Disbiose e dor abdominal

O artigo Bacterial modulation of visceral sensation: mediators and mechanisms explora como as bactérias intestinais influenciam a percepção das sensações viscerais, ou seja, as sensações originadas nos órgãos internos, como dor e desconforto. A pesquisa destaca a interação entre o microbioma intestinal e o sistema nervoso, sugerindo que as bactérias podem alterar a forma como o cérebro processa sinais do trato gastrointestinal.

Modulação microbiana de vias aferentes viscerais. Legenda: NTS, núcleo do trato solitário; ENS, sistema nervoso entérico; ECC, célula enterocromafins; SCFAs, ácidos graxos de cadeia curta (Lomax et al., 2019).

A figura acima ilustra mecanismos potenciais pelos quais micróbios no lúmen intestinal podem modificar a sinalização aferente do intestino para o sistema nervoso central. A microbiota pode afetar a sensibilidade das vias periféricas da dor por efeitos diretos nos terminais periféricos dos neurônios do gânglio da raiz dorsal (DRG) ou indiretamente alterando a liberação de mediadores de células enteroendócrinas, células imunes ou enterócitos.

Os principais pontos abordados no artigo incluem:

  1. Microbioma e Sistema Nervoso: O microbioma intestinal desempenha um papel crucial na modulação das sensações viscerais, afetando a comunicação entre o intestino e o cérebro. Alterações nesse equilíbrio podem contribuir para distúrbios gastrointestinais, como a síndrome do intestino irritável (SII).

  2. Mediadores Bioquímicos: O artigo detalha os mediadores bioquímicos, como neurotransmissores e moléculas sinalizadoras, que são produzidos pelas bactérias intestinais e podem influenciar a resposta sensorial. Entre esses mediadores estão as citoquinas e os ácidos graxos de cadeia curta, que têm efeitos diretos no sistema nervoso.

  3. Mecanismos de Modulação: As bactérias intestinais podem alterar a sensibilidade do sistema nervoso, impactando a percepção de dor ou desconforto. Isso ocorre por meio da ativação de receptores sensoriais no intestino, que, por sua vez, enviam sinais ao cérebro, afetando a sensação de bem-estar ou dor.

Neurotransmissores e moléculas associadas à dor visceral

A dor visceral é uma sensação complexa e muitas vezes difícil de diagnosticar, associada a distúrbios nos órgãos internos, como o trato gastrointestinal. Diversos neurotransmissores e moléculas sinalizadoras desempenham papéis cruciais na modulação da dor visceral. Aqui estão alguns dos principais:

1. Substância P (SP)

Neurotransmissor que está envolvido na transmissão da dor. Ela é liberada por neurônios sensoriais no trato gastrointestinal e pode sensibilizar os receptores de dor no intestino. Está associada à modulação da dor e à inflamação. A substância P contribui para a percepção da dor visceral, principalmente em condições inflamatórias, como na síndrome do intestino irritável (SII).

2. Citocinas (como TNF-α, IL-1β, IL-6)

As citocinas são proteínas sinalizadoras que mediam processos inflamatórios e imunes. Elas são produzidas por células do sistema imunológico e podem afetar a sensibilidade à dor. Em resposta à inflamação intestinal, as citoquinas podem sensibilizar os neurônios sensoriais, tornando-os mais suscetíveis a estímulos dolorosos. Elas também modulam a resposta do sistema nervoso central à dor visceral.

3. Ácidos Graxos de Cadeia Curta (SCFAs)

Os ácidos graxos de cadeia curta, como o butirato, propionato e acetato, são produzidos pela fermentação bacteriana de fibras alimentares no intestino.

Esses ácidos podem interagir com receptores no trato gastrointestinal, modulando a atividade dos neurônios sensoriais. Eles têm um efeito importante na homeostase do sistema nervoso intestinal, influenciando a percepção da dor visceral. O desequilíbrio na produção de SCFAs pode aumentar a sensibilidade à dor no intestino.

