Creatina melhora a função e saúde cerebral

O cérebro é um órgão complexo altamente energético, consumindo aproximadamente 20% da energia total em repouso, apesar de representar apenas cerca de 2% da massa corporal total. Os neurônios requerem um suprimento constante de energia, na forma de trifosfato de adenosina (ATP) para vários processos celulares, incluindo a manutenção de gradientes iônicos, exocitose de neurotransmissores e funcionamento sináptico.

A creatina, um composto orgânico nitrogenado derivado de reações envolvendo os aminoácidos arginina, glicina e metionina, é importante para ressintetizar ATP, particularmente durante períodos de maior demanda metabólica (por exemplo, privação de sono, problemas de saúde mental ou doenças neurológicas).

Através da reação reversível catalisada pela creatina quinase, a fosforilcreatina (PCr) combina-se com o difosfato de adenosina (ADP) para ressintetizar o ATP. O PCr funciona como uma molécula de alta energia capaz de ressintetizar ATP significativamente mais rápido que a fosforilação oxidativa e os processos glicolíticos.

Embora a grande maioria da creatina seja sintetizada nos rins e no fígado, a creatina também pode ser sintetizada endogenamente no cérebro. Além disso, a creatina tem alguma capacidade de atravessar a barreira hematoencefálica (BBB), através de células endoteliais microcapilares que expressam o transportador de creatina SLC6A8. Como o músculo capta mais creatina que o cérebro, a suplementação é indicada para pacientes com condições em que observa-se alteração na bioenergética cerebral.

Embora mais de 95% da creatina do corpo seja armazenada no músculo esquelético, a creatina é fabricada em outros tecidos (por exemplo, fígado, pâncreas, rins). Já o cérebro tem a capacidade de sintetizar creatina e, portanto, parece ser mais resistente à captação da mesma do que o músculo. Além disso, a ausência de SLC6A8 nos astrócitos pode limitar a captação exógena de creatina cerebral. Pode ser que o cérebro dependa principalmente da síntese endógena de creatina até que haja algum tipo de desafio ao nível de creatina cerebral. Estes desafios, que podem causar uma diminuição da creatina cerebral, podem ser agudos (por exemplo, privação de sono, exercício intenso) ou crônicos (por exemplo, envelhecimento, lesão cerebral traumática, depressão, doença de Alzheimer, deficiências da enzima de síntese de creatina).

Creatina e doenças neurodegenerativas

As doenças neurodegenerativas são comumente caracterizadas como condições que envolvem uma perda progressiva e irreversível da função neuronal, dificultando assim a capacidade de realizar tarefas cognitivas e/ou motoras.

O estresse oxidativo, o esgotamento de energia e o dano mitocondrial são características comuns em doenças neurodegenerativas, nas quais a creatina pode atuar, possivelmente eliminando espécies reativas de oxigênio e aumentando a produção de energia.

Esclerose Lateral Amiotrófica

A esclerose lateral amiotrófica (ELA) é uma doença neurodegenerativa caracterizada pela perda progressiva de neurônios motores, resultando em atrofia muscular, fraqueza e paralisia, levando à morte. O uso de creatina na ELA reside em seu papel potencial como agente neuroprotetor, reduzindo o estresse oxidativo, atenuando o dano e a disfunção mitocondrial e gerando energia através da ressíntese de ATP. Contudo, mais estudos são necessários nesta área para suporte empírico adequado.

Distrofia Muscular de Duchenne

A distrofia muscular de Duchenne (DMD) é uma doença potencialmente fatal causada por mutações no gene da distrofina que reduz significativamente o tempo de vida, principalmente devido a insuficiência respiratória ou cardíaca. A suplementação de creatina melhora a força e o tempo até a exaustão em pacientes com DMD e jovens com distrofia muscular de Becker. É importante ressaltar que a suplementação de creatina pode conferir efeitos diferentes entre as diferentes formas de distrofias musculares.

Doença de Huntington

A doença de Huntington (DH) é uma condição neurodegenerativa autossômica dominante progressiva caracterizada por deficiências motoras, cognitivas e comportamentais, que também podem ser fatais. Também abrange danos mitocondriais e comprometimento do metabolismo energético, que podem resultar em aumento do lactato cerebral e redução da regeneração de ATP e PCr. A suplementação de creatina atenua a progressão da doença. No entanto, os resultados não foram consistentes entre estudos.

Esclerose múltipla

A esclerose múltipla (EM) é caracterizada como uma doença neurodegenerativa autoimune que resulta em comprometimento da transmissão nervosa, com sintomas que variam entre fraqueza muscular, deficiência de visão e equilíbrio e fadiga. Pacientes com EM também apresentam alterações no metabolismo da creatina cerebral e cardíaca, justificando estudos adicionais sobre os efeitos da suplementação de creatina nesta doença. Infelizmente, foram poucos os estudos realizados nestes pacientes e os mesmos não demonstraram melhorias na capacidade de exercício ou a potência muscular dos indivíduos avaliados.

Parkinson

A doença de Parkinson (DP) é caracterizada por perdas progressivas de neurônios dopaminérgicos, resultando em comprometimento cognitivo e motor, com sintomas que variam de tremor, instabilidade postural, bradicinesia à perda de massa e força muscular e aumento da suscetibilidade à fadiga. Foi demonstrado que a creatina provoca uma resposta melhorada à terapia dopaminérgica e aumenta a força e a função muscular. Contudo, a progressão da doença não foi diferente entre os grupos de creatina e placebo

Creatina e saúde mental

Muitos distúrbios de saúde mental são acompanhados de anormalidades na bioenergética cerebral, com alguns dos distúrbios mais prevalentes, como a depressão, associados a baixos níveis de creatina em certas regiões do cérebro. A maioria dos estudos observa melhorias clinicamente relevantes no uso da creatina para diferentes formas de depressão e na ansiedade generalizada. No entanto, são necessários mais ensaios clínicos randomizados em maior escala, e eles devem incluir medições de creatina cerebral e medidas dietéticas para melhor compreender a ingestão habitual de creatina na resposta a tal intervenção.

Pesquisas futuras são necessárias para determinar os efeitos mecanísticos e clínicos das estratégias de dosagem de suplementação de creatina a longo prazo na função cerebral e na saúde. Futuras intervenções multifatoriais também podem ser necessárias quando a creatina for combinada com outras estratégias para melhorar a cognição ou tratar doenças neurodegenerativas.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/