Intervenções dietéticas no TEA

O artigo "Dietary interventions for autism spectrum disorder: An updated systematic review of human studies", de Cecilia N. Amadi e colaboradores, apresenta uma revisão sistemática atualizada sobre o impacto de intervenções dietéticas em indivíduos com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Foram analisados 21 estudos clínicos envolvendo cinco tipos principais de suplementos alimentares: antioxidantes/polifenóis, probióticos, prebióticos, leite de camelo e vitamina D.

Principais Resultados

  • Antioxidantes e polifenóis: Redução de citocinas inflamatórias e melhoria de sintomas comportamentais.

  • Probióticos: Melhoria dos sintomas gastrointestinais e comportamentais, além de restauração do equilíbrio da microbiota intestinal.

  • Prebióticos (fibras selecionadas): Diminuição da inflamação, melhoria de sintomas gastrointestinais e comportamentais, e modulação positiva da microbiota.

  • Vitamina D: Melhoria de sintomas comportamentais e efeitos neuroprotetores contra a toxicidade.

  • Leite de camelo: Redução do estresse oxidativo e da inflamação. O leite de vaca contém β-caseína A1, que, ao ser digerida, pode gerar BCM-7, um peptídeo com propriedades opioides que pode atravessar a barreira hematoencefálica e interferir nas funções cerebrais. O leite de camelo não contém BCM-7, reduzindo o risco de efeitos neurotóxicos e inflamatórios associados. Uma alternativa seria o leite de vaca A2, que também não contém a β-caseína A1 e não gera BCM-7.

Os autores destacam que essas intervenções são geralmente seguras, acessíveis e atuam em múltiplos sistemas fisiológicos, especialmente por meio do eixo intestino-cérebro.

Principais pontos sobre o eixo intestino-cérebro no artigo:

  1. Microbiota intestinal alterada:

    Pessoas com TEA frequentemente apresentam uma composição desequilibrada da microbiota intestinal. Essa disbiose pode afetar diretamente o funcionamento do sistema nervoso entérico (ENS) e a produção de compostos neuroativos, como serotonina (5-HT) e GABA.

  2. Intestino permeável ("leaky gut"):

    O desequilíbrio na microbiota pode enfraquecer a barreira intestinal. Isso permite a passagem de toxinas e compostos neuroativos para a corrente sanguínea e, eventualmente, para o cérebro.

  3. Vias de comunicação:

    O nervo vago e o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA) são rotas importantes de comunicação entre o intestino e o cérebro. Compostos produzidos no intestino podem afetar o comportamento, o humor e a função cognitiva por meio dessas vias.

  4. Comportamentos anormais:

    A disfunção intestinal, combinada à inflamação e ao estresse oxidativo, pode contribuir para sintomas comportamentais associados ao TEA.

  5. Intervenções dietéticas:

    Probióticos, prebióticos, antioxidantes e outros suplementos podem modular positivamente o eixo intestino-cérebro, restaurando a microbiota e melhorando sintomas comportamentais e gastrointestinais.

Outro artigo - intitulado "Mapping the geographical distribution of the mucosa-associated gut microbiome in GI-symptomatic children with autism spectrum disorder" - investigou como a composição da microbiota associada à mucosa gastrointestinal varia em crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) que apresentam sintomas gastrointestinais (GI), em comparação com crianças com desenvolvimento típico (DT).

O estudo teve como objetivo identificar onde ao longo do trato gastrointestinal ocorrem alterações nas comunidades microbianas associadas à mucosa em crianças com TEA, uma vez que estudos anteriores se concentraram principalmente na microbiota fecal. Foram coletadas biópsias de diferentes regiões do trato GI — antro gástrico, duodeno, íleo, cólon direito e reto — de crianças com TEA e sintomas GI, bem como de crianças DT pareadas por idade e sexo. As amostras foram analisadas por meio de sequenciamento do gene 16S rRNA para caracterizar as comunidades microbianas presentes.

Em todas as regiões do trato GI, crianças com TEA apresentaram uma maior abundância dos filos Bacillota e Bacteroidota e uma menor abundância de Pseudomonadota em comparação com crianças DT. Análises em nível de gênero revelaram diferenças específicas na composição microbiana entre as diferentes regiões do trato GI em crianças com TEA, indicando que cada local anatômico possui alterações únicas nas comunidades bacterianas associadas à mucosa. Foram observadas diferenças específicas relacionadas ao sexo na composição da microbiota intestinal de crianças com TEA.