4. Serotonina (5-HT)

A serotonina é um neurotransmissor importante no sistema nervoso central e no sistema nervoso entérico (o "cérebro" do intestino).

A serotonina regula a motilidade intestinal e a percepção de dor. Em condições patológicas, como a SII, níveis alterados de serotonina no intestino podem aumentar a sensibilidade à dor, agravando as queixas de dor visceral.

5. Glutamato

O glutamato é um neurotransmissor excitatório crucial para a transmissão de sinais no sistema nervoso central e periférico. Ele está envolvido na transmissão dos sinais de dor no sistema nervoso central. A ativação de receptores de glutamato pode promover a dor visceral, especialmente em condições inflamatórias do intestino.

6. Óxido Nítrico (NO)

O óxido nítrico é uma molécula sinalizadora que regula a vasodilatação e a motilidade intestinal. O NO pode influenciar a sensibilidade à dor visceral ao afetar a função dos músculos lisos intestinais e a atividade neuronal. Em situações patológicas, como inflamação intestinal, a produção excessiva de NO pode intensificar a dor visceral.

7. Endocanabinoides (como anandamida)

Os endocanabinoides são moléculas produzidas pelo corpo que se ligam a receptores canabinoides no sistema nervoso. Eles têm um efeito modulador sobre a dor e a inflamação no trato gastrointestinal. A ativação de receptores canabinoides pode aliviar a dor visceral, sendo um alvo potencial para novas terapias no tratamento de distúrbios intestinais dolorosos.

8. ATP (Adenosina Trifosfato)

O ATP é uma molécula envolvida no transporte de energia nas células, mas também atua como neurotransmissor em várias vias de dor. O ATP pode ativar receptores purinérgicos em neurônios sensoriais do trato gastrointestinal, aumentando a percepção de dor, especialmente durante inflamações intestinais.

9. Peptídeos Opióides Endógenos (como enkefalinas e endorfinas)

Esses peptídeos são produzidos pelo corpo e têm propriedades analgésicas, ligando-se a receptores opióides para aliviar a dor. Em algumas situações, os peptídeos opióides endógenos ajudam a reduzir a dor visceral, mas, em desequilíbrio, podem também contribuir para a hipersensibilidade visceral.

Compreender como o microbioma modula as sensações viscerais pode levar ao desenvolvimento de novas terapias para doenças intestinais e distúrbios relacionados, como a SII, utilizando estratégias nutricionais específicas. Abaixo estão algumas das principais abordagens:

Dieta Anti-inflamatória: A inflamação crônica é um fator importante na dor visceral. Incorporar alimentos anti-inflamatórios pode ajudar a controlar a inflamação e reduzir a dor. Exemplos incluem:

  • Ômega-3: Encontrado em peixes gordurosos (salmão, sardinha) e sementes de linhaça, chia e nozes. O ômega-3 ajuda a reduzir a inflamação intestinal.

  • Frutas e vegetais: Ricos em antioxidantes, como vitaminas C e E, que ajudam a combater o estresse oxidativo e reduzir a inflamação.

  • Especiarias anti-inflamatórias: Como o açafrão (curcumina) e o gengibre, que possuem propriedades anti-inflamatórias comprovadas.

Modulação da Microbiota Intestinal: Alterações na microbiota intestinal, como a disbiose, podem ser uma causa de dor visceral. Estratégias nutricionais para restaurar o equilíbrio microbiano podem ser úteis:

  • Probióticos: Alimentos ricos em probióticos, como iogurte natural, kefir, kimchi e chucrute, ajudam a equilibrar a flora intestinal e reduzir a inflamação.

  • Prebióticos: Alimentos ricos em fibras solúveis (como banana verde, cebola, alho, alcachofra e aspargos) ajudam a nutrir as bactérias benéficas do intestino e melhorar a função intestinal.

