Efeito da dieta cetogênica no crescimento infantil

A dieta cetogênica (DC) é caracterizada pela redução drástica na ingestão de carboidratos, promovendo uma mudança no metabolismo que favorece a cetogênese, fornecendo uma fonte alternativa de energia ao organismo. Nesse estado, conhecido como "cetose nutricional", os corpos cetônicos (β-hidroxibutirato, acetoacetato e acetona) substituem a glicose como principal fonte de energia.

História e Aplicações Terapêuticas

Tradicionalmente, a DC foi desenvolvida como intervenção terapêutica para crianças com epilepsia refratária, reduzindo significativamente a frequência e gravidade das convulsões. Além disso, estudos têm explorado seu potencial em outras condições, como câncer, obesidade e distúrbios neurológicos e metabólicos. Entre os benefícios relatados para pacientes pediátricos estão:

  • Controle de convulsões;

  • Melhora na sensibilidade à insulina;

  • Auxílio no controle de peso.

Variantes da Dieta Cetogênica

Existem diferentes padrões de KD, adaptados às necessidades clínicas específicas, como:

  • DC Clássica;

  • DC com Triglicerídeos de Cadeia Média (MCT);

  • DC MCT Modificada;

  • Dieta Atkins Modificada.

Esses protocolos podem ser baseados em alimentos naturais, fórmulas específicas ou até administrados por dispositivos de nutrição artificial (sonda ou nutrição parenteral).

Desafios e Efeitos Adversos

Embora eficaz, a KD apresenta desafios significativos, especialmente em pacientes pediátricos:

  • Restrição alimentar: pode dificultar a adesão a longo prazo.

  • Efeitos colaterais de curto prazo: náusea, constipação, fadiga, desidratação e desequilíbrios eletrolíticos.

  • Reintrodução de carboidratos: pode desfazer rapidamente os benefícios da cetose.

A longo prazo, as preocupações incluem potenciais impactos no crescimento, saúde óssea e cardiovascular, especialmente em crianças e adolescentes. Pesquisas sobre esses efeitos são limitadas, mas levantam questões sobre aumento de colesterol, triglicerídeos e possíveis distúrbios do crescimento.

Perspectivas e Cuidados Necessários

Apesar das limitações, a DC é uma ferramenta valiosa para tratar epilepsia e outras condições, desde que seja:

  1. Bem planejada;

  2. Acompanhada por profissionais de saúde;

  3. Monitorada quanto a possíveis efeitos adversos.

O uso expandido da DC em pediatria depende de maior compreensão de seus efeitos a longo prazo, especialmente no estado nutricional e no desenvolvimento

Um dos principais objetivos da DC em crianças é promover o crescimento adequado enquanto alivia os sintomas das condições tratadas. No entanto, os estudos mostram resultados variados:

  • Crescimento Linear e Peso:

    • Estudos indicam que crianças em DC podem apresentar diminuição no crescimento linear em longo prazo, enquanto o status de peso pode permanecer inalterado. Por exemplo, Liu et al. identificaram quedas no percentil de peso após 4 meses de dieta, apesar de um aumento na altura absoluta.

    • Em contrapartida, Armeno et al. mostraram que a maioria das crianças em DC atingiu um crescimento adequado e melhorou o estado nutricional após 24 meses de acompanhamento.

  • Fatores de Risco:
    Crianças com condições genéticas específicas, como deficiência de GLUT-1, apresentam maior prevalência de crescimento atrofiado, sugerindo a necessidade de acompanhamento rigoroso. Estudos adicionais são necessários para entender os fatores que impactam o crescimento nessas populações.

  • Recomendações:
    Um monitoramento rigoroso é essencial para assegurar um crescimento saudável, e estratégias personalizadas podem ajudar a mitigar possíveis impactos negativos da dieta. A DC, por sua natureza restritiva, pode levar a deficiências de vitaminas e minerais essenciais:

    • Deficiências Relatadas:

      • Baixos níveis de folato, cálcio, magnésio, selênio e cobre foram identificados em pacientes pediátricos, mesmo após suplementação.

      • Casos de dermatite pelagroidal e neuropatias associadas à deficiência de tiamina foram documentados, reforçando a necessidade de suplementação vitamínica.

    • Efeitos Graves:
      Deficiência de selênio tem sido associada a cardiomiopatia, enquanto baixos níveis de cobre podem levar a neutropenia e anemia.