Efeito da colonização precoce no TEA

Pesquisas mostram que a microbiota intestinal da mãe durante a gravidez tem papel crucial no desenvolvimento cerebral do feto. Ela regula perfis bioquímicos e determina quais metabólitos chegam ao cérebro do bebê em formação. Estudos em camundongos revelaram que mães com microbiota saudável apresentavam níveis mais altos de metabólitos como TMAO, TMAV, IP, 3-IS e hipurato. Esses compostos influenciam a formação de conexões neuronais no cérebro fetal, especialmente na axonogênese talamocortical – processo essencial para a conectividade cerebral (podemos avaliar alguns destes compostos nos exames metabolômicos).

Modo de Parto e Risco de Autismo: Existe Relação?

O tipo de parto influencia profundamente a colonização inicial do intestino do bebê. Partos vaginais permitem que o recém-nascido entre em contato com bactérias benéficas da flora vaginal da mãe. Já os nascidos por cesariana são expostos principalmente a microrganismos da pele materna e do ambiente hospitalar.

Isso impacta a composição da microbiota nos primeiros dias de vida, afetando o desenvolvimento imunológico e neurológico. Estudos indicam que a cesárea pode atrasar a adaptação neurológica e até aumentar o risco de transtornos como o TEA. Uma meta-análise mostrou que crianças nascidas por cesárea têm 23% mais risco de desenvolver autismo (Curran et al., 2014). Dados de mais de 5 milhões de nascimentos em cinco países confirmaram essa associação (Yip et al., 2016).

Antibióticos na Primeira Infância: Um Alerta Importante

O uso excessivo e precoce de antibióticos pode prejudicar o desenvolvimento da microbiota intestinal, especialmente nos três primeiros anos de vida – fase crítica para a maturação do sistema imunológico e do cérebro.

Antibióticos afetam a diversidade microbiana e favorecem o surgimento de patógenos, além de alterar o metabolismo intestinal. Isso pode gerar consequências a longo prazo, como doenças inflamatórias intestinais, alergias, distúrbios metabólicos e, possivelmente, TEA.

Estudos mostram que 34,5% das crianças com autismo foram expostas a múltiplos cursos de antibióticos de amplo espectro, o que levanta preocupações sobre o impacto dessa prática no eixo intestino-cérebro.

Importância das fibras alimentares

Estudos recentes reforçam que a ingestão de fibras alimentares pode melhorar significativamente a saúde intestinal. Após apenas duas semanas de consumo de fibras, 20% dos participantes apresentaram maior diversidade microbiana e aumento de bactérias benéficas como Prevotella copri. Essas fibras são fermentadas por bactérias intestinais como Firmicutes, Clostridia, Bacteroides e Desulfovibrio, produzindo substâncias chamadas ácidos graxos de cadeia curta (AGCCs) – principalmente butirato, acetato e propionato.

Os AGCCs são mais do que subprodutos da digestão: eles têm funções importantes no metabolismo celular e na proteção do intestino. Por exemplo, eles regulam o fator HIF-1α, que ajuda a manter a integridade da barreira intestinal e a proteger a microbiota contra respostas imunes excessivas. Além disso, os AGCCs são usados pelas células intestinais como fonte de energia e influenciam o ambiente de oxigênio no intestino, o que é fundamental para manter um ecossistema microbiano saudável.

Os AGCCs também têm efeitos no sistema nervoso central (SNC). O butirato, por exemplo, atua como um inibidor de histonas desacetilases (HDACs), o que favorece a expressão gênica saudável no cérebro. Esse mecanismo tem potencial terapêutico contra doenças neurodegenerativas.

Crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) apresentam frequentemente níveis alterados de AGCCs, especialmente propionato. Isso pode estar ligado a diferenças na fermentação de fibras e na composição microbiana intestinal. Alguns pesquisadores sugerem que os níveis elevados desses ácidos graxos podem servir como biomarcadores para TEA. Embora os AGCCs sejam essenciais para a saúde intestinal e cerebral, seu equilíbrio é fundamental: tanto a deficiência quanto o excesso podem afetar o desenvolvimento neurológico.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/