O ácido gama-aminobutírico (GABA) é um neurotransmissor inibitório essencial no sistema nervoso central (SNC), responsável por regular a excitabilidade neuronal. Desequilíbrios nos níveis de GABA estão associados a condições neurológicas, como Alzheimer e Parkinson, e a distúrbios psicológicos, incluindo ansiedade, depressão e estresse.
Por muito tempo, acreditou-se que o GABA circulante não poderia influenciar diretamente o cérebro devido à incapacidade de atravessar a barreira hematoencefálica (BHE). No entanto, pesquisas recentes revelaram uma relação significativa entre os níveis de GABA no organismo, a composição da microbiota intestinal e a modulação da saúde mental. Essas descobertas indicam que o GABA pode ser um importante mediador do eixo intestino-cérebro.
A Microbiota Intestinal e o Eixo Intestino-Cérebro
O intestino humano abriga trilhões de microrganismos, formando uma comunidade complexa chamada de microbiota intestinal. Esses micróbios desempenham um papel crucial na produção de metabólitos que impactam a saúde do hospedeiro. Entre os metabólitos mais conhecidos estão:
Ácidos graxos de cadeia curta (AGCC)
Ácidos biliares
Metabólitos de colina
Vitaminas
Aminoácidos
Neurotransmissores, como o GABA.
A comunicação bidirecional entre a microbiota intestinal e o sistema nervoso central, mediada por sinais metabólicos, é conhecida como o eixo cérebro-intestino-microbioma. Esses metabólitos viajam para o cérebro por meio de mecanismos como:
Nervo vago – Transporta sinais diretamente do intestino ao cérebro.
Barreira hematoencefálica – Após atravessar a barreira intestinal, os metabólitos podem atingir o cérebro e modular funções cerebrais.
Essa interação impacta diversos sistemas do corpo, incluindo o sistema nervoso central, contribuindo para a regulação da saúde mental.
O Papel do GABA na Comunicação Intestino-Cérebro
Estudos recentes demonstraram que alterações na microbiota intestinal podem influenciar os níveis de GABA circulante, que, por sua vez, afetam a função cerebral. Fatores alimentares, como probióticos, prebióticos e alimentos fermentados, estimulam a produção de GABA por microrganismos no intestino. Espécies de Lactobacilos e Bifidobactérias utilizam o GABA como parte de seus processos metabólicos naturais, influenciados por fatores dietéticos específicos.
Fatores Alimentares que Estimulam a Produção de GABA
Probióticos: Microrganismos vivos que melhoram a composição da microbiota intestinal e promovem a síntese de GABA.
Prebióticos: Fibras alimentares que alimentam as bactérias benéficas do intestino.
Alimentos fermentados: Produtos como iogurte, kefir, kimchi e missô contêm microrganismos que produzem GABA naturalmente.
Enzimas microbianas: Facilitam a produção de GABA a partir de precursores alimentares.
Esses fatores alimentares ajudam a modular a microbiota intestinal, que, por sua vez, libera GABA e outros metabólitos que atravessam a barreira intestinal, influenciam os níveis cerebrais e melhoram a saúde mental.
Impacto do GABA na Saúde Mental
Pesquisas apontam que o GABA produzido pela microbiota intestinal pode estar associado a melhorias em condições como:
Ansiedade
Depressão
Estresse
Epilepsia
Transtorno do Espectro Autista (TEA)
Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH)
Além disso, novas descobertas indicam o papel da homocarnosina, um peptídeo cerebral que atua como mediador a jusante do GABA, regulando funções cerebrais e reforçando a importância desse neurotransmissor no eixo intestino-cérebro.
Deficiências de homocarnosina são associadas a doenças como Alzheimer e epilepsia. Medicamentos antiepiléticos, como gabapentina e vigabatrina, têm demonstrado aumentar os níveis de GABA e homocarnosina, melhorando a função cerebral.
Metabolismo do GABA
O GABA foi descoberto no cérebro em 1950 e é amplamente reconhecido como um neurotransmissor essencial. No entanto, evidências indicam que sua função vai além do SNC, com implicações em diversos tecidos periféricos, como:
Pâncreas: Alta concentração de GABA, com evidências de que seu sistema está envolvido na proteção do órgão e na regulação do metabolismo da insulina.
Outros tecidos: Incluem intestino, coração, pulmões, ovários e rins, onde a concentração de GABA é relativamente baixa em comparação ao cérebro.
Síntese do GABA
O GABA é produzido por humanos, plantas e bactérias, a partir do glutamato, por meio da enzima descarboxilase do ácido glutâmico (GAD), que requer piridoxal-5'-fosfato (PLP), uma forma ativa da vitamina B6, como cofator.
Características da GAD:
Em humanos, as isoformas GAD65 e GAD67 são reguladas pelos genes GAD1 e GAD2 e atuam no cérebro e no pâncreas.
Em plantas, a GAD é ativada por estresses abióticos (hipóxia, calor, frio) ou bióticos (infecções e ferimentos).