    • Recomendações:
      Suplementação multivitamínica e monitoramento regular dos níveis de micronutrientes são fundamentais. Uma abordagem personalizada deve ser implementada para prevenir deficiências.

A saúde óssea é outra uma preocupação significativa em crianças submetidas à DC:

  • Perda de Densidade Óssea:
    Estudos de longo prazo mostraram maior incidência de fraturas ósseas e diminuição da densidade mineral óssea. Isso pode ser exacerbado pela acidose induzida pelos corpos cetônicos.

  • Fatores Contribuintes:

    • A redução do bicarbonato sérico e o aumento da relação cálcio-creatinina urinária foram observados, o que pode levar a cálculos renais.

    • Drogas antiepilépticas, frequentemente usadas em conjunto com a DC, também afetam negativamente a saúde óssea ao reduzir a absorção de cálcio e a mineralização óssea.

A DC também pode causar alterações no perfil metabólico e cardiovascular, especialmente em longo prazo:

  • Efeitos Comuns:

    • Hipertrigliceridemia e hipercolesterolemia são frequentemente relatadas, particularmente em pacientes com predisposições genéticas.

    • A desidratação, a hipoglicemia e a acidose metabólica também são efeitos colaterais comuns.

  • Impacto no Sistema Cardiovascular:
    Embora a DC possa aumentar os níveis de LDL em alguns pacientes, não há evidências conclusivas sobre seu impacto a longo prazo na aterosclerose. Monitoramento cuidadoso de biomarcadores lipídicos é recomendado, com ajustes da composição da dieta, conforme necessidade.

Acompanhamento do Crescimento e Composição Corporal

Avaliações Padrão:

  • Indicadores Antropométricos: Peso, altura (ou comprimento da tíbia para crianças com comprometimento neurológico), escores z de IMC, circunferência do braço, circunferência da cintura e dobra cutânea do tríceps, seguindo os gráficos de crescimento da OMS.

  • Métodos Avançados:

    • Bioimpedância (BIA): Útil para avaliar a composição corporal, embora não tenha valores de referência abaixo de 6 anos.

    • Pletismografia de Deslocamento de Ar (BodPod) e DEXA: Alternativas confiáveis para monitoramento longitudinal do estado nutricional.

⚠️ Atenção: A escolha do método deve considerar o nível motor do paciente e a viabilidade da realização dos exames em crianças pequenas.

Administração da DC e Desafios Clínicos

Administração Enteral:

  • Frequentemente utilizada, especialmente em crianças com comprometimento neurológico.

  • Complicações Potenciais:

    • Doenças agudas podem demandar suporte nutricional parenteral.

    • Efeitos colaterais metabólicos: Hipertrigliceridemia e aumento das enzimas hepáticas/pancreáticas.

    • Amostras de sangue lipêmicas podem interferir em resultados laboratoriais.

Consenso Internacional para Lactentes:

  • Protocolos específicos garantem a administração segura de DK em lactentes epilépticos, com foco no controle das crises e prevenção de efeitos metabólicos futuros.

Monitoramento de Micronutrientes

A suplementação personalizada é essencial para evitar deficiências de micronutrientes, que podem ser agravadas pela dieta restritiva. Diretrizes atuais sugerem:

  • Triagem Inicial: Inclui avaliação detalhada de vitaminas e minerais.

  • Monitoramento Regular: Adaptação contínua de protocolos de suplementação com base nas necessidades individuais.

⚠️ Desafios: Deficiências podem persistir mesmo com suplementação adequada, exigindo atenção constante.

Riscos Cardiometabólicos

Monitoramento:

  • Resistência à Insulina: Deve ser avaliada anualmente em pacientes com nutrição enteral ou alto risco cardiometabólico, utilizando ferramentas como HOMA-IR e índice TyG.

  • Dislipidemias: Ajustes na composição da dieta podem ser necessários para reduzir riscos cardiovasculares, com ênfase no aumento de ácidos graxos poliinsaturados.

Prevenção:

  • Protocolo Internacional: Estudos indicam a necessidade de diretrizes padronizadas para avaliar riscos cardiometabólicos, com foco em marcadores lipídicos e glicêmicos.

Saúde Óssea

Pacientes pediátricos em DK podem apresentar:

  • Redução da Densidade Mineral Óssea (DMO): Monitoramento regular por DEXA é recomendado, especialmente em crianças que utilizam medicamentos antiepilépticos.

  • Intervenções Preventivas: Suplementação de cálcio, vitamina D e citrato de potássio pode reduzir riscos de fraturas e cálculos renais.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/