APRENDA O PASSO A PASSO PARA TRATAR A DISBIOSE

Redução de Alimentos Gaseificantes - A dor visceral pode ser exacerbada por gases intestinais e distensão abdominal. Alguns alimentos podem contribuir para a formação excessiva de gases:

Evitar alimentos como feijão, brócolis, couve-flor, cebola e alimentos ricos em açúcares fermentáveis (FODMAPs), que podem causar fermentação excessiva no intestino.

Seguir uma dieta com baixo teor de FODMAP pode ser útil para pacientes com síndrome do intestino irritável (SII), uma condição associada à dor visceral.

Controle de Intolerâncias Alimentares como a intolerância à lactose ou ao glúten, pois podem causar dor visceral em algumas pessoas. Eliminar ou reduzir esses alimentos pode aliviar os sintomas:

  • Lactose: Para quem tem intolerância, é importante evitar produtos lácteos ou escolher versões sem lactose.

  • Glúten: Pessoas com sensibilidade ao glúten podem se beneficiar de uma dieta sem glúten, que inclui evitar trigo, centeio e cevada.

Consumo de Alimentos Calmantes e Digestivos - Certos alimentos e bebidas podem ajudar a acalmar o trato digestivo e reduzir a dor visceral:

  • Chá de hortelã: A hortelã tem propriedades relaxantes sobre os músculos do trato digestivo, podendo reduzir a dor associada a cólicas intestinais.

  • Chá de camomila: Conhecida por suas propriedades calmantes, a camomila pode ajudar a reduzir a inflamação e acalmar o sistema digestivo.

  • Gengibre: Além de anti-inflamatório, o gengibre é ótimo para aliviar náuseas e reduzir o inchaço abdominal.

Evitar Alimentos Processados e Ricos em Gorduras Saturadas - Alimentos processados e ricos em gorduras saturadas podem piorar a dor visceral ao promoverem inflamação no organismo. Reduzir o consumo de:

  • Alimentos fritos.

  • Produtos industrializados (fast food, embutidos, alimentos ricos em conservantes e aditivos).

  • Açúcares refinados e alimentos ricos em carboidratos simples, como doces, pães brancos e refrigerantes, que podem aumentar a inflamação e agravar os sintomas.

Alimentação em Pequenas Refeições e Mastigação Adequada - Comer grandes quantidades de alimentos em uma única refeição pode aumentar a pressão no trato digestivo, contribuindo para a dor visceral. Recomenda-se:

  • Fazer refeições menores e frequentes ao longo do dia, para evitar sobrecarregar o sistema digestivo.

  • Mastigar bem os alimentos para facilitar a digestão e reduzir o risco de gases e distensão abdominal.

Controle do Estresse - O estresse pode exacerbar a dor visceral, uma vez que está intimamente relacionado à função gastrointestinal. Estratégias nutricionais que ajudam a controlar o estresse incluem:

  • Alimentos ricos em magnésio, como amêndoas, espinafre e abacate, que ajudam a relaxar o sistema nervoso.

  • Consumir álcool e cafeína com moderação, pois esses podem aumentar a irritabilidade do trato intestinal.

Manutenção de um Peso Saudável - O excesso de peso, especialmente a gordura abdominal, pode piorar a dor visceral, devido à pressão extra sobre os órgãos internos. Uma alimentação balanceada, rica em nutrientes e pobre em calorias vazias, pode ajudar no controle do peso e na redução da dor.

Adotar uma abordagem nutricional focada na redução da inflamação, no equilíbrio da microbiota intestinal e no controle de alimentos irritantes pode ser muito eficaz na redução da dor visceral. Além disso, a alimentação deve ser personalizada, levando em consideração as intolerâncias alimentares individuais e as características de cada pessoa. Consultar um nutricionista ou médico especializado é sempre recomendado para criar um plano alimentar adaptado às necessidades específicas.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/