicidade e fototoxicidade.

Outro estudo mostrou que 80 mg de curcumina encapsulada em nano micelas foi capaz de suprimir o crescimento celular da linhagem U373, modulando as vias de sinalização Wnt e NF-κB, levando à parada do ciclo celular na fase G2/M e induzindo morte celular.

Além disso, a curcumina dendrossomal (DNC) inibiu a proliferação celular em U87MG de forma dependente do tempo e da dose. Quando administrada juntamente com a sobre-expressão de p53, houve um aumento na apoptose celular.

Em um estudo clínico com 13 pacientes com glioblastoma, a administração oral de curcuminoides nanoencapsulados (70 mg de curcumina) mostrou que a curcumina foi absorvida pelas células tumorais e pode influenciar o metabolismo energético intratumoral.

O uso de curcumina nanoencapsulada, como as nanopartículas C-LNCs de 196 nm, resultou em uma diminuição maior do tamanho do tumor cerebral e aumento da sobrevida em modelos murinos. Outras formas de curcumina, como curcumina linkada a anticorpos ou curcumina fitossomal, mostraram uma taxa de remissão completa em 60% dos modelos de glioblastoma.

Finalmente, a curcumina encapsulada em matrizes de polissacarídeos, como o ácido hialurônico e a quitosana, demonstrou boa penetração pela barreira hematoencefálica (BHE) e eficácia no tratamento de células de glioma C6.

Evidências mostram que a curcumina, ao atuar sobre as modificações epigenéticas, pode aumentar a eficácia de outros tratamentos anticancerígenos, como a quimioterapia e a radioterapia.

  • Em modelos de glioma, a curcumina foi capaz de modificar a metilação do gene p16INK4a, um importante gene supressor de tumor.

  • A curcumina demonstrou eficácia na regulação de miRNAs como miR-34a, que está envolvido no controle da apoptose e da senescência celular.

CONSULTA DE NUTRIÇÃO EM ONCOLOGIA

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/