Em bactérias, a GAD é expressa durante o crescimento estacionário ou sob estresse osmótico, como resposta adaptativa.
Degradação do GABA
O GABA é degradado pela enzima GABA-transaminase (GABA-T), que o converte em semialdeído succínico (SSA), posteriormente oxidado para succinato, um intermediário do ciclo do ácido tricarboxílico (TCA).
Funções da GABA-T:
No cérebro, atua em células gliais e endoteliais, regulando os níveis de GABA e evitando o excesso de neurotransmissor.
Nos órgãos periféricos, como fígado, pâncreas e rins, a GABA-T pode hidrolisar o GABA dietético e controlar sua entrada no cérebro.
Curiosamente, estudos demonstraram que o GABA dietético, mesmo em altas doses, não aumenta significativamente os níveis de GABA no sangue, sugerindo uma hidrolise eficiente no fígado. Mesmo assim, doses baixas de GABA derivado da dieta ou de bactérias intestinais mostram benefícios terapêuticos, representando um paradoxo intrigante que merece mais investigações.
Microrganismos Produtores de GABA no Intestino Humano
Bactérias Intestinais e GABA
Bactérias gastrointestinais como Bacteroides, Bifidobacterium e Lactobacillus têm um papel significativo na produção de GABA devido à presença do gene da glutamato descarboxilase (GAD). Estudos recentes revelaram que:
Bacteroides é o gênero mais abundante produtor de GABA na microbiota intestinal, superando Lactobacillus e Bifidobacterium em prevalência.
Espécies como Bacteroides fragilis, B. thetaiotaomicron e B. vulgatus foram identificadas como eficazes produtoras de GABA em pH fisiológico do intestino grosso humano.
Bifidobacterium adolescentis é reconhecido por sua contribuição significativa ao GABA fecal, com cepas como B. adolescentis PRL2019 produzindo até 9,4 mM de GABA.
Produção de GABA e Saúde Mental
A regulação do metabolismo glutamato-GABA pela microbiota intestinal tem implicações em transtornos de saúde mental. Alterações na composição de Bacteroides e outros microrganismos foram associadas a condições como depressão e ansiedade.
Outras Espécies Produtoras
Lactobacillus brevis, L. helveticus e L. plantarum são conhecidos produtores de GABA isolados de fezes humanas e também em alimentos.
Lactococcus garvieae exibiu elevada capacidade de produção de GABA em ambientes ácidos, ampliando as possibilidades para o uso de bactérias do ácido láctico (LAB).
Razões para a Produção de GABA
Microrganismos produzem GABA principalmente para sobreviver a condições estressantes, como baixo pH e ambientes anaeróbicos. O sistema GAD ajuda a regular o pH intracelular, promovendo a sobrevivência bacteriana por:
Consumo de íons H+ intracelulares durante a descarboxilação do glutamato,
Exportação de GABA, que aumenta ligeiramente o pH extracelular.
Esse mecanismo é crucial para a colonização do trato gastrointestinal e a adaptação a ambientes de fermentação.
Microbiota Intestinal e Saúde Mental
O GABA (ácido gama-aminobutírico) desempenha um papel crucial no eixo intestino-cérebro, com impactos significativos na saúde mental e nas funções neurológicas. A microbiota intestinal é uma fonte primária de GABA periférico, e sua produção está fortemente ligada à composição bacteriana no intestino.
Distúrbios Neurológicos
Esquizofrenia (SCZ): A disbiose intestinal, caracterizada por alterações em Bacteroides e Streptococcus, está associada ao metabolismo do GABA e do glutamato.
Doença de Alzheimer (DA): Níveis elevados de GABA no líquido cefalorraquidiano (LCR) têm sido relacionados a um risco reduzido de DA.
Doença de Parkinson (DP): Alterações microbianas intestinais, como aumento de Akkermansia e redução de Lactobacillus, impactam os níveis de GABA nos gânglios da base, afetando os sintomas motores.
Ansiedade, Depressão e Estresse
A modulação da microbiota por probióticos (Lactobacillus e Bifidobacterium) pode aumentar os níveis de GABA e aliviar sintomas de ansiedade e depressão.
Indivíduos com altos níveis de bactérias consumidoras de GABA, como Pseudomonas, apresentam maior prevalência de sintomas depressivos.
Epilepsia
Pacientes epilépticos frequentemente apresentam disbiose e redução de bactérias produtoras de GABA. Dietas cetogênicas têm demonstrado eficácia ao aumentar a relação GABA/glutamato no cérebro.
Transtorno do Espectro Autista (TEA) e TDAH
Crianças com TEA frequentemente apresentam uma abundância reduzida de Bifidobacterium e níveis mais baixos de GABA fecal.
No TDAH, alterações microbianas em crianças e adultos podem estar relacionadas a mudanças nos níveis de GABA, indicando diferenças no impacto da microbiota dependendo da idade.
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